Debate sobre porte de armas ficou fora da campanha presidencial
O porte de arma pelos cidadãos comuns ainda é um tema tabu nos Estados Unidos. Apesar dos tiroteios que chocaram o país esse ano em Illinois e no Wisconsin, o assunto esteve praticamente ausente durante a campanha presidencial norte-americana. As associações de atiradores do país chegaram a realizar filmes publicitários pedindo que os candidatos abordassem a questão.
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Enviado especial a Richmond, na Virgínia
No mês de outubro os telespectadores de Wisconsin, Flórida, Ohio e Virgínia foram surpreendidos por um spot publicitário inusitado. Durante o filme de 30 segundos, a NRA (National Rifle Association) pedia que os candidatos às eleições presidenciais abordassem a questão da autodefesa durante suas campanhas. A iniciativa dessa associação nacional de atiradores, que representa o principal lobby dos caçadores do país, foi lançada logo após a morte de três mulheres por um atirador em um salão de beleza na pequena cidade de Milwaukee, em Wisconsin, um episódio que ganhou ampla cobertura na imprensa local.
A campanha da NRA é um exemplo das contradições sobre o porte de armas nos Estados Unidos. Mesmo se o drama de Milwaukee parece ter sido um crime passional (a mulher do atirador, que se suicidou, trabalhava no salão), a associação insiste no direito de autodefesa dos cidadãos. E mesmo se o slogam do vídeo, “Vencer Obama e defender a liberdade”, é uma mensagem direta ao atual chefe da Casa Branca, a falta de reflexão sobre o tema é presente tanto no programa democrata quanto republicano.
O porte de armas é um direito constiticional nos Estados Unidos e é defendido pela maioria da população (49% contra 45%, segundo uma pesquisa desse ano). Temendo perder eleitores, Mitt Romney se pronunciou sobre o assunto apenas durante as primárias, se posicionando do lado dos atiradores. Já Barack Obama tentou, timidamente, reforçar os critérios de verificação dos antecedentes criminais dos compradores de armas – procedimento inexistente em algumas regiões do país. O spot de NRA em outubro passado mostra que a iniciativa não agradou.
Virgínia, um estado armado
Na Virgínia, estado que detém o maior número de metralhadoras no país, essa questão não parece merecer espaço na disputa pela Casa Branca. Conversando com as pessoas nas ruas, é raro encontrar alguém contrário ao porte de armas, que faz parte do quotidiano da população. A tal ponto que a capital Richmond é orgulhosa de sediar “o maior clube de tiro indoor dos Estados Unidos”. A Colonial Shooting Academy (CSA) é um imenso prédio com cara de hipermercado em uma zona residencial da cidade. Ele abriga três salas de tiros capazes de acolher mais de 50 atiradores simultaneamente, um simulador em vídeo e um andar inteiro com tudo o que um fã de armamento pode sonhar: revólveres, pistolas, metralhadoras, espingardas, mas também munição e roupas especiais para os que adotam a prática como um esporte.
Edward Coleman, o gerente do local, explica que o público é variado, com jovens, adultos, homens e mulheres. “Também temos muitos estrangeiros que vem para treinar. Ingleses, alemães, ou ainda os japoneses, que não podem ter armas em seu país e vem aqui para matar a vontade. Eles passam horas atirando. O CSA funciona como um clube, mas não é preciso ser membro para atirar. Basta ter um documento válido, com foto, e assistir ao nosso vídeo de formação”. A fita em questão dura cerca de 8 minutos e dá aos usuários noções básicas de segurança.
A diversidade de público pode ser sentida logo na primeira sala, onde duas jovens podiam ser vistas nesse quarta-feira atirando em meio a uma dezena de rapazes de todas as faixas etárias. Uma das moças, acompanhada pelo pai, tinha apenas 17 anos, idade mínima para frequentar o local. “Algumas mulheres vem aqui na hora do almoço, atiram durante meia hora e depois voltam ao trabalho”, relata Coleman. O local tem até um disputado Ladies Nitgh, evento mensal “só para elas”.
Armas como presente de Natal
O gerente do CSA insiste na presença do público feminimo, como a dona de casa Trudi, que passeava pelos corredores da área comercial na tarde dessa quarta-feira. “Vim aqui escolher o presente de natal do meu marido. O fato de que o local seja organizado como um shopping facilita a escolha”, analisa. No balcão, duas jovens ouvem atentivamente os conselhos do vendedor sobre uma pequena pistola autom¬ática. “Temos alguns estudantes entre nossos clientes. Eles querem armas leves, que possam ser carregadas discretamente. Sei que alguns levam as pistolas para o colégio, o que é proibido, mas isso é uma decisão pessoal”, teoriza o vendedor.
Questionado sobre a ausência da questão do porte de armas na campanha presidencial, Coleman defende a necessidade de saber usar um revolver corretamente para poder se defender e não parece preocupado com o futuro de seu negócio. “Não há muito debate sobre o assunto porque os dois candidatos, pelo menos publicamente, defendem a segunda emenda, que garante nosso direito de ter armas, e não farão nada para mudar o texto. A gente ouve dizer que os democratas querem tirar esse direito, mas tudo isso não passa de rumores”. A emenda citada por Coleman faz parte da Constituição e data de 1791. Um texto que, se depender do discurso dos candidatos à presidência, deve continuar sem mudanças por mais quatro anos.
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