Moçambique: ONU vai criar em Maputo gabinete de segurança marítima para combater tráfico de drogas
As recentes apreensões milionárias de heroína e outros estupefacientes no norte e ao largo de Moçambique, mostram que as "autoridades não estão sózinhas no combate ao narcotráfico, defendeu César Guedes, representante do Escritório das Nações Unidas para a Droga e Crime Organizado - UNODC - em Maputo e neste sentido anunciou a abertura em Maputo ainda este ano de um gabinete de segurança marítima em parceria com a UNODC e com peritos moçambicanos, sul-africanos e tanzanianos.
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"Se temos apreensões, é boa notícia: isso significa que as autoridades estão a fazer um trabalho mais certeiro, mais dedicado, mais profissional e dão as mãos com a cooperação internacional", disse em entrevista à Lusa César Guedes, representante do Escritório das Nações Unidas para a Droga e Crime Organizado - UNODC - em Maputo.
A 29 de janeiro, a fragata da marinha francesa Nivôse apreendeu 444 quilos de metanfetaminas e de heroína, cujo valor é superior a 40 milhões de euros, num 'dhow' (barco à vela, artesanal, típico do Oceano Índico) no Canal de Moçambique - onde a França tem algumas ilhas habitadas, casos da Reunião e do arquipélago de Mayotte, que abriga a base naval de Dzaoudir.
Quase em simultâneo, a polícia moçambicana deteve um homem na posse de 61 quilos de heroína e cinco de metanfetaminas em Nacala Porto, na província de Nampula.
Já esta semana, na terça-feira, 2 de janeiro, as autoridades detiveram um empresário na cidade de Pemba, no norte do país, na posse de 180 quilos de efedrina, substância que se acredita teria como destino o fabrico de drogas.
Estas apreensões mostram de forma "clara" que "Moçambique não está sozinho neste combate e estas apreensões, em diferentes momentos, tiveram o apoio de países que têm uma agenda de trabalho" comum para o combate ao narcotráfico, referiu César Guedes.
A cooperação internacional com a França e os Estados Unidos, assim como os treinos e formação prestados pela UNODC às autoridades moçambicanas para combate ao narcotráfico "estão a dar resultados", resumiu.
O responsável destacou a tendência de traficantes entrarem "mais e mais" no sudoeste do oceano Índico, por considerarem esta rota "fiável" e "previsível", apesar de ser a mais longa para chegar aos mercados do hemisfério norte.
Moçambique é uma passagem, tem a maior costa entre a Somália e África do Sul, o que permite a ligação terrestre para vários países e desses para o destino.
Tudo isto num contexto em que as nações a norte de Moçambique - Tanzânia e Quénia – têm empurrado o crime organizado para longe das suas costas, obrigando os traficantes a procurar entradas a sul, caso de Moçambique, numa altura em que o Afeganistão vive dias de instabilidade acrescida.
Ao nível da cooperação regional, Maputo deverá acolher ainda este ano um gabinete/escritório de segurança marítima tripartida, partilhado com especialistas de Moçambique, África do Sul e Tanzânia, em parceria com a UNODC, que será um órgão consultivo e de troca de experiências, para os países reforçarem em conjunto a vigilância sobre o sudoeste do oceano Índico.
César Guedes, representante UNODC em Moçambique
"Quanto maior instabilidade no Afeganistão", mais a droga é uma "alternativa de negócio", num país responsável por 85% da heroína que circula no planeta e quase 100% da efedrina de origem vegetal - e isso reflecte-se na costa moçambicana, disse César Guedes.
A resposta em Moçambique passa pelo esforço de parceiros, algo que faz parte "do ABC da cooperação internacional" porque "nenhum país pode enfrentar estas dinâmicas sózinho", frisou.
Moçambique é igualmente rico em fauna bravia, pedras preciosas e madeiras raras, que dão origem a outras redes de tráfico, que por vezes se interligam com o narcotráfico.
"Duas faces da mesma moeda", descreveu César Guedes: por vezes, o 'dhow' que leva droga para Moçambique, regressa com o resultado de tráfico de recursos naturais do país.
O representante do UNODC em Moçambique abriu o escritório em 2019, após solicitação do Governo, chegando a Maputo após ter ocupado posto idêntico na Bolívia e depois de cinco anos no Paquistão - precisamente o país onde se fazem ao mar os barcos que atravessam o oceano Índico com heroína até Moçambique.
Portugal faz parte dos países que têm apoiado a consolidação da representação, grupo que inclui Alemanha, Canadá, Estados Unidos da América, Japão, Noruega, Suécia e Suíça, além da própria União Europeia.
Ataques terroristas em Cabo Delgado/Tráfico de drogas
De acordo com vários relatórios, a insurgência armada em Cabo Delgado, no norte de Moçambique – desde 2019 com ataques reivindicados pelo grupo extremista Estado Islâmico -, deverá estar em parte ligada ao tráfico de droga na região, seja por causa do controlo de rotas ou como fonte de financiamento.
A violência armada começou em outubro de 2017 e está a provocar uma crise humanitária com cerca de duas mil mortes e mais de meio milhão de pessoas deslocadas, numa província onde a petrolífera francesa Total lidera o maior investimento privado em África (cerca de 20 mil milhões de euros) para extracção e processamento de gás natural.
Parte das águas do canal de Moçambique pertencem a ilhas francesas habitadas - Reunião e o arquipélago de Mayotte e ilhéus desertos, que fazem dos territórios ultramarinos franceses e onde o país mantém as Forças Armadas da Zona Sul do Oceano Índico - FAZSOI - com os três ramos militares.
A ilha francesa de Mayotte, a cerca de 500 quilómetros da costa de Cabo Delgado, alberga a base naval de Dzaoudzi.
Numa visita a Maputo, há um ano, o ministro francês para a Europa e Negócios Estrangeiros francês, Jean-Yves Le Drian, referiu que a França se compromete a tratar de assuntos de segurança marítima com Moçambique “numa lógica de vizinhos”.
A apreensão feita pela fragata Nivôse, a 29 de janeiro, aconteceu depois de as autoridades moçambicanas terem detido em flagrante, um homem de 37 anos na posse de 61 quilogramas de heroína e cinco de metanfetamina, quando descarregava a droga em Nacala Porto, na província de Nampula, no norte de Moçambique.
Moçambique é apontado por várias organizações internacionais como um corredor para o tráfico internacional de estupefacientes.
De acordo com a UNODC, as autoridades do Quénia e da Tanzânia, países a norte de Moçambique, aumentaram a vigilância nos últimos anos, empurrando os traficantes para sul, em direcção à costa moçambicana, “em busca de novas rotas e novos mercados”.
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