Acesso ao principal conteúdo
Chile/ Posse

Bachelet assume presidência chilena prometendo reformas estruturais

Michelle Bachelet toma posse nesta terça-feira (11) de seu segundo mandato como presidenta do Chile, depois de ser eleita com 62% dos votos válidos, em dezembro do ano passado. A vitória no segundo turno sobre a conservadora Evelyn Matthei foi a mais ampla vantagem de um candidato presidencial desde a abertura democrática do país, em 1990. Apesar do apoio popular a uma campanha amparada pelas demandas sociais por universalização da educação, reforma tributária e reforma constitucional, Bachelet tem um grande teste pela frente: as novas exigências de uma população que foi incluída no mercado de consumo e agora pede acesso à educação gratuita.

Bachelet acena antes de se reunir com autoridades em Santiago, nesta segunda-feira (10).
Bachelet acena antes de se reunir com autoridades em Santiago, nesta segunda-feira (10). REUTERS/Cristobal Saavedra
Publicidade

É o que explica o professor de História Econômica da Universidade Federal Fluminense Bernardo Kocher: "É um desafio gigantesco e um grande teste para a esquerda na América Latina", afirma. Para ele, "um fracasso do governo Bachelet (...) vai ser um indicador da dificuldade da América Latina em incorporar os mais pobres não mais apenas ao mercado consumidor, mas a uma forma estável de participação na cidadania, que é a educação". Kocher lembra que, desde o início da ditadura de Pinochet, o Chile "se voltou muito para os Estados Unidos e a economia chilena se focou na exportação de cobre, mas também de frutas e serviços financeiros, o que coloca o Chile numa situação muito específica".

Ele incorporou o mito do modelo privatizante que conseguia unir dinamismo econômico e elevação social. O problema foi que o modelo não resolveu o problema da desigualdade - pelo contrário, ela cresceu sob a égide liberal - e também não eliminou a pobreza. "O Chile de alguma forma poluiu o imaginário político das elites latino-americanas como o grande modelo liberal que deu certo. E a gente está vendo que este modelo impõe sérios obstáculos aos setores menos desenvolvidos na economia e na sociedade. Agora eles estão se rebelando".

04:19

Reportagem - Posse de Michelle Bachelet

Pinguins na Moneda

Demanda social de suma importância desde a "revolta dos pinguins", como ficaram conhecidos os movimentos estudantis de junho de 2006, a universalização da educação é prioridade absoluta para o governo. E, para Kocher, é também a proposta de campanha que tem mais possibilidades de se concretizar, já que depende simplesmente de maioria simples na Câmara e no Senado. Isso, o novo governo tem, inclusive com deputados oriundos dos movimentos sociais.

Mas a reforma tributária e a mudança na Constituição - que ainda data do tempo da ditadura de Augusto Pinochet - devem enfrentar mais resistência, afirma Luiz Augusto Estrella Faria, professor de economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. De acordo com ele, setores conservadores da sociedade chilena ainda se apegam ao legado liberal de Pinochet.

Teoria e prática

"Uma coisa é ter a maior bancada no Congresso nacional, outra coisa é conseguir que a sociedade aceite as mudanças", afirma Faria, usando o caso venezuelano como exemplo: "na Venezuela, o Partido Socialista tem maioria folgada no Congresso, fez as mudanças que quis na Legislação e na Constituição, vem ganhando uma eleição atrás da outra há quinze anos, mas enfrenta uma oposição pesada na sociedade civil, que está causando esta crise de abastecimento, por exemplo".

Além do problema cambial, há casos recorrentes de comerciantes venezuelanos que escondem mercadorias para vender no mercado negro. "Isso é uma resistência da sociedade civil a obedecer a regra que o governo passou legalmente no Congresso", avalia Faria. "Então, não basta maioria política, tem que ter maioria na sociedade".

Apesar desta dificuldade, Kocher observa que o jogo político tem mais nuances do que transparece a proporção dos representantes. "O projeto mais ambicioso é começar a redigir uma Constituição a partir do zero, um projeto de difícil realização, se levarmos em consideração a maioria simples que eles obtiveram nas duas casas (Câmara e Senado). Mas a política é mais rica do que os números e então talvez, senão uma reforma constitucional ou uma nova Constituição, várias emendas constitucionais possam substituir essa ambição".

Política externa

No plano externo, a eleição da socialista pode reaproximar o Chile da América Latina, cujo projeto de integração desacelerou com a morte de Hugo Chávez e a ebulição social do último ano. "No mandato anterior (de Bachelet), o Chile teve um papel importante na consolidação da União de Nações Sul-Americanas (Unasul)", lembra Luiz Augusto Faria. "Não que o Chile tenha dado as costas para a Unasul na gestão do Piñera, mas como ele teve um monte de problemas domésticos, ele acabou dando menos importância a diplomacia".

Faria também aponta o bom relacionamento de Bachelet com os outros presidentes da região como um catalisador das relações. "A gente tem uma tradição de diplomacia presidencial na América Latina muito forte. Na medida em que há uma relação pessoal boa entre presidentes, as coisas andam muito mais facilmente. Aquilo que está atado entre os diplomatas, os presidentes desatam".

Com importante apoio popular e maioria política, Michelle Bachelet tomou posse com os olhos voltados para a política externa. No mesmo dia em que assumiu manteve uma impressionante série de reuniões bilaterais, que incluiu o vice-presidente americano Joe Biden, a vice-ministra das relações exteriores da Alemanha, Maria Bohmer, e o presidente venezuelano Nicolás Maduro. Na terça-feira, Santiago sedia uma reunião de chanceleres da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) para discutir a crise na Venezuela.

Brasil

Apesar de o Brasil ter relações mais próximas com os sócios do Mercosul, Santiago e Brasília têm sido parceiros, mesmo durante a gestão de Sebastian Piñera. "Não há dificuldades de construção de instituições, de participação na OEA (Organização dos Estados Americanos) ou na ONU (Organização das Nações Unidas)", afirma Bernardo Kocher.

Luiz Augusto Faria evoca a boa relação pessoal entre as duas presidentas como um ponto importante do futuro diplomático: "A gente tem uma tradição de diplomacia presidencial na América Latina muito forte", afirma. "Na medida em que há uma relação pessoal boa entre presidentes, as coisas andam muito mais fácil. Aquilo que está atado entre os diplomatas, os presidentes desatam".

Dilma Rousseff viajou para o Chile na noite de segunda-feira (10) para acompanhar a cerimônia da posse de Michelle Bachelet e permanece no país até a noite de terça-feira. Na quarta, Santiago sedia uma reunião de chanceleres da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) para discutir a crise na Venezuela.

 

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe toda a actualidade internacional fazendo download da aplicação RFI

Partilhar :
Página não encontrada

O conteúdo ao qual pretende aceder não existe ou já não está disponível.