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Guiné-Bissau 50 Anos

50 anos da independência da Guiné-Bissau: os sonhos por cumprir da geração da luta

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A Guiné-Bissau comemora este domingo os 50 anos da sua independência. Neste quadro, a RFI propôs ao longo da semana uma série de reportagens e entrevistas alusivas à História do país e em particular ao período da luta de libertação. Hoje, no 13° capítulo desta série, evocamos o balanço destes 50 anos com a geração que participou ou foi testemunha directa da libertação do país.

Fodé Mané, jurista e activista guineense dos Direitos do Homem, em Setembro de 2023, em Bissau.
Fodé Mané, jurista e activista guineense dos Direitos do Homem, em Setembro de 2023, em Bissau. © Liliana Henriques / RFI
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Embora considerem que a luta valeu a pena, uma vez que resultou na independência do país e na possibilidade de os seus concidadãos decidirem o rumo que querem colectivamente tomar, os protagonistas da guerra de libertação não deixam de dar conta de algumas decepções.

Francisca Pereira, antiga diplomata e professora na escola-piloto de Amílcar Cabral, considera que não se cumpriu completamente o sonho que norteou a sua luta. "Não chegou até agora a suceder o sonho de Amílcar Cabral, porque o Amílcar para nos sensibilizar, sobretudo as jovens gerações, sempre nos dizia que temos que assegurar e nos engajar para que o país se liberte do jugo colonial (...). Temos tudo o que pode dar do bom e do melhor. Amílcar sempre dizia que 'o nosso país é rico'. Tem chuva e o nosso mar está cheio de peixe. Na agricultura, não precisamos de importar. Nós exportávamos arroz para Moçambique e tínhamos grande possibilidade de criação de animais e não só. Tínhamos já descoberto os minérios (...) Confundimos o amor, o desenvolvimento do país, com as nossas posições políticas. Muda a política, muda até a intervenção" lamenta a antiga combatente para quem se deveria "dar continuidade ao bem e ao progresso do povo".

Também na óptica do jurista e universitário guineense Fodé Mané estes 50 anos não têm sido um êxito, mas ele não deixa de observar que tem havido uma maior tomada de consciência da população guineense.

"Não está a ser um êxito nem está a correr como estava previsto (...). Houve retrocessos até porque os primeiros 7 anos depois da proclamação da independência, sabe-se que houve alguma implementação de alguns ideais. Depois, houve interrupção daquele ideal da Guiné e de Cabo Verde porque mexia com determinadas sensibilidades. Cada país começou a caminhar isoladamente a partir de 1980. De 1980 a 1986 foi uma época em que se viu que acabou o período de graça. Aquela generosidade da comunidade internacional com um país recém-criado acabou depois de 1980. Começou-se a conhecer quais são os esforços, qual é o fardo de procurarmos ser autónomos" analisa Fodé Mané que por outro lado dá conta de uma necessidade de reconciliação interna neste país moldado pela luta e pela violência. "Não houve um processo de catarse, de tentar curar aquele sofrimento para promover um desenvolvimento mais inclusivo", considera o estudioso.

"Nestes 50 anos, esta espiral de violência fez com que todos nós nos tornássemos vítimas e carrascos e responsáveis por esta situação. Isto constituiu um certo entrave ao desenvolvimento. Mas o tempo tem jogado (a nosso favor). A maturidade, a consciência do povo tem estado a subir. Nós vimos que há um ano tivemos um regime que tinha tudo. Mas foi para as eleições que ele organizou e o resultado foi diferente. O povo exprimiu-se contra o próprio regime. Isto mostra uma certa evolução da consciência da cidadania, da consciência cívica. Não se apela agora à violência como forma de resolver os problemas", observa o jurista e activista.

A violência que marcou a história destes 50 anos também leva o antigo combatente da guerra de libertação, o general Fodé Cassama, a apelar para a necessidade de sarar as feridas do passado e privilegiar o diálogo para o país retomar a via do progresso. "Talvez pode não ser na altura da nossa vida, mas o país vai arrancar. Mas é preciso que cada um meta na mente que o país é nosso, pertence a nós todos. Não é necessário pensar que 'sem mim, o país não pode andar'. Nós todos devemos dar as mãos e esquecer o passado porque o tempo que perdemos é muito. Perdemos um longo tempo que não permitiu o desenvolvimento do país.", considera o antigo militar.

Ao fazer igualmente um apelo à tolerância, o escritor guineense Ernesto Dabo faz um balanço menos sombrio do resultado da luta de libertação, preferindo destacar que a independência da Guiné-Bissau acabou por ser o catalizador, alguns meses depois, da revolução do 25 de Abril e também da emancipação dos povos em termos de direito internacional.

"Não me parece que o 25 de Abril pudesse surgir se não houvesse revoltas nas colónias no período em que surgiram. Também não me parece que a conclusão da guerra teria sido mesmo tipo se não tivesse havido o 25 de Abril. Isto é para demonstrar que havia um processo em que vários intervenientes, cada um no seu espaço, foi evoluindo até se chegar a este fim", refere o autor que também participou na luta de libertação através da acção clandestina em Portugal.

50 anos depois desta luta, Ernesto Dabo considera que "o mundo é um só e as lutas vão acontecendo todos os dias nos lugares mais díspares possíveis, mas o essencial a nunca esquecer é aquilo que o Amílcar disse. O Homem é o ser supremo do universo. No dia em que isso for assumido por todas as sociedades de forma consciente e responsável, confesso que é a minha convicção que os conflitos vão diminuir, para não dizer desaparecer. Essa bagunça que nós vimos até aqui em que há quem queira que haja uma pirâmide eterna, onde há um núcleo humano que tem que estar a mandar em todos, explorar o que é de todos e a ser o senhor de todos, nem Deus eles permitem que seja livre!"

O escritor conclui: "Há coisas são naturais, é impossível não obedecer à natureza, não obedecer àquilo que simbolicamente poderá ser a razão essencial da vida: a diversidade. Se você não aceita a diversidade, não aceita a humanidade".

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