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Futebol Feminino

Milene Ramos: «Os adversários olham para a Selecção Portuguesa Feminina com mais respeito»

Momento histórico para o futebol feminino português. Pela primeira vez, Portugal apurou-se para a fase final do Campeonato do Mundo.

Portugal defrontou os Estados Unidos em jogos amigáveis, agora as portuguesas vão medir forças com as norte-americanas no Mundial de 2023.
Portugal defrontou os Estados Unidos em jogos amigáveis, agora as portuguesas vão medir forças com as norte-americanas no Mundial de 2023. © Getty Images via AFP - ALEX BIERENS DE HAAN
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O périplo foi complicado mas, após 13 jogos, Portugal conseguiu derrotar os Camarões por 2-1, no Estádio Waikato em Hamilton, na Nova Zelândia, e carimbar o passaporte para a prova que decorre de 20 de Julho a 20 de Agosto de 2023.

Nesse Mundial, organizado pela Austrália e pela Nova Zelândia, Portugal vai integrar o Grupo E com Estados Unidos, Países Baixos e Vietname.

Milene Ramos, ex-futebolista.
Milene Ramos, ex-futebolista. © Cortesia Milene Ramos

Em entrevista à RFI, Milene Ramos, antiga jogadora e agora treinadora na Finlândia na equipa EPS - Espoon Palloseura -, admitiu que ficou muito feliz com o apuramento inédito de Portugal.

Milene Ramos, de 31 anos, que jogou no A-dos-Francos em Portugal ou ainda no Peimari United na Finlândia, também abordou a sua carreira e os sonhos que ainda tem agora como treinadora.

RFI: Portugal apurou-se para o mundial, qual foi a sua reacção?

Milene Ramos: Antes de mais quero parabenizar as jogadoras, staff, associações e clubes. É algo que só é possível se houver um trabalho coordenado. Todos queremos a mesma coisa. Fiquei muito emocionada e orgulhosa... Foi uma vitória de várias gerações. 

RFI: Portugal venceu por 2-1, que análise pode fazer do encontro?

Milene Ramos: Portugal entrou forte, pressionante. Não concedeu espaços aos Camarões, recuperando rapidamente a bola e procurando colocar a mesma nas jogadoras mais avançadas que, com a sua velocidade, conseguiram criar perigo e desmontar a organização defensiva adversária. Aos 21’ através de um livre da Kika, a bola bateu na barra e na recarga Diana fez o 1-0. Os Camarões reagiram bem ao golo sofrido, tornaram-se mais pressionantes e agressivas. Na segunda parte a selecção nacional portuguesa manteve-se dominadora, criando várias oportunidades de golo, faltou uma melhor definição no último terço. A selecção camaronesa mexeu no jogo e conseguiu marcar. Felizmente conseguimos converter o penálti aos 93’. Foi à boa maneira portuguesa mas dominámos o jogo e foi merecido.

RFI: Portugal esteve no Europeu, agora vai ao Mundial, isto mostra a evolução do futebol feminino em Portugal?

Milene Ramos: Nota-se uma evolução gigante: aumento do número de praticantes, profissionalização, números muito positivos. Ainda há uma grande caminhada por percorrer mas as bases estão lá e são firmes e penso que isso depois reflete-se nos resultados que Portugal consegue obter. Os passos têm sido dados e acho que os clubes têm de manter o seu foco, apostar na formação. O fato de a Federação ter apostado nas selecções, nas camadas jovens é muito importante para a evolução do futebol feminino. Nós vimos isso no futebol masculino. A base vem da formação. Com maior aposta, seja nas infraestruturas e nos recursos humanos, acho que deve ser aí a base para o futuro do futebol feminino. Acredito que esta qualificação pode inspirar mais meninas e mulheres para que acreditem que é possível fazerem carreiras profissionais, não só como jogadoras mas também como treinadoras, árbitras ou dirigentes.

RFI: Portugal esta agora definitivamente no mapa do futebol feminino?

