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França/Afeganistão

Ex-espiões afegãos aliados dos serviços secretos franceses abandonados por Paris?

Dezenas de agentes dos serviços secretos afegãos, que trabalhavam para os serviços secretos franceses no Afeganistão, dizem que foram abandonados pela França depois da chegada ao poder dos talibãs, a 15 de Agosto de 2021. A constatação é de uma investigação realizada em colaboração pela RFI-Lighthouse Reports e o Le Monde.

Bairro de Shor Bazar, Cabul, 6 de Abril de 2023.
Bairro de Shor Bazar, Cabul, 6 de Abril de 2023. AFP - WAKIL KOHSAR
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Sonia GhezaliRFI

A Divisão 915 ou Shamshad foi uma célula secreta conjunta criada pelos serviços secretos afegãos e pela DGSE (Direcção Geral de Segurança Externa – serviços secretos franceses) entre 2009 e 2020. Entre 60 a 90 agentes dos NDS (serviços secretos afegãos) teriam ali trabalhado para recolher informações capitais destinadas a ajudar a DGSE na sua missão de proteger, em primeiro lugar, os soldados e os interesses franceses e, posteriormente, combater o terrorismo e a insurgência no Afeganistão.

Após a queda de Cabul, a 15 de Agosto de 2021, alguns agentes foram retirados para França, cerca de 30 pessoas. Outros conseguiram refugiar-se na Índia, Paquistão ou Irão, onde a sua segurança não está garantida, e uma outra parte continuaria a viver no Afeganistão, escondidos com medo de serem identificados pelos talibãs.

É o caso de Ali ***. Com 40 anos, foi gestor de projectos na Divisão 915 entre 2014 e 2018. Na altura, era o elo de ligação entre as fontes no terreno e os agentes da DGSE sediados em Cabul. Ele explica: “O objectivo era reunir informações sobre os planos do inimigo. O inimigo era o Daesh, a Al-Qaeda, os talibãs e o grupo Haqqani. Os nossos colegas no terreno recolhiam informações sobre eles, que partilhávamos com os nossos colegas franceses e com os nossos colegas dos serviços secretos afegãos. Também recolhíamos informações sobre todos os cidadãos franceses que participavam em actividades terroristas internacionais no âmbito da Al-Qaeda ou de outros grupos terroristas em todo o mundo e monitorizávamos a sua possível entrada em território afegão. Reuníamos todas essas informações sobre o inimigo, sobre os seus planos de sequestros, roubos de carros ou ameaças contra a embaixada."

"As autoridades francesas devem salvar-nos desta morte lenta"

A investigação conjunta realizada pela RFI-Lighthouse Reports e pelo  Le Monde revelou que além do salário pago pelo governo afegão, Ali recebia 1.000 dólares por mês dos serviços secretos franceses. Quando os Talibãs assumiram o poder, a 15 de Agosto de 2021, Ali não teve outra escolha a não ser fugir, com a família, para fora da capital para se esconder. 

Desde então, vive com medo: "Cubro o rosto sempre que saio de casa ou quando viajo. Apenas saio de noite. Escondo-me. Os meus amigos ajudam-me financeiramente e vendemos todas as jóias em ouro que tínhamos para podermos sobreviver."  

Ali não foi evacuado pelas autoridades francesas. Hamza*** também não. O jovem de 30 anos que trabalhava na parte administrativa da Divisão 915, também, vive escondido no seu próprio país. Ele enviou-nos um vídeo do quarto onde mora, numa cave com apenas um colchão no chão. É ali que está escondido com sua família no momento em que falamos: "Quando os talibãs tomaram o poder, todos ficámos chocados, paranóicos e aterrorizados. Consegui levar minha família para casa de familiares próximos onde nos escondemos. Passamos fome. Por vezes, as nossas famílias e amigos apoiam-nos, porque não podemos trabalhar fora. Não trabalho há quase dois anos, desde que os talibãs tomaram o poder.  Às vezes, só comemos uma vez por dia."

Hamza vive com medo de ser identificado pelos talibãs e ser preso ou pior. Apelou às autoridades francesas: "A única coisa que esperamos do Governo francês é que nos ouça. Tem de nos tirar desta situação, porque realizámos missões para o Governo francês. As autoridades francesas devem salvar-nos desta morte lenta."

 “Ou saio, ou morro”

Num gesto de desespero, um dos agentes publicou uma mensagem nas redes sociais, um pedido de ajuda direccionado para autoridades francesas.

Apesar dos riscos, Haroon*** não hesitou em fazê-lo após a tomada do poder pelos Talibãs. Este antigo agente dos serviços secretos afegãos, que trabalhou para a DGSE, continua escondido com a família algures no Afeganistão. Diz não ter tido escolha: “Eu corri risco de vida com esta mensagem. Mas disse a mim próprio: ou saio ou morro. Sei que outros veriam esta mensagem dirigida a [Emmanuel] Macron [Presidente francês]. Esperava que ele respondesse. Não me preocupei com o facto dos talibãs poderem ver a mensagem, tinha completamente perdido a esperança. Pensava que poderia haver uma saída. Infelizmente, não obtive resposta”.

Alguns de seus colegas, como Zubeir***, conseguiram deixar o Afeganistão. Agente secreto afegão, tradutor para os serviços secretos franceses entre 2017 e 2019, vive na Índia há quase dois anos. Zubeir está amargurado: “Quando os Talibãs chegaram ao poder, fomos abandonados, a França não nos contactou para nos ajudar. Seis, sete meses depois, alguns dos nossos colegas foram contactados pelas autoridades francesas para uma evacuação. Desde então, alguns foram retirados pela França e outros, como eu, foram abandonados.” Zubeir fez um pedido de visto para França há mais de um ano. Nunca obteve uma resposta.

O Ministério francês das Forças Armadas nega qualquer falha em relação aos antigos agentes dos serviços secretos afegãos que trabalharam para a DGSE. Fontes diplomáticas francesas recordam que a França repatriou um total de 9.000 afegãos e afegãs após a chegada dos talibãs ao poder em 2021.

***O nome próprio foi alterado por razões de segurança.

 

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