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A cidade francesa de Calais, onde fica a entrada do túnel de travessia do canal da Mancha para a Inglaterra, enfrenta uma onda de migração sem precedentes. Cerca de 2,5 mil migrantes estrangeiros chegaram à cidade nos últimos quatro meses, aumentando o contingente de clandestinos para 3 mil pessoas. A grande maioria são homens, de 15 a 25 anos. Eles vêm de países em guerra ou politicamente instáveis, como Síria, Iraque, Afeganistão, Paquistão, Etiópia, Sudão e Eritreia, entre outros. Um fenômeno novo é que também chegaram a Calais mulheres e famílias com crianças pequenas.

Distribuição de comida para migrantes em Calais.
Distribuição de comida para migrantes em Calais.
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Adriana Moysés, enviada especial a Calais

O sonho desses migrantes é chegar à Inglaterra, onde, com sorte, é mais fácil e rápido obter documentos e trabalho. Mas, diante do enorme problema que se tornou a imigração clandestina de massa na Europa, os europeus endureceram o policiamento nas fronteiras e os migrantes se encontram bloqueados.

Calais vive uma situação excepcional. Os acampamentos de migrantes, que podem ser comparados aos de sem-terra brasileiros, mas em condições até mais mais precárias por causa do clima, pipocam pela cidade. É bom lembrar que na França faz frio. As temperaturas médias são de 3°C a 10°C nessa época do ano, mas no inverno vão abaixo de zero.

Os migrantes de Calais vivem em cabanas com forro de plástico, construídas com galhos de árvore. Eles dormem em pranchas de isopor para se isolar do chão úmido, com poucos cobertores, sem banheiro, água potável e comida. O lixo se amontoa em toda parte. Nessas condições desumanas, os migrantes contam apenas com a ajuda de ONGs que distribuem gratuitamente uma refeição por dia, médicos voluntários e alguns poucos moradores solidários.

"Quero ser um homem normal"

A reportagem da RFI esteve no acampamento chamado Tioxide, perto do porto de Calais, ao lado de uma indústria química. Atualmente, mil migrantes moram no local.

Abdul, 32 anos, um migrante da Eritreia, desertou o exército do país africano e, depois de passar um ano viajando e pagar US$ 4.500 para chegar na Europa, está em Calais há três meses. Abdul já tentou montar em um caminhão e atravessar a fronteira para a Inglaterra várias vezes, sem sucesso. Ele disse à RFI que é muito difícil viver em Calais no frio, sem teto e cobertor. Abdul é um refugiado político, que não pode retornar ao seu país. Muito emocionado, ele contou as razões que o levaram a partir:

"A Eritreia é uma ditadura, o presidente é um ditador. Todo mundo quer ir embora de lá, todos os dias. Somos obrigados a servir o exército. Eu fui soldado durante sete, oito anos. Mas eu odeio a vida militar. Quero viver uma vida simples, de um homem comum. Não quero ter de usar armas. Eu odeio armas. Por isso, eu deixei meu país e estou aqui agora. Eu quero ser um homem normal, formar uma família, ter filhos, ser um bom marido, trabalhar duro, quero ensinar e aprender, não quero ser um guerreiro selvagem. Tem dinheiro na África, temos riquezas, mas também tem muita desigualdade. Por isso fugi do meu país, por problemas políticos, não econômicos.” 

Diariamente, ongs distribuem uma refeição aos migrantes em um terreno baldio atrás da prefeitura. Os migrantes chegam às vezes com duas horas de antecedência para guardar um bom lugar na fila. Na quinta-feira passada, na fila da refeição a RFI encontrou o paquistanês Abdullah, de 24 anos. Ele chegou a Calais há duas semanas, depois de ser deportado da Noruega, onde trabalhou durante dois anos em restaurantes. Seu plano é migrar rapidamente para a Inglaterra:

"Eu estava trabalhando ilegalmente na Noruega, veio a polícia e me deportou para a Itália. Mas a Europa acabou para nós, não tem mais trabalho. Eu quero ir para a Inglaterra porque lá tenho muitos amigos, todos paquistaneses e afegãos da etnia pachtun, como eu. No Paquistão, temos muitos problemas com os talibãs."

Abdullah vem da cidade paquistanesa de Peshawar, na fronteira com o Afeganistão, um reduto do movimento rebelde islâmico talibã.

Inércia do governo

O governo francês prometeu abrir em janeiro de 2015 um centro de acolhimento para que os migrantes possam passar o dia, tomar um banho e receber orientação médica e administrativa. Mas à noite, eles vão ter de dormir na rua. O local que está sendo reformado tem capacidade para apenas 500 pessoas.

O médico Jean François Corty, diretor de operações da ONG Médecins du Monde (MDM), uma das mais ativas em Calais, denuncia a inércia do governo francês em dar respostas à altura do problema dos migrantes:

"Quando a gente vê que existem quase 3 mil pessoas em Calais, as medidas tomadas pelo poder público são insuficientes. Esses migrantes passaram sede no deserto da Líbia, quase morreram afogados no mar Mediterrâneo, caíram várias vezes de caminhões entre a Itália e a França. Eles foram altamente impactados tanto no plano físico quanto psicológico pela migração. Todos são vulneráveis e precisam de um teto. Por enquanto, a resposta das autoridades francesas no que diz respeito à gestão da emergência sanitária em Calais é amplamente insuficiente. Existem pessoas, mulheres e crianças expostas a um forte risco de mortalidade."

A ONG MDM pressiona as autoridades a fim de obter abrigo durante o inverno para todos os migrantes de Calais.

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