Milene Ramos: Sem dúvida! Basta vermos o ranking da FIFA - melhor posição no Ranking feminino -. Os adversários agora olham para nós de forma diferente, com mais respeito. E não podemos ter medo de pensar em grande, com medo das consequências. As exigências e responsabilidades são maiores. Não é que não exista responsabilidade, há sempre responsabilidade quando se representa o país, mas as pessoas já esperam mais desta selecção. O caminho faz-se caminhando. Deixámos uma boa imagem no último europeu, fizemos agora história... Estamos a deixar a nossa marca!

Milene Ramos, treinadora portuguesa.
Milene Ramos, treinadora portuguesa. © Cortesia Milene Ramos

RFI: Milene está na Finlândia. Como tem sido essa experiência enquanto treinadora? E como surgiu essa oportunidade de ir para a Finlândia primeiro enquanto jogadora e depois ficar como treinadora?

Milene Ramos: Desde os 19 anos que sou treinadora. No início, foi difícil conciliar porque tinha jogos como treinadora aos sábados e como jogadora aos domingos, e representava dois clubes. Parei de jogar em 2018 quando decidi abraçar um projeto no Canadá. Saí de Portugal em 2018 para ser treinadora a 'full-time' no Canadá, no London TFC Academy. Fiquei duas épocas e decidi sair por causa da pandemia. Mas adorei a experiência! Cresci muito. O Canadá é o “paraíso” para os treinadores. Boas condições, há valorização, e muitos treinadores. Penso que existem sempre benefícios e custos em relação a tudo o que é a vida. Os benefícios foram a realização do sonho que era trabalhar no estrangeiro. Tinha essa ambição. Os custos têm a ver com a distância das minhas raízes. Não poder conviver todos os dias com a família. Após a minha experiência no Canadá, decidi regressar a Portugal e soube que um clube na Finlândia estava à procura de treinadores (o coordenador na altura era português e tínhamos estudado na mesma universidade, o Tiago Santos) e decidi enviar o meu CV. Basicamente estive duas semanas em Portugal e comecei esta aventura na Finlândia, no Peimari United. A primeira época correu muito bem, excedeu as minhas expectativas, visto que, subimos de divisão com a equipa feminina, pela primeira vez, mas tínhamos um plantel muito curto daí o clube me ter inscrito como jogadora também. Na primeira época não efectuei muitos jogos como jogadora, 2 ou 3. Na segunda época não conseguimos recrutar muitas jogadoras, visto que, estamos a falar de um clube muito pequeno, numa aldeia, e como tal joguei muitos jogos. Demasiados. Como tal, decidi deixar o clube após a segunda época porque não me mudei para a Finlândia para jogar futebol, com todo o respeito. Esta época mudei de clube para o Espoon Palloseura (EPS), em Espoo, o quinto maior clube na Finlândia em termos de número de jogadores(as). 

RFI: Como surgiu a paixão pelo Futebol ? E a vontade de fazer disto a sua vida e profissão ?

Milene Ramos: Não consigo especificar uma data ou idade, mas a verdade é que eu nasci com esse gosto. Lembro-me que jogava futebol na rua e na escola, com os meus amigos, e depois surgiram oportunidades de ingressar em várias equipas mas na altura a minha mãe não me deixou. Comecei a jogar de forma federada a partir dos 15 anos. Na altura tinha como objectivo chegar à primeira divisão. 

RFI: Entre o momento em que começou a sua carreira nas duas vertentes e hoje, vê uma evolução no Futebol Feminino ? Nem que seja no que toca às condições para a prática e às condições financeiras..

