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Depois de atravessar desertos na África, países em guerra no Oriente Médio, o mar Mediterrâneo e colocar os pés na tão sonhada União Europeia, os migrantes que desejam se instalar na Inglaterra encontram outro desafio pela frente: atravessar o canal da Mancha escondidos em caminhões, carros ou balsas.

Migrantes sudaneses protestam contra violência no Darfur, em Calais.
Migrantes sudaneses protestam contra violência no Darfur, em Calais. A. Moyses
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Adriana Moysés, enviada especial a Calais

A distância entre a França e a Grã-Bretanha é pequena: 50,5 km pelo Eurotúnel; 1h30 de balsa. Mas esses poucos minutos são um novo pesadelo. Os "coiotes", como são chamados os agentes ilegais que ajudam os migrantes a atravessar a fronteira, cobram atualmente de €500 (R$ 1.500) a €2.500 (R$ 7.800) pela travessia.

Muitos migrantes não têm dinheiro para pagar e ficam bloqueados em Calais, segundo o aposentado Christian Salomé, fundador de uma ONG que dá apoio aos clandestinos. Ele relatou a seguinte situação à reportagem da RFI:

"A maioria dos migrantes que vêm da Eritreia ou da Etiópia não têm dinheiro para pagar os 'coiotes'. Os que têm dinheiro pagam na hora. Funciona mais ou menos como uma máfia, mas até isso é muito complexo. O preço para atravessar de Calais para Dover, na Inglaterra, varia conforme a circunstância. Se o migrante quer levar crianças, ele paga mais caro. Geralmente, o pagamento é feito para alguém que já está na Inglaterra. O depósito é enviado a uma conta bancária britânica. Tudo é gerenciado de lá."

De acordo com Salomé, em Calais, ficam apenas alguns ajudantes que vão indicar o caminhão, abrir e fechar as portas do veículo para os migrantes embarcarem. Uma segunda opção que os "coiotes" utilizam são os porta-malas dos carros de pessoas comuns. Nesse caso, o custo da travessia sai em média €1.000 (R$ 3.100).

Uma terceira forma é atravessar uma parte do canal da Mancha a nado, na altura do porto, mesmo em pleno inverno. O migrante se agarra na estrutura da balsa e tenta chegar até a Inglaterra, mas é uma situação de alto risco. O canal da Mancha é uma das rotas marítimas mais movimentadas do mundo e registra fortes correntezas.

"Hoje, as redes de tráfico de imigrantes são muito organizadas, com estrutura instalada na Inglaterra e pequenos ajudantes em Calais", diz Salomé.

Governo dificulta asilo

Os que desistem de migrar para a Grã-Bretanha tentam outra alternativa: pedir asilo como refugiado de guerra ou político ao governo francês. Mas começam aí outros problemas. A maioria não tem documentos e precisa, antes de tudo, produzir uma certidão de identidade provisória com as impressões digitais.

"Os candidatos ao asilo esperam seis meses para conseguir um horário na polícia e registrar suas impressões digitais. Nesse meio tempo, eles ficam sem proteção, moram na rua como qualquer outro migrante e são obrigados a ficar em Calais, porque, se mudam de cidade, têm de começar todo o processo de novo", relata o enfermeiro Léo, de 27 anos, ativista pelos direitos dos imigrantes. Passada essa etapa, quando eles já estão com as impressões digitais registradas, a lei prevê que o Estado deve proteger essas pessoas: dar um teto e um mínimo de dinheiro para elas viverem. Mas isso não é respeitado. "Na França, um candidato ao asilo político espera mais de um ano para encontrar uma vaga em um albergue do Estado", conta Léo.

O jovem ativista francês nota, atualmente, uma pequena mudança. "Como o governo demonstra vontade política de esvaziar as ruas de Calais dos migrantes, eles têm recebido mais propostas. Mas a gente sabe que daqui a um mês, essa situação vai voltar a se repetir", afirma. 

O problema da política migratória é conhecido na França. As autoridades sabem com antecedência que as pessoas vão chegar no território, mas nada é feito, segundo Léo. Ele cita a diferença em relação à Alemanha:

"Nesse momento, em outros países como a Alemanha, por exemplo, as autoridades se anteciparam à crise na Síria. Sabendo que os refugiados vão chegar, o governo alemão está construindo oito albergues para exilados em Berlim. Esse tipo de coisa não acontece na França. Não constroem novos albergues."

Travessia intensa às quartas-feiras

Quarta-feira é o dia da semana de maior tráfego de caminhões no Eurotúnel - é o melhor dia para os migrantes tentarem a travessia.

Na quarta-feira passada, a reportagem da RFI viu dezenas de pequenos grupos de migrantes, de três, quatro, cinco pessoas, nas estradas da região. Eles tentam entrar nos caminhões de todas as formas: pulam de viadutos, correm para abrir a porta traseira quando o caminhoneiro reduz a velocidade para passar num quebra-molas, em áreas de estacionamento ou postos de gasolina.

As agressões contra caminhoneiros têm aumentado, mas não existem estatísticas. Recentemente, um motorista espanhol levou uma facada na mão de um migrante e foi hospitalizado. O assunto virou manchete na imprensa local. Os protestos contra a falta de segurança são cada vez mais frequentes.

Motorista diz não ter medo

Nem todos os caminhoneiros ficam assustados. É o caso de Milen, também empregado em uma transportadora espanhola. Ele passa pelo Eurotúnel de uma a duas vezes por mês e contou à reportagem que nunca teve problemas.

"Tenho ouvido colegas que entraram na Inglaterra com migrantes e aí complica. Pelo visto, se o caminhoneiro é descoberto do outro lado da fronteira transportando clandestinos, os ingleses aplicam multas de até £ 2 mil por pessoa (R$ 7.900)", afirma. "Eu procuro parar em uma área de estacionamento antes de entrar no túnel, vistorio o caminhão e passo pela fiscalização obrigatória, ainda na França, para me sentir mais seguro." 

Em Calais, os migrantes atravessam as estradas correndo para pegar o caminhão em movimento, o que já rendeu histórias trágicas de mortes por atropelamento. Na semana passada, dois migrantes morreram quando um caminhão estacionado pegou fogo acidentalmente e eles não tiveram tempo de escapar. Foram carbonizados. No último mês, pelo menos cinco migrantes perderam a vida em Calais.

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