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Paris/Salão do Livro

Imprensa brasileira é "sem vergonha e partidária", diz Fernando Morais no Salão do Livro de Paris

O jornalista e escritor Fernando de Morais é um dos 43 brasileiros que integram a delegação nacional no Salão do Livro de Paris. O autor promove a nova tradução de “Olga” para o francês. Morais participou na feira parisiense de várias sessões de autógrafos e palestras falando sobre biografias e sobre o Brasil de hoje. Ao comentar neste domingo (22) a revelação de que o ex-ministro José Dirceu estaria envolvido na Operação Lava Jato, disse estar arrepiado. Mas ponderou que a informação “tanto pode ser verdade, quanto uma invenção. A imprensa brasileira é muito partidária.”

Fernando Morais, no Salão do Livro de Paris, entrevistado por Adriana Brandão.
Fernando Morais, no Salão do Livro de Paris, entrevistado por Adriana Brandão. RFI
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A biografia “Olga”, de Fernando Morais, acaba de ganhar uma nova tradução francesa pela Editora Chandeigne. O livro completa este ano 30 anos e quando foi lançado em 1985 foi uma revelação.

O primeiro presidente civil chegava ao poder, o país saia de mais de 20 anos de ditadura militar e descobria a história oculta por décadas de Olga Benário Prestes, mulher do líder comunista Luis Carlos Prestes. Alemã, judia e revolucionária, ela foi entregue pelo governo Vargas ao regime nazista grávida, em 1936, e assassinada em uma câmara de gás de um campo de concentração na Alemanha, em 1942.

Polêmica sobre biografias

Em seguida, o jornalista ressuscitou outros personagens da história brasileira, como Assis Chateaubriand ou Casemiro Montenegro Filho. Ultimamente, deixou os mortos de lado para se dedicar aos vivos. Sua última biografia é o “Mago”, sobre o escritor Paulo Coelho. Agora, Morais está escrevendo um livro sobre o ex-presidente Lula. Isso, apesar de ter declarado que nunca mais escreveria livros biográficos, na época da polêmica sobre a nova lei de biografias. Juntamente com outros escritores, Fernando Morais, criticou uma tentativa de censura prévia.

Em 2013, um grupo de artistas brasileiros se mobilizou contra a lei sobre biografias não autorizadas, elaborada para impedir os processos na justiça que impediam as publicações. Depois de muita polêmica, a lei foi finalmente aprovada na Câmara, mas ainda tramita no Senado.

Entrevista

No Salão do Livro de Paris, Fernando Morais  concedeu uma longa entrevista à RFI sobre seu trabalho e a atual conjuntura política.

RFI: A nova tradução de Olga para o francês é lançada exatamente 30 anos após sua primeira publicação e quando o Brasil comemora três décadas de redemocratização.

Fernado Morais: É uma coincidência felicíssima. Se não tivesse acabado a ditadura, eu não teria conseguido publicar esse livro. Eu comecei a pesquisar durante a ditadura, mas sabia que ia depender da democracia para tornar o livro público.

Você fez questão de anunciar aqui no salão uma vitória nessa batalha sobre a publicação de biografias.

Compartilhei uma pequena vitória que tivemos na semana passada. Uma juíza do Tribunal de Justiça de São Paulo mandou arquivar um processo que estava sendo movido por uma senhora paulista, contra mim e contra minha editora (Companhia das Letras), por causa do meu livro “Chatô: o rei do Brasil”. Essa senhora, que teve um fugaz romance com o Assis Chateaubriand, em 1965, queria 30% de tudo o que o livro vendeu até hoje e queria que os exemplares remanescentes fossem destruídos. A juíza deu um parecer muito bonito e muito forte, negando o pedido. Essa não é uma vitória do autor, do advogado, ou da editora, é uma vitória da sociedade. O que está em questão não é o meu direito ao trabalho, mas é o direito da sociedade de se informar sobre ela própria.

É verdade que você parou de escrever biografias?

Parei. A menos que eu dependa disso para pagar as contas. É muito cansativo, Escrever não! Escrever é um prazer permanente. Vou tentar fazer outra coisa. Quem sabe vender caju numa bandeijinha na Praça Buenos Aires.

Você já foi deputado nos anos 80, continua sendo um homem engajado, de esquerda. Como você avalia a situação política no Brasil hoje?

Vejo com muita tristeza, com muita preocupação. Sou luterano com essa questão da honestidade do homem público. Acho que todo mundo que sujou a mão com dinheiro público tem que ir para a cadeia e as penas tem que ser pesadas. (...) Eu não sou do PT, nunca fui. Aliás, tenho muitas divergências com o PT, tenho também algumas convergências. Mas estou nauseado com as denúncias.

Chegou a iniciar uma biografia sobre o ex-ministro José Dirceu, condenado no julgamento do Mensalão. Por que interrompeu o projeto?

Parei porque ele não tinha tempo. É um projeto anterior ao Mensalão. Eu não sou amigo do José Dirceu. Mas estou convencido de que neste caso do Mensalão, o crime que o PT cometeu não é de natureza penal, é de natureza eleitoral. Eles fizeram o que todos os partidos no Brasil fazem, que é o chamado caixa dois. (...) Isso é um crime eleitoral e eles estão sendo condenados por um crime previsto pela legislação penal. A partir do momento que o José Dirceu foi envolvido, passou a ser praticamente impossível eu ficar tomando depoimentos dele porque ele precisava cuidar da sua liberdade. (...) Então, nós paramos. Quando ele foi solto, eu já estava envolvido em um outro projeto, que é um livro sobre o ex-presidente Lula.

Você fala em crime eleitoral no caso do Mensalão, mas revelações atuais mostram que o nome do José Dirceu está envolvido na Operação Lava Jato.

Eu estou arrepiado. Eu vi hoje na manchete da Folha de São Paulo a notícia que ele arrecadou quase R$ 30 milhões como consultor. É um negócio inacreditável. É uma montanha de dinheiro. Eu vejo isso com temor, mas é preciso levar em consideração que a imprensa brasileira é muito sem vergonha. Isso tanto pode ser verdade, quanto pode ser uma invenção. E isso quem está falando é um jornalista que trabalhou em todos os veículos do Brasil, pelo menos nos mais importantes. É preciso tomar muito cuidado para ler a imprensa brasileira que é uma imprensa, sobretudo, partidária. Em qualquer lugar do planeta, de Cuba a Washington, imprensa está sempre a serviço dos interesses e da ideologia de quem paga as contas no final do mês. O que eu acho que pode revolucionar esse processo é a internet, porque a internet é um campo de livre atiradores. Eu gostaria de poder voltar à imprensa, sobretudo, para dizer essas coisas que eu estou te dizendo aqui. Muito provavelmente, se isso fosse numa rádio brasileira, não seria dado e, se fosse, seria editado.

 

17:13

Reportagem Salão do Livro

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