Milene Ramos: Comparando com as condições actuais, as dificuldades eram enormes e os obstáculos surgiam constantemente. Mas a vontade era maior a isso tudo. Para dar um exemplo, quando comecei a jogar futsal (só depois me mudei para o futebol), com 15 anos, jogava com seniores. Isso agora seria impensável. Houve uma mudança na direcção da FPF em 2011. A anterior direcção não tinha nenhum plano estratégico para o desenvolvimento do futebol feminino. É já com esta direcção que se dão os grandes saltos qualitativos, com a criação das selecções mais jovens. Potenciaram-se os TIA - torneios inter-associações -, as associações começaram a apostar em competições femininas de escalões mais jovens, apareceram escalões de formação para idades cada vez mais precoces e surgiu competição nesses escalões.

RFI: Este ano está no EPS, quais são os objectivos da equipa ? E olhando um pouco para o futuro, quais são os sonhos da Milene agora ?

Milene Ramos: Sou treinadora principal em duas equipas (TB2 e 2009 Girls) e age group coach - coordenadora - nas TB3. Ambas as equipas (TB2 e 2009) vão jogar na ykkonen, o que é um bom nível, segunda divisão nacional. Há muita competitividade, vamos defrontar boas equipas mas os objectivos das duas equipas passam pela manutenção. 

Gostava de experimentar outros campeonatos, na Suécia, Dinamarca, Espanha ou Inglaterra. Depende sempre do que surgir. Tirei o UEFA A em 2021, tenho orgulho naquilo que já consegui mas quero mais, espero que me abra mais portas. Gosto de arriscar, conhecer novas culturas, realidades, pessoas. Gostaria sem dúvida de dar um salto maior, um clube profissional. Ouvir o hino da Champions é sem dúvida um dos meus objectivos. Mas claro que um dia mais tarde, não sei quando, um regresso a Portugal seria sempre visto com bons olhos. Teria de ser um projecto que considerasse de facto bastante apelativo. Caso contrário, continuamos por aqui a construir a carreira. 

RFI: Como tem sido a vida na Finlândia ? O que foi, ou ainda é, o mais complicado ? É comparável a Portugal a vida aí ?

Milene Ramos: Para ser sincera, no início foi um choque. Percebi que eu é que me tinha de adaptar ao contexto. Isso ajudou-me caso contrário podia entrar em choque. É um óptimo país mas é complicado em termos de futebol. Não é o desporto rei. Em termos de futebol, a Finlândia está abaixo das condições que oferece. Acho que o clima acaba por influenciar o estilo de jogo que se pratica aqui. As pessoas são bastante educadas. Por exemplo, no Inverno podem estar -15 na rua e estão a esperar pela luz verde para passar a passadeira... 

A vida aqui não é comparável a Portugal. No inverno, às 15h00, é de noite. Custou-me no início, admito. É um choque muito grande. Então se às 15h00, num dia de inverno, estiver a chover ou a nevar, ainda pior. Sinto falta de dias com mais luz. Depois, os finlandeses não tem o hábito de socializar em cafés. Outra coisa que fazia em Portugal e aqui não posso fazer é ir às compras ao fim do dia. A maior parte do comércio fecha às 17h/18h. Em sentido contrário, o dia começa mais cedo e às 7h já há muito movimento. 

RFI: Olhando para a sua carreira de futebolista, há algo que mudaria ?

Milene Ramos: Sim, tinha deixado o meu país mais cedo. Na altura, tive algum receio, não é fácil deixar a nossa zona de conforto mas é onde crescemos. E eu digo muitas vezes às pessoas que me perguntam como é que se faz, o que é que eu fiz, que não há um segredo. Eu tenho alguns princípios na minha carreira que são: nunca te questiones se estás preparada, porque até passares pelas coisas não sabes. Vai-te preparando e quando as oportunidades aparecerem assume. O rio está sempre lá no mesmo sítio, mas a mesma água só passa lá uma vez. E às vezes esta decisão num mundo de risco, em que não controlamos muita coisa, em que a nossa carreira é muito volátil, temos que ter coragem.

Milene Ramos, treinadora lusa na Finlândia.
Milene Ramos, treinadora lusa na Finlândia. © Cortesia Milene Ramos

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