França: Projecto de lei sobre segurança visto como “liberticida”
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Ouvir - 09:04
Em nome da liberdade de informação, milhares de pessoas manifestaram-se em diferentes cidades francesas, no sábado, contra o polémico projecto de lei sobre a segurança global. O artigo mais controverso é o número 24 que proíbe a difusão de imagens da polícia se estas "comprometerem a sua integridade física e psicológica", o que na prática impede que qualquer acto de violência policial seja filmado. Na segunda-feira, foi anunciado que este artigo vai ser revisto, mas o problema é mais vasto, avisa a economista Cristina Semblano, que fala em "projecto de lei liberticida".
Para a economista Cristina Semblano, que vive na região de Paris e é dirigente do partido português Bloco de Esquerda, não há duvidas que o projecto de lei sobre a segurança global é “liberticida”.
“Eu resumo este projecto de lei da segurança global como um projecto liberticida que responde ao desejo de instaurar um Estado totalitário em França. Fala-se muito no artigo 24, é certamente o mais contestado, mas na realidade, de uma forma geral, os restantes artigos desta lei são criticados na medida em que eles estendem os poderes da polícia, nomeadamente da polícia municipal, e estendem os poderes das sociedades de segurança privada, avalizam o uso de drones e a vigilância generalizada da população. Portanto, trata-se de uma lei liberticida”, argumenta a economista.
O artigo mais controverso é o 24 que proíbe a difusão de imagens da polícia se estas "comprometerem a sua integridade física e psicológica", o que na prática impede que qualquer acto de violência policial seja filmado. Entretanto, afinal, o artigo vai ser revisto para responder ao descontentamento social.
“Dou muito pouca importância a esta nova redacção do artigo 24 porque primeiro é preciso constatar que há um problema das forças policiais em França. Quando se chegar à conclusão que isso é realmente o que acontece, qualquer redacção do artigo 24 não vai resolver o problema”, afirma Cristina Semblano, adiantando que o artigo, em si, deveria ser suprimido.
Até porque “quem vai julgar se vai haver atentado à segurança física ou psicológica dos agentes da polícia vão ser os próprios agentes da polícia” e “não é possível que se seja juiz e réu ao mesmo tempo”, conclui.
Habituada a participar em marchas e protestos, Cristina Semblano diz ter agora medo de ir manifestar. “Têm finalmente razão todos aqueles que dizem que a França na realidade o que quer é impedir as pessoas de manifestar. Efectivamente, hoje há pessoas que têm medo de manifestar. Eu própria, muitas vezes, tenho medo de ir a manifestações. Eu estava presente em todas as manifestações antigamente, hoje eu tenho medo. Tenho menores capacidades para correr, para fugir e arrisco a minha vida indo manifestar”, conta.
Vários sindicatos de jornalistas têm denunciado este projecto de lei como um ataque à liberdade de informação e expressão. Nos últimos dias, a polícia agrediu jornalistas dos ‘sites’ Brut e Médiabask, do canal France 3 e da agência AFP quando estes filmavam ou fotografavam manifestações e estavam identificados como repórteres.
Cristina Semblano adverte que este projecto de lei compromete o livre exercício do jornalismo em França e que, em última análise, “o objectivo de tudo isto é privar os cidadãos de informação”. “Se o cidadão é privado da informação vital que lhe é dada pelos jornalistas e pelo jornalismo de investigação, sem essa informação o cidadão não pode agir, não pode fazer nada. Estão a manietá-lo”, alerta.
Os protestos contra este projecto de lei aumentaram depois da difusão de imagens de um produtor de música negro, Michel Zecler, a ser espancado pela polícia dentro do seu local de trabalho, e do violento desmantelamento de um campo de migrantes em Paris também pela polícia.
A professora na Universidade Paris 3 – Panthéon Sorbonne sublinha, ainda, que a violência policial em França é reflexo de algo que vai mal em termos gerais e não obra de “ovelhas ranhosas na polícia”:
“Não se podem analisar os actos de violência policial como se fossem meros actos isolados de ovelhas ranhosas na polícia. Não se trata de ovelhas ranhosas na polícia. A polícia é uma instituição que está cada vez mais ao serviço da repressão e da perseguição daqueles que põem em causa o poder estabelecido. Quando se fala no racismo, também o racismo não é o produto de algumas ovelhas ranhosas na polícia. Se a polícia age assim é porque existe neste país - como nos Estados Unidos, como em muitos países e nomeadamente em todos os países coloniais - um racismo sistémico e um racismo social.”
Vida em França - Entrevista a Cristina Semblano
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