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Literatura

Para escritores, García Márquez influenciou pouco a literatura brasileira

Apesar de admirado e ser considerado um escritor incontornável da literatura latinoamericana, o colombiano Gabriel García Márquez influenciou pouco a literatura brasileira, na opinião de três escritores ouvidos pela RFI. Marcada por um estilo mais realista, a produção literária brasileira contemporânea se distancia da corrente protagonizada por Márquez, Jorge Luis Borges ou Julio Cortázar.

Gabriel García Márquez.
Gabriel García Márquez. Reuters
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Na opinião de Miton Hatoum (Dois irmãos e Cinzas do norte), os escritores brasileiros sempre tiveram os pés mais no chão do que o autor de Cem Anos de Solidão. “Eu acho que ele não deixou uma marca na literatura brasileira, que é muito mais realista no sentido francês. É uma literatura que quer transmitir ao leitor uma impressão de verdade de alguma coisa que poderia ter existido”, explica. “Quando você lê García Márquez e os personagens acordam com asas de anjo, não é exatamente do realismo tradicional de que estamos falando, e sim de um lado muito romanesco.”

Para Hatoum, o termo realismo mágico é inadequado para definir a obra do escritor. “Ele misturou a lírica, a poesia, com o lado trágico da América Latina. Acho que o termo está errado. No fundo ele explorou o lado romanesco da literatura, no qual tudo pode acontecer. É o avesso do realismo tradicional.”

Importância na literatura latina

O catarinense Cristóvão Tezza (O filho eterno) identifica pitadas do realismo mágico na própria obra, mas não necessariamente de García Márquez. “Eu tive toques de realismo mágico – o meu livro Ensaio da Paixão certamente teve uma influência do realismo mágico, mas talvez não especificamente de García Márquez, e sim o espírito da época”, observa. “Mas na minha literatura mais madura, vejo mais influência de William Faulkner, que foi um escritor que influenciou muito o García Márquez, embora seja um escritor de tradição realista.”

Tezza ressalta a importância histórica do autor em um contexto de agitação política não apenas na América Latina, como em boa parte do mundo. “Ele era um autor fundamental para a minha geração. O Cem anos de solidão somava a questão literária, com o impacto da visão poética do mundo que ele apresentava, e aquele movimento difuso de oposição a tudo e de contestação de esquerda que era o espírito da época”, afirma. “Era como se ele desse um toque de poesia para uma revolução que se anunciava no mundo todo, no final dos anos 60. E a par dessa condição histórica, ele foi um escritor extraordinário.”

Maior herança são os livros

Fã do prêmio Nobel de Literatura, Alberto Mussa (O senhor do lado esquerdo) leu todos os livros de García Márquez. Porém mais do que inspirador de estilo, o escritor colombiano foi o nome que lhe abriu os olhos para sobre a emergência da literatura latinoamericana, nos anos 60 e 70.

“O García Márquez foi um dos primeiros autores que eu li na minha juventude e que me abriu as portas da literatura em espanhol na América do Sul. Isso teve uma importância muito grande para mim. E logo depois eu conheci e li o Bioy Casares e o Borges, esses sim dois escritores que serviram de modelo para mim, e se encaixavam dentro da minha personalidade literária”, explica.

Para ele, o maior legado do autor são os seus livros, e não o estilo literário. “As vezes, muitos escritores que são muito importantes do ponto de vista da técnica, ao deixarem um questionamento ou apresentar algumas inovações que podem ser utilizadas para o desenvolvimento da literatura, nem sempre deixam grandes livros. As obras de García Márquez, independentemente do que elas contribuíram para o desenvolvimento da literatura, justificam a perenidade dele no universo literário. Ele é um daqueles autores que nunca serão esquecidos e serão sempre lidos daqui para frente.”

Além de Cem Anos de Solidão, Hatoum, Tezza e Mussa citaram Ninguém escreve ao coronel e Crônica de uma morte anunciada como obras preferidas de García Márquez, morto na quinta-feira, no México, aos 86 anos.
 

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