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Artes

“Para que os ventos se levantem: uma Oresteia" chega ao Porto na próxima semana

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Chega na próxima semana ao Teatro Nacional de São João no Porto, Portugal, a peça “Pour que les vents se lèvent”, “Para que os ventos se levantem: uma Oresteia”. Um texto escrito a partir da Oresteia de Ésquilo, aqui adaptado, actualizado e “desviado” pelo dramaturgo franco iraniano Gurshad Shaheman e com a encenação de Catherine Marnas e Nuno Cardoso.

Elenco da peça “Pour que les vents se lèvent”, “Para que os ventos se levantem: uma Oresteia”.
Elenco da peça “Pour que les vents se lèvent”, “Para que os ventos se levantem: uma Oresteia”. © Frédéric Desmesure
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Chega na próxima semana ao Teatro Nacional de São João no Porto, Portugal, a peça “Pour que les vents se lèvent”, “Para que os ventos se levantem: uma Oresteia”. Um texto escrito a partir da Oresteia de Ésquilo, aqui adaptado, actualizado e “desviado” pelo dramaturgo franco iraniano Gurshad Shaheman e com a encenação de Catherine Marnas e Nuno Cardoso.

Em palco, um elenco de 12 jovens actores e actrizes franceses e portugueses.

Tomé Quirino é Agamémnon.

Agamémnon é um personagem que na peça original acaba por morrer muito cedo. É o responsável por levar os gregos para Tróia, para combater, após o rapto de Helena, sacrifica a filha Ifigénia, portanto é visto como o grande responsável pelo começo da trama, digamos assim, tanto que na peça original, a primeira parte chama-se Agamémnon.

É visto como um genocida.

Mas esta não é a peça original?

Esta não é a peça original e aqui acaba por ganhar mais destaque este personagem, mais destaque no sentido em que assim que regressa não morre imediatamente. Portanto, esta leitura do Gurshad permite que talvez se conheça um bocadinho mais da dimensão deste personagem. Embora tenha sido e continue a ser um grande desafio para mim fazer este personagem.

Para poder descolar-se do original, é isso?

Não, não por isso. Por ser um personagem que congrega muitas características daquilo que é muito comum ou, digamos assim, muito estereotipado destes personagens muito agressivos. 

Para mim esse foi o meu maior desafio: encontrar alguma doçura, que na verdade não é uma doçura é uma espécie de manipulação. Portanto, enquanto actor essa foi a maior dificuldade que eu encontrei, em sair do registo da agressividade e do registo do personagem mau em si para lhe dar outras nuances.

Chega aqui [Teatro Nacional de Bordéus Aquitânia], trabalha com actores franceses. A língua é diferente, não os conhece, nunca esteve com eles em palco… há aqui um trabalho a ser feito também.

Embora eu compreenda bem o francês, surpreendentemente senti uma grande barreira a nível da comunicação, tanto com a encenadora como, às vezes, na forma de me aproximar aos meus colegas e até durante o trabalho. A mim, criou-me uma grande dificuldade de comunicação, de muitas vezes conseguir chegar às pessoas. No meu caso, muitas vezes, isso levou a alguma frustração.

O teatro é feito de comunicação e eu senti muitas vezes essa grande barreira. Não na compreensão do texto, porque o texto foi originalmente escrito em francês, foi traduzido para português e nós percebemos o que os nossos colegas em francês dizem, naturalmente, portanto esse domínio do texto acaba por existir. Mas eu senti que esse foi, provavelmente, o meu maior desafio, a questão da língua. De repente, estamos num grupo de 12 actores, mais uma encenadora, mais todas as equipas dos dois teatros e eu senti isso como uma grande barreira.

Elenco da peça “Pour que les vent se lèvent”, “Para que os ventos se levantem: uma Oresteia”.
Elenco da peça “Pour que les vent se lèvent”, “Para que os ventos se levantem: uma Oresteia”. © Frédéric Desmesure

Teresa Coutinho é uma das Clitemnestra da peça, a actriz que ao longo de mais de três horas se desdobra em múltiplas personagens.

Na segunda parte realmente faço Clitemnestra. O que é que isto quer dizer? Quer dizer que a Bénédicte Simon leva à trama da Clitemnestra até ao momento em que mata o Agamémnon e eu pego na trama aí e faço o encontro com o filho, com o Orestes que, entretanto, foi convencido pela sua irmã Electra, também filha da Clitemnestra, a matar a mãe e a vingar o pai.

Portanto, eu faço esse encontro com Orestes e o discurso político, porque ela entretanto tornou-se numa chefe de Estado e esse discurso político é bastante interessante.

Ela é uma mulher de esquerda, que defende valores democráticos e que tem uma ideia para o país que alguns poderão até achar um bocadinho idealista, mas não deixa de ser um discurso muito diferente daquilo que o Orestes faz no final.

Tem esse discurso e depois é surpreendida em casa pelo filho e é morta por ele. Isto é uma tragédia. Portanto estas mortes todas e estes momentos muito violentos fazem parte.

Como é que olha para este texto que de antigo tem muito pouco e que acaba por coincidir com a nossa realidade actual?

Eu gosto muito do texto do Gurshad. É óbvio que o tem um intuito político, com este texto há coisas sobre as quais ele quer falar e estão lá bastante explícitas e pode haver quem ache, se calhar, que estão demasiado explícitas, eu não acho.

Primeiro, é muito interessante pegar nas narrativas que no fundo povoam o nosso imaginário colectivo e tentar torná-las, enraizá-las nos nossos. Depois acho que o Gurshad não só faz isso, como povoa o texto de referências que nos estão muito próximas. Isto que ele faz, por exemplo, com os discursos políticos da peça é muitíssimo interessante, porque são discursos que nós já ouvimos. O discurso de Orestes, no final, é um discurso que podemos associar a pessoas que estão a querer ascender ao poder e que é assustador.

O que eu gostaria que o público conseguisse levar é como é que as pessoas que pensam de uma determinada maneira se constroem. Como é que este Orestes que chega ao fim desta peça de três horas e meia a defender coisas, na minha opinião, muito violentas e abjectas, se constrói?

Ele no início é uma criança. Uma criança que aparentemente amará os pais e que terá uma série de sonhos. Não é um monstro. Há um momento em que ele diz “eu não quero ser um monstro como os meus pais”. No fim ouvimos um discurso de um monstro, para pôr as coisas de uma forma um bocado básica.

Não sei se há monstros, mas o que quero dizer é esta peça permite-nos acompanhar o percurso de alguém que se vai estilhaçando ao ponto de se tornar naquilo que mais temia. 

Portanto, eu acho que há aqui um lado na peça que é muito interessante que é o Gurshad ter conseguido manter a dualidade das personagens, mas ao mesmo tempo tornar muito explícito de lado é que elas estão. 

Ou seja, não deixamos de ter pessoas que estão do lado de uma série de valores e outras que estão contra eles, mas também não podemos falar de monstros porque ao mesmo tempo conseguimos vê-los crescer e isso cria uma empatia. Mesmo que no fim fiquemos horrorizados e pensemos “meu Deus este homem está a fazer este discurso horrendo. Tem que ser calado.”

A peça “Pour que les vents se lèvent”, “Para que os ventos se levantem: uma Oresteia” estreou a 4 de Outubro no Teatro Nacional de Bordéus Aquitânia, e chega na próxima semana, a 20 de Outubro, ao Teatro Nacional de São João, no Porto, Portugal, onde ficará até 6 de Novembro.

 "Pour que les vents se lèvent”, “Para que os ventos se levantem: uma Oresteia” integra a programação da Temporada Cruzada Portugal-França.

 

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