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Investigador alerta que riscos persistem em Cabo Delgado

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Seis anos depois do primeiro ataque na província de Cabo Delgado, como está a região? O investigador João Feijó aponta que a situação melhorou a partir da entrada das tropas ruandesas, mas avisa que os riscos de prolongamento do conflito não foram eliminados. Em causa, a persistência das assimetrias sociais e económicas e a falta de infra-estruturas e de meios.

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Imagem de arquivo Lusa
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Esta quinta-feira, faz seis anos que se registou o primeiro ataque, no distrito de Mocímboa da Praia, na província de Cabo Delgado, por grupos armados que, desde então, vêm aterrorizando o norte de Moçambique. O conflito fez um milhão de deslocados desde 2017, de acordo com o Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, e cerca de 4.000 mortes, segundo o projecto de registo de conflitos ACLED.

O investigador João Feijó, do Observatório do Meio Rural, em Moçambique, explica que seria preciso atacar as desigualdades sociais e económicas no país para eliminar os riscos de prolongamento do conflito e avisa que a região tem "falta de Estado" ao nível de infraestruturas e de meios. Ainda assim, o investigador aponta que a situação melhorou nos últimos dois anos graças à intervenção dos militares do Ruanda e da SADC, em apoio às forças governamentais.

Em termos militares, a situação melhorou bastante, sobretudo a partir da entrada das tropas ruandesas. Então, foi possível garantir a segurança naquele eixo de Mocímboa, Palma, Afungi, que é a zona de penetração do capital, do ‘oil and gas’, e simultaneamente também se garantiu a segurança mais a sul da província. A insurgência, neste momento, está mais circunscrita à bacia do rio Messalo - que é a zona da costa - sul de Mocímboa, norte de Macomia, depois ao longo da bacia do rio Massalo até ao lago Neguri. Essa zona é um corredor de circulação da insurgência e onde a população continua a recear regressar e realizar as suas actividades económicas”, descreve João Feijó.

O projecto de gás natural do consórcio da multinacional francesa Total só retoma quando a segurança estiver garantida, mas ainda não há datas concretas. Para o investigador, “naquele perímetro, à volta de Afungi, hoje há muito mais segurança, não há registo de ataques” e as condições impostas pela Total já se observam, tanto ao nível da segurança, quanto ao regresso da população.

As pessoas já regressaram, ali num raio de 30, 40 quilómetros da Total. Quem não regressou ainda foi o Estado. Os chefes de posto administrativo, os chefes de localidade continuam a residir nas vilas-sedes distritais e não regressam. As próprias funções do Estado, ao nível da educação, ao nível da saúde, continuam bastante precárias e substituídas por agentes privados ou de organizações não governamentais que se substituem ao Estado”, acrescenta.

A falta de infra-estruturas básicas de educação, de condições de saúde, de serviços públicos, em geral, “sempre foi o calcanhar de Aquiles da região”, continua João Feijó. “Ali sempre houve um problema de falta de Estado e as poucas infra-estruturas que existiam – quase nenhumas - foram destruídas. Este processo de reconstrução implica recursos que não existem e, mesmo quando existem, quando os privados reconstroem essas infra-estruturas, depois falta que o Estado consiga alocar os meios”, sublinha.

Ou seja, a nível estrutural, não foi feito o suficiente para evitar que as causas que facilitaram que o conflito eclodisse sejam resolvidas: “A nível estrutural, não era expectável que em dois, três anos fossem feitas reformas. As reformas estruturais requerem décadas de paciência e estamos muito longe de mudança do discurso. O discurso dominante continua a ser o discurso do terrorismo, da vigilância, da denúncia. Todos os aspectos etno-políticos-económicos-sociais, de acesso à justiça, de acesso a espaços de participação, de respeito de direitos humanos, inclusão socio-económica e política, de respeito pela história das populações locais, ainda está muito longe de haver reformas significativas com impactos junto da população.

Na análise do investigador, “a situação agravará no dia em que o projecto retomar, que pessoas de fora da província chegarem e ficarem com as melhores oportunidades de emprego” porque “vai aumentar a desigualdade social e o sentimento de competição, ameaça e desprotecção das populações locais em relação a pessoas de fora"

Questionado, por isso, se o regresso da Total pode voltar a colocar em causa a estabilidade na região, João Feijó responde que “é altamente provável que o regresso vá aumentar as desigualdades e o sentimento de que as pessoas não beneficiam com o gás”.

Isto é um investimento de capital intensivo. Vai criar uns 7.000 empregos directos e os empregos indirectos não são assim tão significativos quanto isso. Isto não é suficiente para absorver toda aquela massa de jovens locais que não têm qualificações para serem absorvidos pelos projectos e, quando o são, vão ficar com cargos subalternos, como guardas, varredores de rua… São empregos subordinados, mal pagos, num cenário de grande pressão sobre terras e isto naturalmente vai gerar algum descontentamento social que facilmente pode ser capitalizado por grupos violentos”, alerta.

Para o investigador, os riscos de prolongamento do conflito não foram eliminados porque “a única coisa que melhorou foi o nível de tecnologia e segurança militar que garante alguma segurança” mas “em termos de reformas políticas, económicas e sociais a resposta tem sido muito mais lenta”.

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