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Macron propõe “New Deal” económico para África

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O chefe de Estado francês discursou esta manhã no Parlamento Europeu, em Estrasburgo, onde apresentou as prioridades da presidência semestral francesa do Conselho da União Europeia. Emmanuel Macron sublinhou a urgência de "uma nova ordem" na Europa com a Nato face à Rússia e apresentou uma nova agenda para o continente africano.  Carlos Gaspar, director do Instituto Português de Relações Internacionais da Universidade Nova de Lisboa, reconhece que há muito trabalho a fazer no continente.

O chefe de Estado francês, Emmanuel Macron, discursou esta manhã no Parlamento Europeu, em Estrasburgo, onde apresentou as prioridades da presidência semestral francesa do Conselho da União Europeia.
O chefe de Estado francês, Emmanuel Macron, discursou esta manhã no Parlamento Europeu, em Estrasburgo, onde apresentou as prioridades da presidência semestral francesa do Conselho da União Europeia. REUTERS - POOL
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RFI: O Presidente Emmanuel Macron quer inscrever a protecção ambiental e direito ao aborto na declaração dos direitos fundamentais da União Europeia. Que importância tem esta iniciativa?

Carlos Gaspar: A revisão da declaração dos direitos fundamentais europeus para reforçar as referências ao ambiente e também ao aborto não é evidente, uma vez que não haverá um consenso entre as três principais forças no Parlamento Europeu nessa matéria ou se a questão continua a ser muito dividida, designadamente nas relações entre socialistas e liberais, por um lado, e os democratas cristãos por outro lado. Mas é uma proposta forte”.

Pode ser vista como uma mensagem para a nova presidente do Parlamento Europeu, a maltesa Roberta Metsola, ela que é mais conservadora e tem posições firmes anti-aborto. Uma vez que Malta que é o último país da União Europeia onde a interrupção da gravidez continua a ser completamente ilegal?

Suponho que é mais uma coincidência que tem a ver com as circunstâncias, a morte súbita do presidente David Sassoli, do que propriamente com uma resposta à eleição da nova presidente, que de resto estava prevista.

Uma das iniciativas da presidência francesa passa pelo enquadramento do salário mínimo, para acabar com as desigualdades. Até que ponto esse enquadramento é possível, quando existe uma europa a duas velocidades?

É impossível. A duas velocidades não, a muitas velocidades. Isso tem a ver com o projecto de convergência a prazo, mas é totalmente impossível falar de uma convergência efectiva do salário mínimo europeu, hoje em dia. Qualquer pessoa que conheça os números sabe que isso é completamente impossível.

Até porque vários países do norte da Europa são contra esta medida …

Não, é impossível do ponto de vista económico. As disparidades, as assimetrias são excessivamente grandes. Não faz sentido imaginar que o salário mínimo da Bulgária possa ser o salário mínimo da Suécia.

A França quer uma reforma do Espaço Schengen para combater a imigração ilegal. Fala em antecipar as situações, numa força intergovernamental de acção rápida na luta contra as redes de trafico ilegal. Como é que poderá ser implementada essa reforma?

A questão das fronteiras é crucial, do ponto de vista da segurança europeia. A União Europeia e a Nato devem assumir que têm fronteiras definitivas e que a UE não vai continuar a expandir-se definitivamente em direcção à Turquia e ao espaço pós-soviético. É preciso consolidar as fronteiras europeias, a crise entre a fronteira da Polónia e da Bielorrússia foi um bom exemplo disso. A questão da migração no mediterrânio também. É indispensável haver um reforço das fronteiras externas. O Presidente Macron falou de uma força intergovernamental de intervenção rápida, mas não definiu a sua composição, nem a sua competência. Neste momento é crucial reforçar-se o Frontex e avançar no sentido de definir as fronteiras definitivas da União Europeia, as fronteiras externas, e o espaço pós-soviético.

O chefe de Estado francês voltou a defender que a Europa precisa de retomar o diálogo com a Rússia, referindo que este deve ser um diálogo franco e exigente diante da manipulação e da interferência. Esse diálogo será possível?

Esse diálogo existe  desde a aprovação da Carta de Paris e da criação da Organização de Segurança e Cooperação Europeia. O Presidente Macron foi mais longe e disse que a presidência estava a preparar uma proposta europeia sobre a ordem estratégica e a ordem de segurança continental para propor à Rússia. Não é um bom momento para apresentar essa proposta.

Essa iniciativa tem com certeza razão de ser, mas não é no momento em que estão 100 000 soldados das forças russas estacionados na fronteira com a Ucrânia que se deve fazer essa proposta.

Há uma linha de coerência do Presidente Macron que, desde 2017, defende uma parceria estratégica com a Rússia, mas aparentemente o Presidente Putin não segue o Presidente Macron nessa matéria.

A Europa que tem ficado de fora das negociações que decorrem entre os EUA, a Rússia e a Nato a propósito da crise ucraniana…

O Presidente Macron falou na necessidade de recuperar o formato Normandia, na mediação entre a Rússia e a Ucrânia, que a Rússia também colocou entre parêntesis, de uma maneira particularmente brutal, no momento em que começou a concentrar forças na fronteira com a Ucrânia.

Emmanuel Macron reafirma que com a Alemanha, a França vai procurar um acordo político para uma saída da crise na Ucrânia. Mas não há aqui um contrasenso, esse acordo não deveria ser feito a nível europeu?

Não há uma unidade política entre os Estados membros da União Europeia em relação à Rússia e isso impede que haja uma política europeia. Impediu no passado e impede neste momento. A posição da Hungria é muito clara, mas há outras divergências. Há divergências entre a França, a Alemanha e a Suécia. A Suécia está a mobilizar as suas forças armadas para defender posições mais expostas à pressão estratégica da Rússia.

Há diferenças entre a França e a Alemanha e os países ditos da linha da frente, Polónia, Roménia e as Repúblicas Bálticas. Não há uma posição europeia comum. É isso que o Presidente Macron propõe quando fala de uma proposta europeia sobre a ordem de segurança europeia para ser apresentada à Rússia. Mas agora, aparentemente, o que a Rússia quer é conversar com os Estados Unidos e com a Nato.  

O Presidente francês falou na adesão dos Balcãs ocidentais, uma adesão que precisa de ser reinventada. A França que, no passado, vetou a continuação do alargamento a seis países dos Balcãs. O que é que mudou, o que é que precisa de ser reinventado? 

Só mudou a fórmula, agora temos de ter uma perspectiva sincera sobre a adesão. Não há uma data para as conversações se poderem concluir, trata-se de uma fórmula aberta, que é melhor do que um veto. Mas não há uma data para se concluir um processo, que de resto é um processo complexo.

O continente africano não foi esquecido. Emmanuel Macron quer construir uma nova aliança com África, um New Deal económico, uma agenda para a Saúde, Educação e Segurança. Que importância tem esta nova aliança?  

É tudo necessário. Há também uma proposta para uma cimeira em Fevereiro, vamos ver se ela se pode realizar, tem sido longamente adiada. Há uma agenda de segurança, económica e industrial. Nas relações euro-africanas é preciso construir essa relação, que está a ser minada quer pela penetração russa no domínio da segurança, designadamente no Sahel, onde a França está a retirar  e as forças mercenárias russas estão a começar a intervir.

O Mali. Em Moçambique, onde Portugal está empenhado na primeira linha. Há trabalho a fazer, quer no domínio da segurança, quer  no domínio económico, onde a presença chinesa é cada vez mais forte. 

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