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PM indiano Narendra Modi em périplo de 3 dias à Europa

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O Primeiro-ministro indiano Narendra Modi iniciou esta segunda-feira um périplo europeu de 3 dias cuja ementa abrange discussões em torno da guerra na Ucrânia, da protecção do meio ambiente e igualmente da cooperação económica.

Chefe do governo indiano Narendra Modi.
Chefe do governo indiano Narendra Modi. REUTERS - EVELYN HOCKSTEIN
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Neste sentido, a primeira etapa desta digressão que decorre hoje em Berlim, é eminentemente económica com encontros com o chefe do executivo alemão e com representantes do sector empresarial, a Alemanha sendo o principal parceiro europeu da Índia.

Na segunda etapa da sua deslocação, Modi estará a amanhã na Dinamarca onde vai participar na segunda cimeira Índia-países escandinavos, um encontro virado para questões ambientais. Apesar de uma crescente sensibilização à problemática do aquecimento climático e à necessidade de uma transição para uma economia mais sustentável, a Índia é, juntamente com a China, um dos países que continua a suportar a sua política energética sobre a exploração do carvão.

No seu último dia de visita, o chefe do governo indiano deverá passar por Paris onde será o primeiro estadista estrangeiro a ser recebido por Emmanuel Macron desde a sua reeleição há uma semana.

Estes três dias de visita acontecem num contexto internacional extremamente perturbado pela guerra na Ucrânia, com a Índia a adoptar uma posição de neutralidade a nível as instâncias internacionais. Esta visita acontece igualmente num contexto em que a Índia, confrontada com dificuldades económicas e sociais, procura reforçar os elos com os países da União Europeia, como não deixa de evidenciar Djenirah Couto, investigadora da Escola Prática dos Altos Estudos de Paris.

RFI: O que está em jogo para Narendra Modi na sua primeira etapa em Berlim?

Djenirah Couto: Para Modi, esta visita é extremamente importante porque já há cerca de dois anos que Modi e o seu governo enfrentam um certo número de manifestações e de acções muito duras do ponto de vista da política interna da Índia, a nível dos agricultores. Os agricultores levaram a cabo uma "guerra" dura de resistência contra o governo durante mais de um ano e ganharam sobre diversos pontos. A situação económica na Índia é extremamente complicada, não devido à epidemia, mas devido precisamente às medidas extremamente ditatoriais tomadas pelo governo de Modi em relação à gestão económica e à gestão agrícola de diversas províncias e de Estados da própria Índia. Portanto, a contestação interna leva também a uma crise económica indiana e eu penso que Modi vem ver o seu principal interlocutor, a Alemanha, pedir algum apoio e alguma ajuda a diversos níveis.

RFI: A segunda etapa desta visita passa amanhã pela Dinamarca onde Narendra Modi vai marcar presença na segunda cimeira Índia-países escandinavos. Na ementa desse encontro há vários assuntos: a retoma económica pós-pandémica, as mudanças climáticas, a inovação e a tecnologia, assim como as energias renováveis. Esta agenda combina pouco com o facto de a Índia ser um dos países que continua a basear a sua política energética no carvão.

Djenirah Couto: Exactamente. Mas aqui a presença de Modi na Dinamarca é por assim dizer unicamente simbólica, para mostrar que a Índia se interessa por esses problemas, que a Índia não quer estar ausente da tribuna internacional em que se estão a tomar -embora de maneira dispersa- medidas concretas para resolver a questão do desequilíbrio climático. Aqui a presença do Modi é puramente simbólica porque a política da Índia em relação ao clima tem sido particularmente negativa. é claro que podemos também ser um pouco advogados do Diabo em relação a esta política governamental indiana, porque a Índia com a população que tem, com os problemas estruturais que tem, com a burocracia que tem ao nível de cada Estado, o país não tem grandes meios actualmente para lutar contra o problema do desequilíbrio climático e inclusivamente de implantar novas políticas energéticas a uma escala muito grande. Isto não quer dizer que não tenham sido tomadas iniciativas na Índia ultimamente. Por exemplo, em diversos Estados, foram criadas verdadeiras reservas e quintas para o estabelecimento e criação de painéis solares, para implantar uma energia renovável através desses painéis solares. Algumas iniciativas têm sido tomadas ao nível da poluição extraordinária nas grandes cidades como Nova Deli e sobretudo Mumbai, mas evidentemente há na Índia um problema de escala. é um problema ligado à demografia que não tem sido verdadeiramente controlada nos últimos 30 anos e portanto a Índia não tem actualmente meios concretos para uma política de modificações e de melhoramento a nível da implantação das energias renováveis como países de pequenas dimensões e com pequena população o podem fazer. O problema é muito, muito, complicado, mas quero reafirmar que iniciativas têm sido tomadas na Índia, porque há uma sensibilização sobretudo nas camadas mais jovens e urbanas da população sobre o problema dos recursos. Por exemplo, pense-se na mobilização que tem sido feita na Índia a propósito da escassez da água e do problema da utilização e do emprego da água nos grandes centros urbanos e nas grandes cidades. Dizer que a população não está a ser sensibilizada à questão da necessidade de medidas para uma transição mais ecológica, nos centros urbanas e nas camadas mais jovens há lá quem o está. A questão é que o aparelho do Estado tem uma inércia muito grande e, além disso, a política governamental do partido no poder não foi de maneira nenhuma virada para as questões climáticas como sendo uma questão prioritária.

