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Lúcia de Carvalho lança novo disco “Pwanga”

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A cantora franco-angolana Lúcia de Carvalho lançou um novo álbum intitulado “Pwanga” (Luz), que homenageia as suas raízes e a força das mulheres, com ritmos de samba, semba, afrosoul, capoeira, pop latina e sons orientais. Lúcia de Carvalho é, também, uma das artistas convidadas para o festival Au Fil des Voix a 11 Fevereiro, em Paris.

Lúcia de Carvalho tem novo disco "Pwanga".
Lúcia de Carvalho tem novo disco "Pwanga". © Frank Lorioux
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RFI: O disco chama-se Pwanga? Porquê?

Lúcia de Carvalho: “Pwanga” vem da expressão “Pwanga ni Puy?” em tchokwe. Foi uma amiga minha que viajou para Angola e que costuma acompanhar pessoas para escrever textos para aumentar a auto-estima e ela foi a uma pequena aldeia para fazer um texto desses com agricultores e agricultoras. No fim da viagem, ela quis tirar uma foto e ninguém sorria. Ela perguntou para o tradutor o que poderia dizer para as pessoas sorrirem e ele disse: “Pwanga ni Puy?”. Isso significa “luz ou escuridão?”, “está escuro ou está claro?” e as pessoas sorriam e diziam “Pwanga”. Achei a ideia muito bonita.

O primeiro disco chamava-se Kuzola e tinha palavras em quimbundo. Neste álbum, também tem canções em quimbundo. Porquê?

As canções em língua tradicional é uma escolha porque eu gostaria de poder falar uma dessas línguas. Para a canção em quimbundo “Saeli” eu pedi a um poeta angolano para traduzir em quimbundo. A canção “Phowo”, que significa “Mulheres”, é a tal canção que foi escrita por mulheres agricultoras.

O que conta “Phowo”?

Fala do poder das mulheres, da fragilidade. Gostei muito do facto que elas dizem, por exemplo, coisas simples como “Eu trago a água para a minha aldeia. Graças a mim, a Humanidade pode crescer porque eu sou fonte de vida”. Achei muito, muito lindo.

Empoderamento feminino é uma das linhas de força deste disco, mas há outras. Por exemplo, em “Yallah”, ouvimos “Fizeram guerras e o amor continua a brilhar”, “a natureza é a nossa riqueza”...  Há outras mensagens fortes que quer passar com este disco…

Sim, na realidade, cada título do disco tem uma só palavra e eu acho que a mensagem principal que eu quero passar é realmente a mensagem de unidade. Com o meu precedente trabalho, “Kuzola”, eu sentia realmente que o amor é uma energia que une as pessoas e as coisas. Com “Kuzola”, eu estava numa busca de sentido. Com “Pwanga”, estou mais a querer viver e sentir a essência das coisas, o lado luminoso e o lado sagrado da vida que vive em cada um de nós.

Este é um disco bastante luminoso, com ritmos de samba, semba, afrosoul, capoeira, pop, sons orientais… Como é que descreve musicalmente este trabalho?

É complicado (risos). Eu tento mesmo seguir a inspiração, não digo que vou fazer um álbum assim e assim. As canções começam com uma vontade de dizer alguma coisa. Elas começam através do texto, só que o texto vem com uma melodia e um certo ritmo. Depois, para mim é só procurar seguir. Para este álbum, estive muitas vezes a perguntar à canção, como se fosse uma pessoa: “Diz-me aí, o que é que tu queres? O que é que eu posso fazer para ficares linda? Quais são os músicos?” Foi por isso que a gente procurou cada músico: o José Luís Nascimento, na percussão; fomos para Lisboa para gravar com o Betinho Feijó, o guitarrista do Bonga, e o Galiano Neto. Nesse álbum, tem também uma participação importante do Edouard Heilbronn.

O Edouard que já participou no Kuzola…

Sim. No Kuzola, a gente fez os arranjos juntos mas, desta vez, eu estava muito grávida e então foi muito ele que se ocupou dos arranjos, fez as guitarras, os baixos e a gente contou com participações muito legais.

Também convidaram o cantor brasileiro Chico César…

Quando a gente faz um álbum, a gente fica com vontade de partilhar o nosso trabalho com outros músicos que gostamos e admiramos. O Chico César faz parte dessas personalidades, desses grandes cantores da música brasileira que marcaram muito a nossa geração. A gente enviou várias canções e ele escolheu a canção “Desperta” e eu fiquei muito, muito feliz. Foi muito bom encontrá-lo para o videoclipe, é uma pessoa muito simples, ele está de coração aberto. Foi um encanto.

