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Voleibol

Hélder Spencer: «Vencer a liga francesa é um sonho concretizado»

O Saint-Nazaire sagrou-se Campeão de França de voleibol masculino ao derrotar na final o Tours, clube que arrecadou já nove títulos.

Hélder Spencer, voleibolista cabo-verdiano.
Hélder Spencer, voleibolista cabo-verdiano. © Cortesia Saint-Nazaire Volley-Ball Atlantique
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A final do play-off decorreu em dois jogos. No primeiro, o Saint-Nazaire venceu por três sets a um, enquanto na cidade de Tours, foi a equipa da casa a arrecadar um triunfo por três sets a dois.

Neste caso é necessário, segundo as regras da Liga Francesa de Voleibol, realizar um derradeiro set, o golden set ou set de ouro, para definir o Campeão de França.

Nesse último duelo entre as duas equipas, foi o Saint-Nazaire, que conta nas suas fileiras com o cabo-verdiano Hélder Spencer, que venceu por 15 a 12.

Primeira final do Campeonato de França e primeiro título de Campeão para o Saint-Nazaire.

Um triunfo impensável para uma equipa que terminou no sétimo lugar durante a fase regular, aliás com um saldo negativo com 12 triunfos e 14 derrotas.

No entanto, durante os play-offs, entre as oito melhores equipas, o Saint-Nazaire eliminou o Nantes Rezé nos quartos, depois o Tourcoing nas meias e finalmente derrotou o Tours na final.

Nunca um clube tinha alcançado essa proeza até agora. O Saint-Nazaire venceu o título após apenas dois anos na primeira divisão. Em 2022, o clube do Oeste da França sagrou-se Campeão de França… da segunda divisão. Na segunda temporada, na primeira divisão, o Saint-Nazaire arrecadou o troféu de Campeão da primeira divisão.

A equipa francesa conta com dois lusófonos no plantel: o português Lourenço Martins e o cabo-verdiano Hélder Spencer.

Hélder Spencer, voleibolista cabo-verdiano.
Hélder Spencer, voleibolista cabo-verdiano. © Cortesia Saint-Nazaire Volley-Ball Atlantique

Nascido em Cabo Verde, Hélder Spencer já representou vários clubes: o Leixões, o Castêlo da Maia, o Esmoriz e a Fonte do Bastardo em Portugal, sendo a primeira experiência em França com o Saint-Nazaire onde chegou durante a temporada 2021/2022, quando o clube ainda estava na segunda divisão.

Hélder Spencer, atleta cabo-verdiano de 31 anos, renovou com o Saint-Nazaire, sabendo que o clube na próxima temporada vai participar na Liga dos Campeões europeus de voleibol. Será novamente uma estreia para Hélder Spencer.

Em entrevista exclusiva à RFI, Hélder Spencer, atleta cabo-verdiano de 31 anos, estava orgulhoso por ser o primeiro cabo-verdiano a vencer a liga francesa, mas antes disso contou-nos como foi esse triunfo frente ao Tours.

RFI: Qual é o sentimento após o triunfo na liga francesa?

Hélder Spencer: Eu acho que é o sonho de qualquer jogador ser campeão da Liga francesa. E para mim é um sonho ainda maior, porque de onde eu vim, o voleibol não é assim tão famoso e tão conhecido. Então, chegar a França e ser campeão da Liga B, e chegar à Liga A, ser campeão outra vez dois anos depois, para mim isso é uma coisa muito grande. É para além daquilo que eu sonhei e claramente estou super, super feliz com isto. Sem dizer que eu sou o primeiro cabo-verdiano a ser campeão da França duas vezes seguidas. 

RFI: Estavam à espera de vencer o Tours?

