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É preciso descolonizar as independências africanas?

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Dezassete países da África subsariana, incluindo 14 antigas colónias francesas, celebram 60 anos de independência. Será preciso descolonizar as independências africanas? Régio Conrado, investigador doutorando no Instituto de Estudos Políticos da Universidade de Bordéus, considera que África ainda não se conseguiu descolonizar, aponta o dedo ao “sistema ocidental que encara África como espaço de espoliação” e acredita que “a solução e o destino” do continente passam por uma “grande revolução” feita pelos jovens e pelo "potencial de revolta social, intelectual e cultural".

Concentração em Dakar, no Senegal. 22 de Agosto de 1960.
Concentração em Dakar, no Senegal. 22 de Agosto de 1960. AFP
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A conversa alargada com o investigador Régio Conrado tem como mote a pergunta: é preciso descolonizar as independências africanas? O doutorando no Instituto de Estudos Políticos da Universidade de Bordéus subscreve a tese do filósofo camaronês Achille Mbembe, segundo a qual África ainda não se conseguiu descolonizar e a independência é “um simulacro daquilo que são as verdadeiras necessidades que os africanos tinham quando reivindicavam a independência”.

“A África não só não conseguiu descolonizar-se de forma concreta e material – sobretudo na África francófona – mas também os problemas essenciais que estruturavam a situação colonial permanecem. Por um lado, a questão da exclusão estrutural, a miséria, a fome, a questão das ditaduras que se estruturam e permanecem (...)

Sessenta anos depois, o que temos no continente africano? Temos, por um lado, regimes autocráticos e ditatoriais que se aprofundaram, basta ver o caso, por exemplo, do Gabão, basta ver as contradições internas existentes em países como o Burkina Faso, basta ver o caso do Chade com as diferentes guerras de secessões internas.

O segundo ponto fundamental são as questões das instabilidades no continente africano que são uma marca fundamental dos últimos 60 anos. Quer dizer que a África, que se pretendia um continente de paz e de prosperidade, transformou-se num continente de caos e, sobretudo, da ausência de futuro.

Isto abre para um terceiro aspecto que me parece fundamental e os intelectuais africanos têm um consenso: 60 anos passados, a África transforma-se num lugar onde a esperança é praticamente inexistente e grande parte das suas populações vivem o presentismo imediato, quer dizer, não há oportunidade de se projectar para o futuro. Isto tem que ver com problemas de má governação, corrupção profundamente endémica”, argumenta.

Citando vários intelectuais e filósofos africanos, Régio Conrado resume que, 60 anos depois, “a África continua com os mesmos tipos de problemas e a independência africana é muito mais formal” porque o continente “não conseguiu descolonizar nem a sua economia, nem a sua forma de pensar, nem o autoritarismo e as estruturas coloniais que ainda permanecem no contexto actual”. Ou seja,  “isto é de facto uma demonstração de que 60 anos de independência - que significaria ou deveria significar, grande transformação social, política, económica, etc - é que, no fundo, a África permanece um simulacro daquilo que eram os objectivos em 1960”.

Régio Conrado aponta o dedo a todo “um sistema ocidental que encara África como espaço de espoliação, um espaço de roubo, um espaço – como dizia Samir Amin - que tem de ser sempre periférico para poder alimentar as economias ocidentais”, aliado aos “compadrios políticos” com “oligarcas, ditadores e sanguinários”.

É por essa razão que toda a independência que for apenas política, ela é ficcional, é um simulacro enquanto ela não for capaz de trazer a independência económica que é o ponto fundamental (...) Por um lado faz-se o discurso de democratização do continente africano – que do meu ponto de vista não é o grande interesse do Ocidente – e, ao mesmo tempo,  protegem-se os líderes considerados como fortes. O caso paradigmático é o de Idriss Ipno, o Presidente do Chade, que há 30 anos chegou ao poder e é considerado o homem forte e o homem essencial para poder ajudar na exploração de recursos, seja no Burkina Faso, seja nos Camarões, seja na Nigéria. Porquê? Porque ele tem um exército e governa com mão de ferro”, continua.

Por isso, o investigador considera que "descolonizar as independências africanas pressupõe duas coisas fundamentais" que são um modelo económico africano e a "mudança das mentalidades políticas”.

É preciso que os africanos entendam que devem encontrar um modelo económico que lhes seja endógeno e que responda aos desafios fundamentais dos seus respectivos países (...)

O segundo ponto da descolonização deve significar a mudança das mentalidades políticas. A democracia e os valores democráticos devem respeitar as dinâmicas próprias dos povos africanos. Não significa que os africanos devam ser ditatoriais para dizer que somos africanos, mas é preciso que a democracia - pensada do ponto de vista axiológico, liberdade, igualdade - seja enquadrada nas dinâmicas próprias das nossas sociedades. Não cabe às potências ocidentais - França, Estados Unidos, Inglaterra, Portugal, etc - dizerem o que é que os africanos devem saber sobre a democracia, direitos humanos, liberdades, etc.

Enquanto não descolonizarmos esses dois aspectos fundamentais, obviamente que a independência significará simplesmente um mimetismo, seja institucional, económico e de outras formas, como temos vindo a ver nos últimos anos", afirma.

Como descolonizar?  O investigador acredita que “a solução e o destino” do continente africano passam por uma “grande revolução” feita pelos jovens e pelo "potencial de revolta social, intelectual e cultural". 

"Há grandes esperanças. Há muitos jovens africanos hoje a fazerem trabalho intelectual, há a contestação da sociedade civil no Mali, por exemplo. Penso que há um grande potencial em África e é este potencial da revolta social, da revolta intelectual, da revolta cultural que tem de ser transformado em instrumento fundamental para reconstruir a nossa economia e, sobretudo, a nossa política. Talvez aí se encontre a solução e o destino do continente africano”, conclui.

Uma entrevista para ouvir na íntegra aqui:

18:14

Convidado - Régio Conrado

 

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