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Ciência

Alterações climáticas: Tribunal Europeu mostra que “inacção do Governo suíço viola direitos humanos”

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O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos deu razão esta terça-feira, a um grupo de mulheres idosas que acusaram o Governo suíço de não cumprir as suas obrigações na luta contra as alterações climáticas. Mariana Gomes, presidente da associação Último Recurso, sublinha uma decisão histórica do tribunal porque mostra que “inacção do Governo suíço em matéria de aumento de temperaturas, ondas de calor e alterações climáticas, viola direitos humanos e viola os direitos humanos daquelas pessoas”.

Os seis portugueses que levaram 32 Estados europeus ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. 09/04/24
Os seis portugueses que levaram 32 Estados europeus ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. 09/04/24 AFP - FREDERICK FLORIN
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O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) deu razão esta terça-feira, 09 de Abril, a um grupo de mulheres idosas que acusaram o Governo suíço de não cumprir as suas obrigações na luta contra as alterações climáticas. Por outro lado, o TEDH recusou a acusação de um ex-autarca francês que acusava o Estado de não cumprir a obrigação de garantir o direito à vida ao não combater adequadamente as mudanças climáticas. Em terceira deliberação, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos rejeitou a queixa de seis jovens portugueses que acusavam 32 Estados europeus de inacção em relação às alterações climáticas. O tribunal considerou que a acusação não preenchia as condições de admissibilidade.

Mariana Gomes, presidente e fundadora da associação portuguesa Último Recurso, sublinha uma decisão histórica do tribunal porque mostra que “ inacção do governo suíço em matéria de aumento de temperaturas, ondas de calor e alterações climáticas, viola direitos humanos e viola os direitos humanos daquelas pessoas”.

RFI: Peço-lhe uma primeira reacção a estas deliberações do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.

Mariana Gomes, presidente e fundadora da associação portuguesa Último Recurso: A primeira reacção é de vitória, o Tribunal [Europeu dos Direitos Humanos] hoje respondeu à questão: a inacção do Governo em relação às alterações climáticas viola ou não os direitos humanos? E a verdade é que, apesar de o caso dos seis jovens portugueses ter sido rejeitado, o caso suíço das idosas com mais de 75 anos não foi e, portanto, à partida, será uma vitória.

Do ponto de vista jurídico, nós já tínhamos feito uma primeira interpretação, o facto dos seis jovens portugueses não terem esgotado as instâncias nacionais e de se terem dirigido imediatamente ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, poderia, desde logo, colocar aqui um impedimento legal, porque a norma é que se esgote primeiro nos tribunais nacionais e só depois então recorremos ao Tribunal Europeu.

Mas, os casos do ex-autarca francês e dos jovens portugueses, apesar de o autarca ter esgotado as instâncias nacionais, acabaram por ser recusados pelo TEDH. Foi sim, o caso das idosas suíças, que acabou por ter aqui um “carimbo verde” do Tribunal Europeu. De alguma forma, fala-me de uma vitória, mas é uma vitória agridoce?

Sim, eu iria utilizar a palavra agridoce, mas acredito que agora o foco deve ser em perceber aquilo que correu mal e perceber como é que o caso que hoje está nas instâncias nacionais portuguesas, será impactado com esta decisão histórica do tribunal em relação à Suíça. 

Aquilo que o tribunal decidiu é histórico, é que a inacção do Governo suíço em matéria de aumento de temperaturas, ondas de calor e alterações climáticas, viola direitos humanos e viola os direitos humanos daquelas pessoas. E é exactamente isto que a associação ao Último Recurso veio alegar na primeira acção de litigância que colocou em Portugal. Portanto, a inacção do Governo português no não cumprimento da Lei de Bases do Clima violava uma série de direitos constitucionais. Agora imaginemos que esta decisão não é aceite nos tribunais portugueses, nós já teremos uma maior certeza de que o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos nos iria  dar razão. Daí que eu acho que isto coloca um precedente histórico. De qualquer das formas, tanto o caso francês como o caso português tinham muitos erros substantivos de direito nas questões da territorialidade e o português pela abstracção com que os danos foram colocados. O impacto das alterações climáticas é genérico e abstracto para todos os cidadãos do mundo. Alegar que 33 Estados-membros tinham uma responsabilidade climática, nomeadamente nos incêndios de 2017, é algo um pouco rebuscado. Mas em todos estes casos, o Tribunal não discordou da matéria de facto, de que existem alterações climáticas e há uma responsabilidade para com os Estados. 

Eu acho que aqui ainda é uma questão mais jurídica do que político-climática, porque se repararmos, a Convenção Europeia dos Direitos Humanos nem sequer menciona as alterações climáticas

Nenhuma disposição explícita relacionada precisamente ao clima.

Não contém nenhuma. Portanto, já foi feito aqui um exercício, uma ginástica, para que este caso das idosas suíças fosse considerado. Estas três decisões significam que precisamos de iniciar o debate sobre o direito climático, tanto a nível europeu como a nível nacional. A nível nacional, o que se tem visto é que os Estados têm elaborado legislação estritamente relacionada com as alterações climáticas, como é o caso do nosso Governo, que está agora vinculado a uma lei de Bases do Clima, que antes de 2022 não existia. Mas a nível europeu, tenho até proposto que seja feita uma adenda à Convenção Europeia dos Direitos Humanos, onde conste o direito a um ambiente ecologicamente equilibrado e também o direito ao clima, porque aí seria muito mais fácil que estas acções fossem procedentes. 

Acaba por ser aqui uma coincidência de termos um tribunal que pela primeira vez se pronuncia sobre questões climáticas, no mesmo dia em que novos dados assustadores em relação ao aquecimento global do planeta são anunciados.

Os jovens portugueses alegaram que o seu direito à vida está a ser ameaçado por eventos climáticos e colocaram aqui em questão os incêndios de Pedrógão Grande de 2017. Não há dúvida alguma que o Estado português tem uma responsabilidade, quer seja pela acção ou omissão em matéria climática. Agora, aquela questão que também a associação tenta trazer ao debate é que o próprio Direito e os próprios tribunais, nacionais ou europeus, não estão preparados para enfrentar a crise climática. O que é que isto significa? Além de não haver jurisprudência nesta matéria, não há legislação que proteja no âmbito do clima. 

Pior do que isso, há uma morosidade dos tribunais face à rapidez dos efeitos das alterações climáticas. A decisão de hoje não me é surpreendente, pela simples razão de nós ainda tratarmos o ambiente e o clima como uma questão estritamente jurídica e por ser difícil, perante a omissão legislativa, a prova do dano relaccionado com os direitos humanos.

Se houvesse um direito ao clima, então, à partida, essa seria a matéria substantiva que se iria alegar no caso. Mas como não há, quem faz litigância climática tem de fazer um exercício mais eficaz de pegar em direitos como o direito à vida, à intimidade da reserva de vida privada, da liberdade e depois provar que há uma relação e uma conexão de facto com matéria climática. Este é um dos maiores problemas.

Eu acredito que esta omissão por parte dos Estados da União Europeia em não regular o direito a um ambiente equilibrado e o direito ao clima é um impedimento no acesso à justiça. Aquilo que se discutiu também hoje no tribunal, a questão do processo equitativo, a falta de um direito que depois possa ser alegado como violado, é um impedimento no acesso à justiça. Acho que é isso que devemos retirar de hoje e abrir este debate para que os próximos possam ser melhor sucedidos.

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