Hélder Spencer: Não estávamos à espera, mas estávamos confiantes de que era possível, porque tivemos um momento super difícil ali de Janeiro até antes do play-off. Estávamos numa situação extremamente difícil. Perdemos nove ou dez ‘tie-break’, acho eu, perdendo por 3-2. Mas eu estava super ciente e consciente que podíamos fazer muito melhor porque estávamos a ser vistos como uma equipa ‘challenger’. Estávamos a ser vistos como uma equipa que poderia dar mais que não estávamos a dar mais até chegar ao play-off. Quando chegou o play-off, é claro que surgiu a dúvida, mas também acreditamos fortemente que éramos capazes de fazer a diferença e fizemos a diferença. E no final sabíamos que no último jogo contra o Tours, o jogo em casa, pusemos na cabeça que íamos dar tudo, deixar tudo no campo e resultado disto foi vitória 3 a 1. Pouca gente acreditou, mas nós dissemos a nós mesmos, no balneário, que íamos tipo manter o foco, o que acontecesse, mesmo se perdêssemos 3-0 ou 3-1, que íamos a Tours fazer a mesma coisa. 

RFI: Esta equipa do Saint-Nazaire, em situações complicadas, nunca cai, levanta-se… 

Hélder Spencer: Exactamente. Somos uma equipa que num momento difícil, sabemos dar a mão um ao outro sem desesperar, sem desacreditar, porque nós somos uma equipa jovem, mas conhecemos tipo uns aos outros muito bem. Sabemos o nosso ponto forte e o nosso ponto fraco. O nosso ponto forte é o que podemos acrescentar, e acrescentamos. O nosso ponto fraco, temos sempre lá alguém para nos dar a mão, alguém para nos levantar. Então quando estávamos a perder em Tours, nunca baixamos a cabeça porque já estávamos com uma vitória, por termos ganho em casa. Então o pior que podia acontecer era ir ao ‘golden set’, que acabou por acontecer, mas durante o momento de jogo normal, quando estávamos a perder, tipo não deixamos a cabeça, acreditamos, sempre. Mantemos a cabeça, mantemos o nosso foco e acabou acontecendo o que merecíamos. 

RFI: Era impensável uma equipa terminar no sétimo lugar da liga regular com um saldo negativo, 12 vitórias, 14 derrotas, e conseguir eliminar o Nantes, depois foi o Tourcoing e o Tours. Fizeram algo impensável que ninguém tinha conseguido até agora nessa liga francesa? 

Hélder Spencer: Vou-lhe dizer o que falámos entre nós no balneário. Eu acho que foi há dois meses. Dissemos assim: Pior de que isto não vai acontecer no play-off, foi o que nós dissemos a nós mesmos. Somos assim. Pior não vai ser. Então o que pode acontecer é melhorar, sabendo a qualidade de cada um de nós e a capacidade de lutar e de acreditar. É claro que surgiu a dúvida, mas também acreditamos fortemente que éramos capazes individualmente, como grupo e o nosso grupo, mesmo quando estávamos a perder, nunca baixámos a cabeça, nunca desacreditamos. Fomos um grupo sempre unidos na vitória e mesmo quando nós perdemos, estamos sempre de cabeça erguida. Por exemplo, se jogámos ontem, perdemos, hoje vamos no treino, e era sempre a 100%, a 200% máximo. Éramos muito desafiadores connosco mesmo. E eu acho que nessa fase final, o único a acreditar em nós mesmo, fomos nós. Foi o grupo, foi staff de Saint-Nazaire, foi direcção, foi treinador e acabámos por fazer a diferença. Se me perguntares, se algum dia acreditámos que íamos ser campeões, não! Mas sabíamos que podíamos fazer muito melhor daquilo que fizemos há um, dois meses. 

RFI: Venceram o título da segunda divisão, dois anos depois venceram o título da primeira divisão. Até onde pode ir esta equipa do Saint-Nazaire? 

Hélder Spencer: Realmente é impressionante, mas o Saint-Nazaire é uma equipa jovem. É uma equipa que há sete anos estava na terceira divisão até 2015 em que vieram para a segunda divisão. No ano em que me contrataram, era um ano que era para subir. Eu sabia da potencialidade dos jogadores que vinham e acabei entrando nesse barco. E tudo isto é a resposta disto também. Eu acho que mesmo o nosso manager não acreditou muito que íamos ser campeões dois anos seguidos. Eu acho que ninguém acreditou nisto, mas a chave de tudo isto, eu acho que foi tipo nós, os jogadores. Não só os jogadores, bem como o treinador também. Investimos muito na nossa capacidade, no nosso nível de treino e acabou acontecendo porque para mim, jogar a temporada regular é tranquilo. Qualquer um joga, qualquer um sabe que sabe jogar. Agora ter a capacidade, a pressão, suportar quartos-de-final, meias e final, e ir à final e ganhar, para mim isso é outra coisa. Tem que ter sangue vitorioso, tem que ter a força. É muita coisa e basicamente é isso. 

