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“PAIGC precisa de exorcizar os fantasmas do passado”

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O analista guineense, Rui Jorge Semedo, apresentou esta semana, em Bissau, o livro “PAIGC, a Face do Monopartidarismo na Guiné-Bissau'', (1974/1990). Em entrevista à RFI, Rui Jorge Semedo refere que o ensaio procura analisar o comportamento do PAIGC, durante o período de partido único, destacando igualmente as dificuldades que o partido teve em implementar o programa de governo.

Sede do PAIGC, Bissau.
Sede do PAIGC, Bissau. © Neidy Ribeiro
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RFI: Qual é o objectivo desta publicação?

Rui Jorge Semedo: O livro procurou analisar o comportamento do PAIGC durante o período de partido único, altura em que o partido governava sem uma efectiva oposição. Outra questão levantada foi saber por que é que, durante esse período, o partido teve  enormes dificuldades de implementar o seu programa de governo. Procuramos levantar outras questões, ao longo da investigação, começando pelo processo de formação do partido; saber quais foram as influências que o processo colonial teve no surgimento do PAIGC e quais são as situações, depois de conquistar o poder em 1974, que o partido enfrentou e que contribuiu para algumas dificuldades observadas durante o percurso.

O por que é que o partido teve tantas dificuldades em implementar o programa de governo? 

Viveram-se algumas situações motivadas pelas contradições internas que o partido começou a enfrentar, desde o período em que estava a lutar contra a presença colonial. Essas contradições mantiveram-se no período pós-independência, resultando no fim da unidade Guiné/ Cabo Verde. Da parte guineense pensava-se que os cabo-verdianos eram privilegiados pelo sistema colonial e que, depois da independência, a Guiné estava na iminência de uma nova colonização, desta vez da colonização cabo-verdiana. Esse sentimento motivou a ruptura daquilo que se considerava como um dos princípios ideológicos do partido que era: a unidade Guiné- Cabo Verde.

A partir de 1980, com o golpe de Estado de 14 de Novembro [perpetrado pelo general Nino Vieira que afasta Luís Cabral do poder] o partido transitou de uma situação conflitual/social entre duas sociedades-guineense e cabo-verdiana-para um conflito já de cunho étnico, mas também de disputa entre a ala militar e a ala política.

Esses conflitos podem-se explicar através das purgas feitas contra os comandos africanos e mais tarde a execução do primeiro-ministro Paulo Correia e Viriato Pã? 

Sim. Esses conflitos, gerados no partido, resultaram em violências sucessivas que custaram a vida a vários guineenses, nomeadamente os comandos africanos que foram perseguidos e assassinados. Mais tarde, a cisão do partido que ficou mais desobediente acabou por desmontar a ideia de que o problema era mais entre Guiné Bissau e Cabo Verde, sobretudo com o afastamento do então primeiro-ministro, Victor Saúde de Maria, acusado de golpe de Estado. Em 1985, o famoso caso conhecido como 17 de Outubro que acabou por decapitar uma boa parte daquilo que se denominava o Conselho de Revolução, que era o grupo militar que liderou a ruptura com Cabo Verde.

A cisão entre a elite mestiça e a elite africana? 

Isso aconteceu, no início dos anos 80, porque se pensava que o país corria o risco de entrar numa nova colonização, que era a colonização cabo-verdiana. A partir desse período, a elite guineense decidiu assumir o poder, mas não conseguiu evitar as contradições que já vinha do período da luta pela libertação nacional e que se enraizou não só dentro do partido, mas também provocou uma desestruturação a nível da governação e que hoje é o reflexo daquilo que o país está a viver.

O professor Carlos Sangreman, que escreveu o prefácio do seu livro, disse que se trata de uma investigação científica sobre alguns tabus que existem na sociedade guineense. Que tabus são esses e que peso ainda têm hoje? 

Tabu em falar de certas questões. Não são só os conflitos, mas também com os assassínios ocorridos durante esse período, que muitas vezes se pensa que, ao falar dessas situações dramáticas, se estão a levantar fantasmas. Como diz o Dr. Silvestre Alves, o trabalho não foi feito para fazer o julgamento ou crucificar o PAIGC, nada disso. É um trabalho que se debruçou mais numa metodologia científica, refletindo o comportamento do partido e alguns aspectos que contribuíram para essas dificuldades. Muitos guineenses esperavam por um país melhor a  partir do fim do processo colonial.

Silvestre Alves diz: “Só quando começarem a ser enfrentados os tabus, os fantasmas, é que o país vai ultrapassar os seus obstáculos”. É preciso olhar para dentro?

Exactamente. Porque é que até hoje nunca se conseguiu desvendar a real intenção do assassinio de Amilcar Cabral ? Quem são os mandantes? É certo que todos sabem que foi, pelo menos visivelmente, a ala guineense.Todos conhecem o autor do disparo. Mas qual foi a motivação do disparo? O relatório da investigação após o assassinato de Amilcar Cabral nunca foi tornado público. 

Depois, no período pós-descolonização, algumas situações que aconteceram, no famoso caso 7 de Outubro, até hoje nunca se conseguiu saber se era um golpe de Estado ou se foi uma armação. Até hoje não se consegue saber onde essas pessoas foram enterradas. São essas situações que provocam algum medo, desconforto e que precisam de ser debatidas, desvendadas. Só assim se pode avançar por aquilo que é o desígnio do país, promovendo a reconciliação e o progresso, como qualquer outro país do mundo. 

Hoje o PAIGC, apesar de ter ganho as últimas eleições legislativas, está relegado para oposição. Considera que todas estas questões que aqui abordamos fazem com que o PAIGC esteja hoje onde está? O PAIGC que acaba de sancionar membros do partido ...

Hoje vivemos um outro contexto, existem outras várias forças a competir no mercado eleitoral. Certamente que o PAIGC precisa exorcizar os fantasmas do passado, mas tudo isso exige a contribuição responsável de todas as forças políticas existentes. A partir da abertura política, os males que o país ainda continua a acumular já não são só da responsabilidade do PAIGC. Outros partidos passaram pelo parlamento e também devem assumir essa responsabilidade. 

Agora, alguns bloqueios que foram criados pelo PAIGC, impedindo o bom funcionamento da democracia, resultaram na situação que o partido enfrenta actualmente.

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