"Um visionário”, o "arquitecto inesgotável da nossa Europa". Reacções à morte de Jacques Delors
Em declarações à RFI, Ana Gomes destacou a visão de Delors de uma Europa que apostava na justiça e no progresso social e que fazia a diferença na regulação e na paz do mundo. Para a antiga eurodeputada, "faz muita falta a ideologia de Jacques Delors".
Publicado a:
Jacques Delors, um dos “pais” da União Europeia (UE) e da criação do euro, morreu nesta quarta-feira aos 98 anos.
"Morreu nesta manhã, na sua residência em Paris, enquanto dormia", informou à AFP Martine Aubry, filha de Delors.
Delors nasceu na capital francesa, no dia 20 de Julho de 1925. Casou com Marie Lephaille em 1948, com quem teve dois filhos: Martine Aubry, a actual prefeita de Lille e Jean-Paul, que morreu de leucemia em 1982.
Foi ministro da Economia entre 1981 e 1984, e frustrou as esperanças da esquerda francesa ao recusar concorrer às eleições presidenciais em 1995, apesar de ser o favorito nas pesquisas.
Mais tarde, foi nomeado presidente da Comissão Europeia. Ocupou o cargo entre 1985 a 1995, durante um período que ficou marcado pela queda do Muro de Berlim (1989) - que pôs fim à divisão existente na Europa após a Segunda Guerra Mundial.
Delors teve um papel central na concepção da Europa actual com a criação do mercado único, a assinatura dos acordos de Schengen (de livre circulação de pessoas), o lançamento do programa de intercâmbio de estudantes Erasmus e da reforma da Política Agrícola Comum. Sob o seu mandato foi lançada a União Económica e Monetária, que levou à criação do euro, a moeda única utilizada por 20 dos 27 membros actuais da UE.
Até aosúltimos dias, Delors defendeu o fortalecimento do federalismo europeu e pediu mais "ousadia" como resposta à saída do Reino Unido da UE e aos ataques de "populistas de todo tipo".
"O grau com que personificou a Europa ficou evidente na forma como a imprensa mundial se referia a ele: 'Senhor Europa', 'Czar da Europa'….", escreveu a biógrafa Helen Drake em "Jacques Delors - Perspectives on a European Leader".
Líderes mundiais reagem à morte de Delors
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, descreveu Delors como "um visionário que tornou a nossa Europa mais forte" e cuja "obra moldou gerações inteiras de europeus".
O Presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, elogiou “um grande francês e um grande europeu, que entrou para a história como um dos construtores da nossa Europa".
Christine Lagarde, Presidente do Banco Central Europeu, destacou o papel de Delors no mercado único europeu e disse que a Europa "perdeu um verdadeiro estadista".
O socialista Pedro Sánchez, chefe de governo de Espanha, o país que assume a presidência semestral do Conselho da União Europeia, publicou no X: "Sem ele, a Europa não seria o que é hoje. Seguiremos o seu legado, para consolidar mais avanços e progressos na União."
O político foi o "arquitecto inesgotável da nossa Europa", afirmou o presidente francês, Emmanuel Macron, nas redes sociais.
O Chanceler alemão, Olaf Scholz, saudou Delors como um "visionário" e um "arquitecto da UE tal como a conhecemos".
O primeiro-ministro português António Costa espera que o legado de Delors inspire os líderes europeus a reforçar a UE."Num momento em que a União Europeia enfrenta, uma vez mais, desafios sem precedentes, a herança de Delors deve estimular um compromisso renovado", escreveu no X.
O Secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, descreveu Delors como um "estadista visionário"."Delors transformou a Europa através de um serviço incansável à ideia de uma Europa completa e livre", afirmou.
Ana Gomes: “A ideologia de Jacques Delors faz falta à Europa “
Em declarações à RFI, Ana Gomes destacou a visão de Delors de uma Europa que apostava na justiça e no progresso social e que faz a diferença na regulação e na paz do mundo. A antiga eurodeputada espera que o desaparecimento de Delors faça os líderes e os europeus reflectir, no contexto das próximas eleições europeias, no sentido de reforçarem os valores essenciais de construção do projecto europeu como um projecto de paz e de progresso social.
“Ele nunca perdeu a forte marca social. Não era possível olhar para a economia e o crescimento sem ter em conta o progresso social. Ele, no fundo, sempre defendeu teses que eram o contrário das teses neoliberais que vieram a prevalecer na Europa por perversão e que hoje a dominam e levam a que muitos cidadãos estejam descrentes em relação ao projecto europeu.Essa nunca foi a visão de Jacques Delors e, sem dúvida, aquilo que temos de positivo, que liga os cidadãos à Europa e faz dela um projecto de democracia e de paz tem tudo a ver com o grande arquitecto que ele foi”.
“A perspectiva do colectivo e do progresso social foram determinantes na visão de Jacques Delors. E é isso que tem estado a ser posta em causa pelas teses neoliberais que negligenciam os aspectos dos valores da democracia e humanistas que vemos por exemplo nas políticas e nas incapacidades ao nível da regulação da imigração e na atitude em relação aos refugiados".
“O período de Jacques Delors à frente da União Europeia ficou marcado por essa visão social-democrata e socialista da Europa que nunca perde de vista a justiça social a par do desenvolvimento económico. Eu tive o privilégio de o encontrar algumas vezes no quadro de iniciativas do partido socialista europeu. Sempre achei extraordinária a grande abertura que ele tinha para ouvir novos atores políticos, jovens e diferentes perspectivas. Faz muita falta a ideologia de Jacques Delors".
Ouça aqui as declarações de Ana Gomes:
Ana Gomes, 28/12/2023
NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.
Me registro