 

Saint-Nazaire Volley-Ball Atlantique, Campeão de França 2024.
Saint-Nazaire Volley-Ball Atlantique, Campeão de França 2024. © Cortesia Saint-Nazaire Volley-Ball Atlantique

 

RFI: Para o ano haverá a Liga dos Campeões. A Liga dos Campeões no voleibol é a maior prova de clubes que todos os jogadores querem uma vez na carreira jogar? 

Hélder Spencer: Para mim isso é mais do que um sonho. Eu não pensei em jogar a Liga dos Campeões para o ano. Não estava nos meus planos. Eu sempre quis ganhar o Campeonato Francês, mas não estava a contar em jogar a Liga dos Campeões. E para mim, para o ano vai ser a primeira vez. É uma coisa que ultrapassa o meu sonho. Quer dizer, no fundo sempre acreditei, sempre quis jogar. Sempre digo a mim mesmo, tenho a capacidade, tem a potencialidade de jogar a Champions e eu gostaria de jogar um dia. E esse dia chegou. Então para o ano provavelmente vamos jogar a Champions. Isso é uma coisa muito grande, é uma felicidade que não tem explicação. 

RFI: E novamente, porque não surpreender e vencer a Liga dos Campeões? 

Hélder Spencer: Nunca se sabe, nunca se sabe. Eu acredito sempre. Tenho sangue crioulo. Como os cabo-verdianos gostam de dizer: Quem tem sangue crioulo vai sempre à guerra, está sempre ali para ganhar tudo. É como tudo na vida. Qualquer coisa que fazemos, vamos com tudo e a Liga dos Campeões também não vai ser diferente. Se vamos participar é para ganhar, não é só para participar e dizer jogámos a Liga dos Campeões, porque para mim isso é mais uma desculpa. Para mim, em qualquer competição que jogamos, temos a obrigação de ganhar, mesmo se jogarmos contra uma equipa italiana que tem um orçamento de biliões, isso não importa. O que importa é jogar no campo. Tem que jogar para ganhar. Por exemplo, o Tours tem um orçamento muito maior do que o do Saint-Nazaire, mas o que conta é jogar, é o jogo. O desporto é assim. Acredito que para o ano mesmo o staff de Saint-Nazaire vai para ganhar, acredito eu, pelo menos eu vou para ganhar. E quem está comigo, quem está no mesmo barco comigo, tem que ser para ganhar. Não é para ir só representar o Saint-Nazaire na Liga dos Campeões. 

RFI: Ser o primeiro cabo-verdiano a vencer esta Liga francesa, representa alguma coisa de especial para si? 

Hélder Spencer: Para mim representa sim. Fico feliz. Fico feliz por ser o primeiro cabo-verdiano a ganhar o campeonato francês, mas acredito que vai haver mais. Eu não sei explicar, é uma felicidade muito grande, mas não acredito que eu vou ser o único a ganhar o campeonato francês. Embora o voleibol hoje em dia em Cabo Verde está um bocado difícil a situação, sinto-me um bocado grande a nível do voleibol, confesso. É normal também, mas ponho a minha humildade sempre lá em baixo em relação a isso, porque de onde eu vim o voleibol não era assim tão famoso e hoje em Cabo Verde me consideram tipo Rei de vólei. Estou muito feliz, estou muito grato também a todos que me acompanham nesse mundo, mas meto a minha humildade sempre lá em baixo. Vou continuar a dar o meu melhor para ver se eu vou conseguir ser o primeiro cabo-verdiano a ganhar a Champions também.

RFI: Sente que pode ser uma figura para os jovens cabo-verdianos? 

