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Reportagem

Sismo em Marrocos: um mês depois, resiliência dos desalojados é posta à prova

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Em que estado se encontra Marrocos, mais de um mês depois do sismo que causou 3 000 mortes e feriu mais de 5 000 pessoas com o epicentro localizado na província de Al-Haouz, região de Marraquexe. Fomos tentar perceber qual é a situação neste território montanhoso do Alto Atlas. O que é feito das 50.000 habitações destruídas, segundo os dados de uma comissão ministerial mobilizada para avaliar os danos, e em que situação vivem os cerca de 300 000 desalojados?

As tendas azuis e brancas, onde vivem os desalojados do terramoto, integraram a paisagem nesta zona do Alto Atlas.
As tendas azuis e brancas, onde vivem os desalojados do terramoto, integraram a paisagem nesta zona do Alto Atlas. © Eva Massy
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A 8 de Setembro de 2023, era já de noite, e as pessoas preparavam-se para ir dormir quando um sismo assolou uma das regiões mais pobres do país. 

Em Outubro, cerca de um mês depois, avistam-se tendas da Proteção Civil marroquina, de associações nacionais e internacionais e por vezes, tendas de campismo, pelas aldeias do Alto Atlas, de Imlil a Taroudant e Ouarzazate. 

Na cidade de Marraquexe, o ambiente é outro. Os comércios estão abertos, os turistas passeiam entre as bancas de sumo de abacate e as de tapeçaria marroquina e espalha-se pela medina, a parte velha da cidade, a voz do muezim, a pessoa que apela os muçulmanos à oração. 

Sentada num café da muito movimentada praça Jama El Fnaa, no centro de Marraquexe, Patrícia Lorenzo, portuguesa a viver em Marrocos há 13 anos, onde é professora de yoga, recorda a noite do sismo.

"Estava em casa deitada no sofá, com o meu companheiro, a ver televisão. Eram 23h10 e de repente pôs-se tudo a tremer. Olhei para o meu companheiro do género "O que se está a passar ?" e depois saímos para o jardim. Isto tudo durou cerca de 40 segundos mas havia aquela adrenalina a passar pelo corpo porque realmente é impressionante sentir tudo a tremer à tua volta. Tudo. O chão, as paredes... Há pormenores... Por exemplo, havia o ruído... Parecia que absorvia todos os outros ruídos, era uma espécie de rugido da terra." 

Patrícia Lorenzo, portuguesa a viver em Marrocos há 13 anos, aqui na praça Jama El Fnaa, em Marraquexe, Outubro de 2023.
Patrícia Lorenzo, portuguesa a viver em Marrocos há 13 anos, aqui na praça Jama El Fnaa, em Marraquexe, Outubro de 2023. © Eva Massy

 

Passado o momento do choque, veio a consciência do drama. Em Marraquexe, nas noites seguintes, os habitantes dormiram ao relento nas praças da cidade, com medo das réplicas. Para as populações das aldeias do Alta Atlas a situação foi mais complicada devido ao acesso difícil, algumas não estando ligadas a qualquer estrada em betão, atrasando a chegada dos socorros e dos primeiros carregamentos de ajuda humanitária. Para Patrícia Lorenzo, habituada a uma Marraquexe efervescente, os dias que seguiram foram algo sombrios: 

"Foi um bocado surreal saber que eu estava bem, que Marraquexe no geral estava bem, mas houve pessoas que perderam tudo. Muitas pessoas. No fim de semana a seguir havia um clima um bocado pesado na cidade. Marraquexe é uma cidade muito viva, como se está a ver agora. Há muita alegria, muito barulho. Mas a cidade parecia calma, estava tudo assim apaziguado. Era uma sensação um bocado estranha."    

 

 

Marraquexe, um mês depois do sismo de 8 de Setembro de 2023

 

Casas destruídas: para onde ir?

Al-Hassan é paraquedista no exército francês. Chegou a Marrocos inicialmente para formar militares marroquinos, mas dois dias depois o terramoto abalava o país e Al Hassan foi enviado para Marraquexe para participar nas missões que todos os dias partiam da cidade até às aldeias mais remotas, trazendo bens alimentares mas sobretudo tendas para abrigar os desalojados. 

"Fomos até uma aldeia perto de Ouarzazate, aonde os carros não têm acesso. Fomos de helicóptero, não havia outra opção. Quando chegámos ainda havia corpos nos escombros das casas destruídas. Sim. Foi muito triste. 

Há aldeias que já não existem, todas as habitações desmoronaram. Inicialmente, quando chegámos, o plano era levar os habitantes para outra aldeia, mais segura. Mas não quiseram. Não quiseram deixar a sua aldeia. Em muitos casos preferiram que lhes coinstruíssemos tendas para poderem ficar na sua aldeia."  

As autoridades marroquinas distrubuíram tendas pelas aldeias, a Protecção Civil e as forças militares, auxiliadas no terreno por várias associações, responderam de forma rápida às necessidades mais urgentes: distribuição de comida, ajuda humanitária e até, apoio psicológico. 

Um mês depois, desalojados continuam à espera de um tecto   

Chegamos à aldeia de Imesker, 70 quilómetros a sul de Marraquexe, 1 500 metros de altitude. É aqui que vive Mustafa, 43 anos. De pé, no meio dos escombros de uma das casas destruídas, Mustafa recorda as primeiras semanas depois do terramoto, em que mulheres e crianças dormiam no chão, na rua, as tendas ainda não tinham chegado até à aldeia. 

