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Guiné-Bissau: "as armas não resolvem problemas e nem vão resolver nunca problemas"

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Na Guiné-Bissau, continuam por esclarecer as circunstâncias do ataque contra o palácio do governo no dia 1 de Fevereiro, uma comissão governamental de inquérito estando actualmente a efectuar investigações sobre o sucedido, enquanto por outro lado a CEDEAO encara a possibilidade de enviar uma força de estabilização para o país.

Elisa Tavares, coordenadora da Rede de Paz e Segurança das Mulheres na CEDEAO na Guiné-Bissau.
Elisa Tavares, coordenadora da Rede de Paz e Segurança das Mulheres na CEDEAO na Guiné-Bissau. © Liliana Henriques / RFI
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Desde então, o clima político e social, já por si tenso, veio a degradar-se com o ataque há um pouco mais de duas semanas contra a rádio privada 'Capital FM' que causou 7 feridos e a destruição total do material da estação, assim como os ataques contra as residências do analista político Rui Landim e do activista dos Direitos Humanos Luís Vaz Martins. 

A campanha de buscas de armamento em residências particulares em Bissau encetadas pelas Forças de Segurança desde a tentativa de desestabilização do início deste mês, também foi marcada por denúncias de abusos como agressões e detenções ilegais.

Um clima que preocupa Elisa Tavares, coordenadora da Rede de Paz e Segurança das Mulheres na CEDEAO, uma entidade que faz nomeadamente mediação política e acções de educação cívica no seio da sociedade guineense.  

RFI: Como avalia a situação do seu país neste momento?

Elisa Tavares: É mais uma situação preocupante neste momento. A Guiné-Bissau já viveu sucessivos momentos de instabilidade política, instabilidade militar e social. Neste momento, estamos a viver um novo paradigma aqui na Guiné-Bissau que nunca se viveu, um formato de instabilidade, agressões, espancamentos. É muito preocupante. Este formato é estranho. Quando se trabalha muito para que o país volte à normalidade, todo o mundo está a trabalhar para que se retome a paz e a estabilidade e, de repente, estamos a viver momentos como este, é muito preocupante. É um momento que realmente estraga todo o trabalho feito, a vida das populações, particularmente das mulheres porque -como se sabe- hoje em dia a economia básica está nas mãos das mulheres. As mulheres garantem a economia das suas casas, o meio de subsistência é garantido pelas mulheres e, hoje em dia, elas estão a trabalhar com o espírito amedrontado. Ninguém sabe como é que vamos amanhecer, como é que vai terminar o dia, estamos num ambiente mesmo muito preocupante de incerteza. O nível de desconfiança cada vez é mais elevado. Ninguém sabe quem é quem, o que devo dizer, o que devo fazer.

RFI: Estava a falar do impacto que isto tem a nível da sociedade e, nomeadamente, para o dia-a-dia das mulheres. Como se poderia qualificar o quotidiano das mulheres neste momento?

Elisa Tavares: Neste momento, as mulheres estão a sofrer bastante. As mulheres é que garantem a economia doméstica, garantem a escola, garantem a saúde e a alimentação em casa. Hoje com a situação de instabilidade, por exemplo as mulheres que saem para ir ao campo, para irem comprar bens fora do país, vir vender, comprar produtos que se devem conservar, como frutas, legumes, hortaliças, isto tudo está hoje em dia a ser desenvolvido com uma certa dificuldade. As mulheres vão ou não vão, estão com receio de sair para ir procurar. Quando vão, trazem coisas em menores quantidades e com receio de levar ao mercado. Não se sabe se eu compro quantidades, como é que vou gerir se houver conflito. Temos que estar em alerta para fugir. São situações que complicam a vida diária das mulheres. A fugir e correr porque há tiroteio de um lado, há tiroteio de outro lado, ninguém consegue garantir a sua subsistência. Vê-se mesmo na administração pública como está a funcionar a meio-gás. Ninguém tem coragem de deixar a criança ir à escola. Vou trabalhar, não sei se vou e volto, em que condições. Falta mesmo aquela auto-estima, vontade de sair de casa para ir trabalhar. Não é que não quero ir trabalhar, mas estou com receio do que depois vai acontecer. Também depende da nossa vontade, não vou dizer só dos políticos, mas também da sociedade civil, da população em geral, porque temos que contribuir todos para a estabilização do país. Isso é uma responsabilidade não só dos políticos, são os políticos em primeiro lugar, mas de nós todos. Contudo, os políticos devem assumir as suas responsabilidades.

RFI: A covid-19 também passou por aí. Também teve o seu impacto.

Elisa Tavares: A covid-19 teve um grande impacto, por exemplo, quando falamos da décima legislatura, a legislatura actual que coincidiu com a covid. Esta doença foi também um factor de instabilidade. Como todos sabem, depois das eleições, houve aquela situação de impasse de aceitação dos resultados eleitorais que demorou bastante e que coincidiu com o início da pandemia. Foi uma governação com instabilidade política e com instabilidade sanitária. Isto complicou o início da legislatura em que também houve muitas situações conflituosas que chegaram até este ponto. A covid-19 não ajudou e até este momento não está a ajudar. As recomendações feitas pelo Alto Comissariado para a covid-19 para o cumprimento das regras estão a ser conectadas com situações políticas que estão piorar ainda mais as coisas. A covid-19 faz parte dos factores de instabilidade política aqui na Guiné-Bissau.

RFI: A seu ver, o que é que pode acontecer? Tem receio que isto possa resvalar para algo pior?

Elisa Tavares: Eu sou muito optimista. Eu sei que este povo é pacífico. Mas hoje em dia, vê-se alguma alteração nas pessoas. Tudo o que está a acontecer na Guiné-Bissau depende mesmo da vontade dos guineenses. É uma questão de decidir inverter. Depende da vontade pessoal de cada um dos actores políticos, os militares. Neste caso, por exemplo, o que se pode fazer? É sentar-se, dialogar. Agora como? Tem que se criar ambiente para isso, não é com as armas. Já temos provas de que as armas não resolvem problemas e nem vão resolver nunca problemas, pelo contrário. Neste momento, é preciso respeitar as regras, a Constituição da República. Temos que proporcionar mesas de diálogo. Só com o diálogo é que o país pode avançar, saber fazer oposição, a oposição que vai favorecer a população, uma oposição construtiva. Também é um factor que devemos pensar.

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