Também canta em português, em castelhano, mas não em francês. Porquê?

A inspiração não quer vir em francês. Procurei, pedi, mas nada!

Quando falámos pela primeira vez, em 2016, ainda estava a fazer a promoção de “Kuzola”, o seu primeiro disco. Alguns anos passados, como tem sido o percurso – que, entretanto, contou com dois anos de “pausa” para o mundo cultural devido à Covid-19?

Não houve realmente pausa porque a gente durante esse momento estava a fazer o álbum. Tivemos sorte porque gravámos todos os instrumentos, as vozes e só faltavam a minha voz e as guitarras. Isso foi em princípios de Março. A gente disse “ah, vamos fazer uma pausa e depois a gente volta”. Só que foi o confinamento. Mas a gente gravou em casa tranquilos, coloquei umas flores, umas velas, umas fotos, foi perfeito. O confinamento parou, começámos logo os concertos e, recentemente, estivemos na Womex, no Porto, e foi uma experiência muito boa. A gente ficou feliz de tocar lá no palco lusófono e tem outras coisas lindas chegando…

Precisamente, a 11 de Fevereiro, em Paris, vai subir ao palco do festival Au Fil des Voix. O que representa para si?

É uma grande alegria participar neste festival. Já tinha ouvido falar várias vezes, vejo grandes artistas que entram lá. Então, dá para ver que o caminho vai avançando, a gente vai passo a passo e ficamos muito felizes de participar.

Há outras datas previstas, por exemplo, em Angola, no Brasil, em Portugal na agenda?

Por enquanto ainda não. Na Womex, a gente encontrou programadores, então as coisas estão agendando. Em relação à situação global, está um pouco mais devagar. Tem opções por aí, mas não dá para confirmar enquanto não está assinado…

Fale-nos um pouco do seu percurso que já contou um pouco no documentário “Kuzola, o Canto das Raízes” do realizador Hugo Bachelet. Nasceu em Angola, viveu em Portugal, reside actualmente em França…

Esse documentário foi e continua a ser uma experiência muito importante na minha vida porque há uns 30 anos que eu não tinha voltado para Angola. Eu nasci lá, aos seis anos fui para Portugal com a minha mãe e as minhas irmãs, onde morei numa Aldeia de Crianças, aos doze anos fui adoptada por uma família francesa. Assim, durante uns 30 anos fiquei cortada totalmente da minha cultura angolana. No momento em que a gente ia fazer o álbum, foi um momento também em que eu senti a necessidade de voltar para a minha terra, sentir as minhas raízes, rever a família e foi aí que a gente cruzou o realizador Hugo Bachelet e fizemos as duas coisas ao mesmo tempo: o álbum e o documentário.

Ou seja, nasceu em Angola, cresceu em Portugal, vive em França, tem uma paixão pelo Brasil. Como é que estas múltiplas culturas influenciam a sua música?

Influenciam em tudo e totalmente. No começo não foi muito fácil aceitar não ser nem francesa, nem 100% angolana, nem brasileira… Quando eu voltei dessa viagem a Angola, duas semanas depois acordei com uma imagem de uma flor com a raiz angolana, o caule português, a flor brasileira e a França é o chão que permite a essa flor crescer. Essa imagem simples deu-me uma grande harmonia em relação a quem eu me sinto. Eu sou mestiça, a minha identidade, a minha cultura e isso é o que sai na minha música. A minha música transpira quem sou e a evolução. É realmente um álbum foto mas este é com músicas das emoções e das experiências que eu vivi. E é isso que eu gosto de partilhar com o pessoal.

Como tem sido a recepção do público. Tem mais feedback de franceses ou lusófonos?

É engraçado, eu tenho a impressão que, tanto quando a gente tocou na Itália ou na Alemanha ou aqui na França, a recepção é, de um certo modo, a mesma. As pessoas não entendem, a não ser os lusófonos, e isso reforça a impressão que a música é importante mas, às vezes, tem alguma coisa que vai para além da música. E é isso que eu quero transmitir com o álbum “Pwanga” porque significa Luz, mas como é que a gente vai traduzir a luz?

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