"A maioria das pessoas em Iskar ficou sem tecto, e agora vivem em tendas. Naquela casa morreu uma miúda. Ela tinha 18 anos e estava prestes a casar, agora em Outubro. A mãe da menina e o irmão ficaram feridos. O resto da família partiu para Marraquexe porque é difícil para eles ficar aqui e relembrar o acontecimento. Têem família em Marraquexe e preferiram ir para lá porque nos primeiros dias foi complicado... Tinham que dormir na rua, não havia tendas ainda nas primeiras semanas. Não era como agora."

 

Aldeia de Imesker, Alto Atlas marroquino.

Quando vão começar as reconstruções? Ninguém sabe. Ou, pelo menos, ninguém recebeu a informação, relativiza Mustafa. 

"Nos últimos três dias houve uma comissão de peritos que veio avaliar os danos. Mas quando é que poderemos reconstruir? Ainda não sabemos. Estamos à espera que o Governo diga algo. A vida continua. Estamos melhor do que na primeira semana. Mas ainda há um problema, são as escolas. As aulas não recomeçaram aqui. As crianças iam ao colégio e ao liceu em Asni, mas como está tudo destruído, têm que ir até Marraquexe. Para a escola primária, instalaram umas tendas aqui. Mas para o colégio e o liceu..... Nada." 

O Ministério marroquino da educação anunciou que cerca de 530 escolas e 55 internatos foram destruídos ou danificados, interrompendo as aulas de muitos alunos. 

Mustafa aponta ainda para a dificuldade de enviar diariamente as crianças de Imesker para a escola de substituição em Marraquexe, a 70 quilómetros de distância, numa região em que os transportes públicos são quase inexistentes: "Se tiveres família lá, é fácil. Mas sem familiares em Marraquexe, é um problema." 

Uma semana depois do sismo, o Governo anunciou um plano de ajuda de emergência, com, nomeadamente, 250 euros por mês por família cuja habitação foi totalmente ou parcialmente destruída, e isto, durante um ano.  

"Normalmente, o Governo vai nos dar 250 euros por mês. Vai ser melhor. Mas.... Ainda estamos à espera. A reconstrução vai demorar muito tempo, de três a cinco anos... Porque há muitas aldeias, e não sabemos exactamente como é que eles pretendem reconstruir." 

Salima Naji, a arquitecta que defende construções de forma tradicional 

Como reconstruir as aldeias do Alto Atlas, de forma eficaz, pouco custosa e garantindo a segurança dos habitantes? Colocámos a pergunta à arquitecta e antropóloga Salima Naji, membro da comissão de peritos mobilizada em Marrocos depois do sismo e titular de vários prémios internacionais como o Aga Khan, e condecorada como Cavaleiro das Artes e das Letras de França.

Para Salima Naji o importante é reconstruir com base nos materiais do terreno e respeitando as tradições locais

"Apercebemo-nos, com os outros membros da comissão, que todas as arquitecturas em betão armado, situadas perto do epicentro, colapsaram. Houve momentos de grande estupefacção porque havia arquitecturas em betão que tinham caído e outras, ao lado, arquitecturas vernaculares que tinham resistido.

Hoje em dia, caímos por vezes na facilidade do "solucionismo". Acho que temos a oportunidade de repensar um modo de construção que sempre existiu nessas regiões. Estamos a falar de comunidades agro-pastorais, portanto não podemos chegar com planos de reconstrução e planos de realojamento.... Não faz sentido quando vemos a diversidade das situações na montanha. 

Portanto espero que não vamos estragar uma arquitectura milenar para substituí-la por uma arquitectura de má qualidade, supostamente anti-sísmica com base em materiais inadaptados. 

É preciso pensarmos que por exemplo se utilizarmos o betão armado, é um material extremamente poluente, e estamos longe das fábricas de cimento... Seria um disparate."  

A outra proposta da arquitecta e antropóloga Salima Naji é a criação de grupos de trabalho com os próprios habitantes das aldeias, através de remunerações. 

"Em vários municípios, fiz uma lista de todos os membros da comunidade que estão em condições de participar ans obras. A reconstrução tem que ser feita com os próprios habitantes das aldeias. Em primeiro lugar para lhes dar salários e, em seguida, para aproveitar os seus conhecimentos e técnicas ancestrais. Fiz então a proposta de uma cooperativa de serviços, com base num modelo que existe nas províncias, liderado pelo governador-geral e utilizado em obras, por exemplo, depois de inundações. Chamamos a isso "Al Kuraj" ou seja, construção, atelier... e então as pessoas são pagas pelo Estado para ajudar a reconstruir uma ponte, para ajudar a emendar uma série de danos materiais, depois de uma inundação, ou para reabilitar o património." 

Depois do traumatismo, vem a resiliência das populações. As aldeias preparam-se para acolher o inverno, Marraquexe voltou à normalidade, irrequieta, agitada e festiva.

A ajuda anunciada por Rabat de cerca de 11 mil milhões de euros para as zonas montanhosas sinistradas servirá para a reconstrução das habitações e poderá beneficiar para o desenvolvimento da agricultura local.  

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