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Escândalo Vatileaks

Ex-mordomo do Papa rejeita acusação de furto

O ex-mordomo do Papa Bento XVI, Paolo Gabriele, se declarou inocente da acusação de roubar documentos confidenciais que revelam intrigas e fraudes dentro da alta cúpula da Igreja Católica, mas culpado de trair a confiança do "Santo Padre". Ao apresentar sua defesa nesta terça-feira no tribunal do Vaticano, Gabriele disse que agiu por acreditar que o Papa estava sendo "manipulado". Na primeira fala pública desde sua prisão em maio e sua detenção de 53 dias numa cela de segurança no Vaticano, Gabriele se disse incumbido da missão de combater "o mal e a corrupção" na mais alta esfera da Igreja.

O interrogatório do ex-mordomo do papa, Paolo Gabriele(à direita), é retomado nesta terça-feira (2) no Vaticano.
O interrogatório do ex-mordomo do papa, Paolo Gabriele(à direita), é retomado nesta terça-feira (2) no Vaticano. REUTERS/Osservatore Romano
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Em fevereiro, quando teria vazado os memorandos ao jornalista italiano Gianluigi Nuzzi, o mordomo disse haver cerca de "20 pessoas" entre as instituições do Vaticano que concordavam com ele. No julgamento, Gabriele reiterou que só agiu sozinho quando copiou os documentos. Ele teria "muitos contatos" entre os altos cardeais.

O "desconforto" com os rumos do Vaticano seria generalizado. No sábado, Nuzzi postou em sua conta no Twitter uma mensagem de apoio: "Boa sorte, bravo Paoletto, não vamos abandoná-lo!" e se pôs à disposição das autoridades caso o Vaticano queira acusá-lo formalmente de receber os documentos roubados. Até agora, isto não aconteceu.

Logo que começou o julgamento, no último sábado, o caso sofreu uma série de reviravoltas. A primeira delas foi quando os juízes declinaram os pedidos de seu advogado que pediu a retirada da queixa e a desqualificação do caso, evocando o sigilo papal. Também foi recusada a inclusão nos autos do processo de um relatório secreto sobre o "Vatileaks", como ficou conhecido o caso.

O relatório surgiu de uma investigação paralela feita por uma comissão de cardeais indicados pelo Papa e contém entrevistas com dezenas de pessoas envolvidas no escândalo. Revelou-se também que guardas do Vaticano apreenderam 82 caixas no apartamento de Gabriele e na residência de veraneio do Papa.

Se condenado por roubo com agravante, o ex-mordomo pode ser condenado a até quatro anos de cadeia. Apesar de ele ter admitido o vazamento dos documentos, sua confissão não é considerada prova legal definitiva porque ainda resta a suspeita de que ele possa ter mentido para proteger peixes graúdos da hierarquia católica. Apenas dez jornalistas acompanharam as mais de três horas de audição na antiga sala da Corte, construída no Século XIX. Câmeras de televisão foram proibidas de registrar a audiência.

Maus tratos
Paolo Gabriele também aproveitou a audição pública para reclamar de maus-tratos. Ele disse que sofreu pressão psicológica e que sua cela - "em que não era possível nem esticar os braços" - a luz ficava acesa 24 horas por dia. Em um comunicado, a guarda do Vaticano garantiu que a "cela responde às normas internacionais de detenção", mas confirmou que a luz nunca era apagada. De acordo com a nota, o motivo disso era "evitar que o acusado se machucasse sozinho e por exigências de segurança". Por isso, uma venda teria sido entregue ao prisioneiro desde o primeiro dia de cárcere.

O comunicado destaca ainda que "por causa de ligações pré-existente" entre Gabriele e alguns oficiais, houve uma "atenção especial" ao conforto do prisioneiro: ele teria uma hora por dia ao ar livre, momentos de relaxamento e socialização com os guardas, com quem tinha "amizade".

O Vaticano decidiu abrir uma investigação por conta das queixas de Gabriele. Mas o porta-voz padre Lombardi garantiu, logo após a audiência, que a Santa Sede respeita e compartilha das convenções internacionais sobre condições de detenção.

O vazamento
Gabriele deu uma única entrevista a Gianluigi Nuzzi, em fevereiro. Na época, sua identidade foi preservada sob o codinome "Maria", mas o próprio jornalista confirmou sua fonte depois da prisão de Gabriele. Na entrevista, o ex-mordomo expressou sua frustração com uma cultura de sigilo na alta cúpula da Igreja Católica - do misterioso desaparecimento da filha de um funcionário do Vaticano em 1983, à pressa em abafar o duplo homicídio e o suicídio de um guarda suíço em 1998.

"Há uma espécie de 'omerta' (código de silêncio da máfia siciliana) contra a verdade", ele disse ao jornalista. "Não é tanto por causa da luta por poder, mas por medo, por precaução", seguiu. E se disse preparado para retaliações, já que "as pessoas se incomodam quando você enfia o nariz em sua roupa suja".

Vazar os documentos, para ele, foi um "ato de raiva" contra a inação. Em seu texto, Nuzzi descreveu o então mordomo como um homem profundamente religioso que se dizia inspirado pelo Espírito Santo para revelar as intrigas por trás das paredes do Vaticano e ajudar o Papa a eliminar a corrupção do coração da Igreja Católica. "Existe muita hipocrisia, este é o reino da hipocrisia", atacou Paolo Gabriele.
 

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