Com novo governo, Dilma tenta se blindar contra impactos negativos da Lava Jato
Dilma Rousseff, 63, dará inicio nesta quinta-feira (1) a seu segundo mandato como presidente do Brasil. Ontem, ela anunciou 14 novos ministros, a última leva de seu novo ministério de 39 pessoas, que está despertando críticas de aliados do PT por seu caráter supostamente conservador. Para o professor Gaspar Estrada, da unidade da Sciences Po de Paris, a escolha desses nomes reflete uma necessidade de “blindagem” contra os eventuais desdobramentos políticos negativos da operação Lava Jato.
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Além dos desafios políticos e econômicos, o novo mandato de Dilma Rousseff (PT) também começa sob a intensa pressão do escândalo de corrupção na Petrobras. Para se proteger, Dilma Rousseff optou por ampliar a base de aliados, atraindo nomes mais conservadores para integrar o seu governo. Na avaliação do professor Gaspar Estrada, do Observatório Político da América Latina, a estratégia que surpreendeu a direita e desagradou a esquerda, pode ser a tábua de salvação de Dilma para enfrentar um segundo mandato que se anuncia complicado. A seguir, os principais trechos da entrevista com o especialista de política brasileira.
RFI-A presidente Dilma busca, desesperadamente, agradar àqueles que queriam a sua derrota, mas desagradou aos que a reelegeram com a escolha de uma equipe econômica que responde aos anseios do mercado e com a nomeação de muitos ministros do PMDB. Como o senhor avalia esse governo “Dilma 2”?
Gaspar Estrada- O governo Dilma 2 é o resultado, em primeiro lugar, da vitória apertada nas eleições presidenciais. Por outro lado, é também o reflexo das eleições legislativas. O PT perdeu espaço no Congresso, passando de 90 para 77 deputados. Nesse quadro, o partido sofreu uma queda da sua representação ministerial. Desde o primeiro governo Lula, pela primeira vez, a pasta da Educação, por exemplo, saiu das mãos do PT para o Cid Gomes (Pros), que é uma liderança importante do Nordeste.
Acho que esse ministério montado pela presidenta é um reflexo desse novo quadro político ainda mais fragmentado. Dilma Rousseff está tentando blindar o seu governo contra os possíveis desdobramentos políticos da operação Lava Jato que podem ter um impacto no Congresso e no seu governo. Também há uma novidade política no governo Dilma 2. Pela primeira vez, o núcleo político do governo não será composto por assessores diretos com uma relação muito próxima do ex-presidente Lula.
RFI-E o que isso significa? Um grito de autonomia da presidente Dilma Rousseff nesse segundo mandato?
Gaspar Estrada- Acho que ela está tentando se blindar e ter mais autonomia. No primeiro mandato, havia mais ministros vinculados ao ex-presidente Lula. Mas não se sabe qual vai ser o reflexo disso no dia a dia político, porque Lula é o candidato natural do PT à presidência em 2018. Por outro lado, essas nomeações não refletem a correlação de forças dentro do partido. Os ministros do PT que foram nomeados são vinculados à tendência de Democracia Socialista (DS), que sempre foi minoritária no PT. Já a corrente do presidente Lula, o movimento Construindo um Novo Brasil (CNB), perdeu muito espaço. Em relação à agricultura, a presidente Dilma repete o mesmo esquema de Lula que, em 2003, nomeou, Roberto Rodrigues, um representante do Agronegócio, para a pasta. Desta vez, Dilma nomeou Kátia Abreu, também ligada ao agronegócio. Já para o Desenvolvimento Agrário, ela escolheu alguém mais ligado à esquerda e aos movimentos sociais que é o Patrus Ananias, um petista de Minas Gerais.
RFI- Mas uma ala do PT tem feito muitas críticas à escolha de Kátia Abreu que, além de ser do PMDB, está muito ligada ao agronegócio e é até chamada de “Miss Desmatamento”.
Gaspar Estrada- Foi a mesma coisa em 2003 com Roberto Rodrigues. Dilma, agora, está atraindo pessoas conservadoras para a base de sustentação política do seu governo, pois esse governo vai receber muitas pressões. Na economia, o Brasil não está crescendo. E, na política, há os desdobramentos da operação Lava Jato.
RFI- Logo após o resultado das eleições, o Banco Central aplicou uma alta da taxa de juros. E novas medidas impopulares de rigor que atingem benefícios trabalhistas e previdenciários foram anunciadas recentemente. Isso mostra que a política econômica vai ser mais voltada para os mercados?
Gaspar Estrada- Dilma está tentando sinalizar mudanças na economia, que foi o eixo principal da campanha. Dilma não tem muita escolha. Ela tem que mostrar para os agentes econômicos que haverá mudanças na política macroeconômica. Sob esse ponto de vista, o ministro da Fazenda que ela escolheu [Joaquim Levy] faz essa transição. Mas os mercados financeiros estão esperando mais. Acredito também que o governo quer passar a mensagem que esses ajustes não vão provocar um arrocho salarial. Isso criaria uma crise muito grande com o PT e com o ex-presidente Lula. Lula, aliás, já disse publicamente que vai pressionar a presidente Dilma para que ela fique do lado da esquerda.
RFI- Em que medida o escândalo da Petrobras, uma campanha virulenta de parte da mídia contra o governo Dilma Rousseff e a falta de apoio popular podem se transformar em uma verdadeira instabilidade política para o país?
Gaspar Estrada- O quadro é complicado. Mas Dilma ainda tem o poder da caneta. No Brasil, o Executivo tem um poder de nomeação muito maior que em outros países. Não vejo instabilidade institucional por enquanto, até porque, não se sabe, até hoje, qual a verdadeira dimensão desse escândalo da Petrobras. Até o momento há indícios, são listas, nomes, mas espero que esse assunto seja esclarecido para podermos avaliar qual o impacto real no governo. Mas Dilma está tentando se antecipar, ampliando o leque de alianças. Por que, se ela não o fizer, ela corre mais risco de ficar em uma situação desconfortável, principalmente, se esses indícios da operação Lava Jato se confirmarem.
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