Hélder Spencer: Eu acredito que, de agora em diante, vão surgir mais fãs. Quem deixou de acreditar no voleibol, eu acho que vai começar a acreditar outra vez. Eu acho que vão começar a fazer a diferença no vólei, no mundo do vólei, principalmente em Cabo Verde. E há muitos jovens hoje em dia em Cabo Verde que me olham como referência mundial em relação ao voleibol. Nunca sequer imaginei que um dia alguém ia dizer que o ‘Spencer’ é o meu ídolo, o ‘Spencer’ é um dos melhores hoje em dia do mundo, é campeão de França, então vou seguir no vólei também como ele. Nunca fui por esse caminho, mas sempre soube que, por onde eu passasse, eu tinha praticamente a obrigação de deixar a minha marca para quem quiser me seguir, principalmente o pessoal de Cabo Verde, onde passa tem caminho aberto. Fico feliz nesse ponto por abrir um bocadinho o caminho aos cabo-verdianos também. Espero que futuramente surjam mais cabo-verdianos a vir para a Europa a nível de voleibol, porque é um dos meus sonhos e um dos meus projectos também. Realmente fico muito feliz, muito, muito feliz mesmo com tudo isto. 

RFI: Acabou por renovar por mais uma temporada com o Saint-Nazaire. Também pode se dizer que se sente bem em Saint-Nazaire e neste Campeonato Francês? 

Hélder Spencer: Acabei por assinar. Vou ficar mais um ano. Para além de ter Champions, sinto que Saint-Nazaire também é a minha casa. Sinto-me como um dos pilares do Saint-Nazaire, como o Lourenço Martins, somos os dois mais velhos no clube. Somos os dois que ainda não partiram deste clube. O clube também me recebeu de coração aberto, me ajudou em tudo o que é preciso. Estou super feliz, super super feliz, mesmo em Saint-Nazaire. Tenho um sonho ainda maior agora que estamos na Champions. É mais um sonho a acrescentar. Quero ganhar a Taça de França e ganhar a Champions League. Agora também vamos dar o nosso máximo para lá chegar. E sim, sinto-me bem em Saint-Nazaire. Sinto-me em minha casa. Já estou aqui há três anos, para o ano vai ser o meu quarto ano. Mas também tenho o sonho de ir para a Itália, algum dia, e eu poderia ir já este ano. Mas também, como dizem, quando tens família, tens que estar bem onde te sentes bem. Não é só pelo dinheiro, nem é só pela estrutura do clube, é também o bem pessoal. Para mim isso é o mais importante. 

RFI: A aposta foi certa? Saiu da primeira divisão portuguesa para a segunda divisão francesa, mas três anos depois, é bi-campeão de França, da segunda e da primeira divisão… 

Hélder Spencer: Fui melhor central no ano passado. Eu acho que a escolha foi certa. Foi bem jogado, porque jogar em França era o meu sonho. Eu acho que é o sonho de qualquer jogador jogar em França. Eu amo muito a Liga Portuguesa, mas sabemos que a Liga Portuguesa hoje em dia está a ser um bocado profissional, mas sabemos que não é uma liga profissional. Aqui em França é uma liga profissional, é uma liga onde todos os melhores jogadores do mundo passam. É uma liga que abre a porta, que dá visibilidade em toda a parte do mundo praticamente. E foi um bocado difícil sair de Portugal naquela altura, porque para além de ser canhoto, esquerdino, central, ainda por cima, é muito mais difícil contratarem ao alto nível. Então como o meu agente conhece muito bem a direcção do Saint-Nazaire, acabou por me meter aqui, para jogar aqui. Quando eu cheguei fui o melhor jogador da Liga B, fomos campeões e no ano seguinte foi o melhor jogador da Liga A. Este ano, eu poderia ser novamente. Eu fui nomeado, só não venci porque eu estive dois meses parado com problema de tendão no quadríceps. Tive uma inflamação muito grande. Tive que parar porque era super perigoso se eu continuasse, então tive que parar aí um, dois meses, numa altura decisiva. Nem cheguei a jogar o segundo jogo contra a equipa de Varsóvia, da Polónia, na Challenge Cup, fora e em casa não cheguei a jogar. Custou muito à equipa por essa lesão também, não só para mim, também pela equipa, mas acabei por recuperar no momento play-off e acabamos por ser campeões.

 

12:58

Hélder Spencer, voleibolista cabo-verdiano do Saint-Nazaire 06-05-2024

 

Hélder Spencer, voleibolista cabo-verdiano.
Hélder Spencer, voleibolista cabo-verdiano. © Cortesia Saint-Nazaire Volley-Ball Atlantique

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