RFI: Precisamente relativamente à questão do ambiente que é um dos pratos-fortes desta visita, tem havido bastantes escândalos a nível ambiental na Índia, nomeadamente na forma como são fabricados os medicamentos naquele país. A Índia é um dos principais produtores de medicamentos a nível mundial, muitos dos genéricos que consumimos na Europa são fabricados na Índia, mas em condições terríveis para o ambiente, com poluição da água.

Djenirah Couto: Sem dúvida. Um dos grandes problemas da Índia é o das condições de produção. A mão-de-obra é abundante e barata mas muitas vezes não qualificada ou não suficientemente qualificada. Por exemplo, isso também é visível no caso da produção de alguns medicamentos, não todos como é evidente, mas tem havido alguns locais, algumas empresas em que têm-se vindo a acumular escândalos porque, precisamente, é impossível continuar a consumir medicamentos que são realmente produtos nos quais o consumidor tem que ter toda a confiança e têm sido produzidos em condições extremamente deficientes porque o problema é a falta de fiscalização. Aqui é algo que o governo indiano tem que efectivamente mudar as suas políticas e agir num clima de reformas.

RFI: Mas será que tem havido pressão por parte dos países ocidentais e nomeadamente dos países europeus com os quais a Índia está em contacto?

Djenirah Couto: Estamos a falar da produção de medicamentos. é um sector em que reina muito pouca transparência. Portanto, eu penso que começa a haver alguma inquietação e alguma responsabilização das unidades ou dos laboratórios ocidentais que tiveram conhecimento do modo como esses medicamentos são produzidos. Mas, pelo menos até agora, não tenho visto nenhuns ecos de uma responsabilização ou de um alerta da parte dos europeus ou dos ocidentais de um modo geral em relação ao impacto ambiental na Índia dessas condições de produção extremamente deficientes.

RFI: A terceira etapa da visita de Narendra Modi à Europa decorre em Paris. O que está em jogo nessa etapa?

Djenirah Couto: Eu penso que é como na questão da Dinamarca, é uma questão de presença simbólica Índia. Na Índia, há um problema de imagem e, portanto, o governo indiano que tem sido conotado com posições radicais do ponto de vista político, tem tratado de melhorar essa imagem. Penso que essa viagem a Paris é mais na base do prestígio e na base de poder mostrar que a Índia continua a ser um actor no conjunto das nações importantes. Nada melhor do que a França, com um Presidente muito recentemente reeleito, para mostrar e para afirmar essa constância dessa presença da Índia. Esta visita é mais de prestígio diplomático do que propriamente de resultados concretos, embora evidentemente possa haver outras transacções menos públicas, tais como venda de armamento, tais como programas de trocas mútuas com a França que continua a ser considerada do ponto de vista técnico como um interlocutor muito fiável para a Índia.

RFI: E precisamente acerca da questão dos aviões 'Rafale', a Índia compra esses aviões caça à França, mas o primeiro fornecedor de armamento à Índia é a Rússia.

Djenirah Couto: Sem dúvida, mas precisamente, agora que a Rússia está situada numa posição muito marginalizada, é muito possível que o governo indiano que tem uma política de rearmamento muito forte porque pretende sempre continuar a assegurar a sua hegemonia no oceano Indico, lembre-se todas as compras da Índia em matéria de submarinos, não só de 'Rafale' mas também de navios, de rearmamento das suas frotas para continuar a assegurar o seu poder estratégico naquela região, é possível que essas compras atinjam também outros sectores, como o sector aeronáutico, e que o governo indiano se volte de novo e cada vez mais para a França. Um último exemplo que queria dar e que creio útil evocar é a participação francesa nas obras do metro de Mumbai e em muitas outras empresas de grande importância da Índia do ponto de vista da arquitectura. Essa contribuição francesa é sempre muito bem vista pela qualidade técnica.

RFI: Esta visita tem também por objectivo situar-se como alternativa relativamente ao bloco 'Rússia-China', uma vez que a Índia é o principal rival da China a nível regional.

Djenirah Couto: Com certeza. Concordo plenamente com essa análise. Penso que há aqui nesta viagem também, globalmente, uma tentativa de reposicionamento da Índia em relação à Europa e de modo geral a todo o ocidente, para mostrar que não está totalmente solidária com aquele grupo 'Rússia-China', até mesmo porque há um conflito quase secular entre a China e a Índia. Alguns não se lembrarão da situação de guerra e dos problemas de fronteira que são importantes. Portanto, há aqui sem dúvida, uma tentativa de mostrar que a Índia não rompe completamente com a dinâmica das suas trocas privilegiadas com a China ou com a Rússia mas que há um limite. A mensagem é 'o nosso alinhamento não é a 100% com a China e com a Rússia.'

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