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Artes

BD em francês conta “Revolução dos Cravos” às crianças

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A banda desenhada “La Révolution des Oeillets - 25 Avril 1974 - Le Jour de la Liberté” [“A Revolução dos Cravos - 25 de Abril de 1974 – O Dia da Liberdade”] conta a história da ditadura portuguesa e do golpe militar que a derrubou a 25 de Abril de 1974. A obra, da autoria de Sandra Canivet da Costa e com ilustrações de Jay Ruivo, está escrita em francês, é destinada a leitores a partir dos seis anos e sai a 24 de Abril em França e na Suíça.

Sandra Canivet da Costa, Autora da BD “La Révolution des Oeillets - 25 Avril 1974 - Le Jour de la Liberté”. RFI, 10 de Abril de 2024.
Sandra Canivet da Costa, Autora da BD “La Révolution des Oeillets - 25 Avril 1974 - Le Jour de la Liberté”. RFI, 10 de Abril de 2024. © Carina Branco/RFI
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RFI: O que conta esta banda desenhada?

Sandra Canivet da Costa, Autora da BD “La Révolution des Oeillets - 25 Avril 1974 - Le Jour de la Liberté”: "Quis fazer uma amostra às crianças do que era o salazarismo, a ditadura porque para as crianças que nasceram num país livre como a França ou a Suíça é difícil imaginar o que era. No início, a Matilde, nascida em França, está sempre a fazer comparação entre França e Portugal porque ela foi educada em França. Ela pergunta se o 25 de Abril é como a tomada da Bastilha. Então o avô vai explicar que não havia Bastilha como em França, mas efectivamente houve presos políticos que foram libertos.

O avô vai explicar que no salazarismo não se podia ler o que queríamos. Não se podia dizer o que queríamos. Até o Ruben reage quando o avô diz que as mulheres não podiam viajar sem autorização do marido e o Ruben, que nasceu no Luxemburgo, diz que a mãe não teria gostado. Então, é mostrar as realidades do dia-a-dia do salazarismo e depois contar o que aconteceu, como é que os capitães se organizaram.

É uma banda desenhada que também dá os factos, hora por hora, desse famoso dia, como esses capitães eram jovens e mostrar às crianças como é que em 24 horas a ditadura acabou. É assim uma viagem para as crianças."

Fez uma banda desenhada destinada a crianças, que também é contada por crianças. Em quem se inspirou para fazer a Matilde e o Ruben? E porque é que decidiu contar esta história com duas crianças que viajam no tempo com o avô para perceber como é que era Portugal há mais de 50 anos?

"O Ruben e a Matilde nasceram em 2020 e são os heróis do meu primeiro livro, “A Extraordinária História de Portugal”. A Matilde foi desenhada com uma fotografia da minha prima, mas sou eu porque eu fui uma criança da terceira geração aqui em França, e fui uma criança curiosa da história, mas que não tinha muitos livros em português. É por isso que as analogias que sempre faz a Matilde entre a França e Portugal sou eu porque eu sempre fiz assim.

O Ruben, que nasceu no Luxemburgo e que é o herói também da “Extraordinária História de Portugal”, foi desenhado com fotografias do meu filho. Mas ele, como não nasceu em França, era para sair desta análise, sempre francesa, porque há portugueses também no Luxemburgo, na Suíça, na Alemanha... E às vezes tenho de pensar o que é que pensaria uma criança nesses países não influenciada pela educação francesa. Então nasceram assim as duas crianças."

Foi também uma tentativa de preencher, de certa forma, um vazio na edição juvenil francófona? Fala-se sobre a história de Portugal na literatura juvenil francófona?

"Pouco. É justamente isso. Quando escrevi o meu primeiro livro, “A Extraordinária História de Portugal”, foi devido a uma vontade de explicar a história às crianças em francês e procurei livros na internet. Fui ver até em Portugal se havia qualquer livro traduzido em francês e não encontrei. É por isso que agora estou a pensar com a editora Cadamoste Éditions, a minha editora…"

Cadamoste Éditions é a editora que a Sandra fundou.

"Sim, que fundei para o primeiro livro e quero mesmo especializar a Cadamoste Éditions em livros para crianças. Este, por exemplo, “A Revolução dos Cravos”, vai ser o primeiro de uma colecção que se vai chamar “L'Histoire du Portugal avec Matilde et Ruben” [“A História de Portugal com Matilde e Ruben”]. Este é o primeiro número, vai haver dois ou três por ano e também vamos publicar livros para ensinar as crianças a falar português. Então vamos começar com os pequenotes, a aprenderem palavras simples, mas depois desenvolver para crianças mais velhas."

A Sandra escreveu o argumento que começa com as perguntas dos netos, a Matilde e o Ruben. E é a pergunta do Ruben que leva o avô a contar a história. A pergunta é: “O povo português apenas é livre há 50 anos?" Porquê partir daqui, neste ano em que se comemoram justamente os 50 anos do 25 de Abril?

"Ele é uma criança e 50 anos para uma criança de seis anos é o tempo dos dinossauros! Mas quando se pensa que são crianças que aprenderam a Segunda Guerra Mundial, a Primeira Guerra Mundial, é verdade que 50 anos afinal é muito pouco em comparação com outros eventos. Então vemos o Ruben a fazer cálculos numa tabela porque para ele a Europa é livre depois da Segunda Guerra Mundial. Ele é do Luxemburgo, a Matilde é de França, então porquê só 50 anos? E é por isso que era importante também para as crianças entenderem que todas as pessoas que têm mais de 40 anos ou mais de 30 anos foram educados por pessoas que viveram no salazarismo.

Eu mesma, tendo nascido em França, nunca me tinha apercebido da influência da ditadura nas pessoas. Quando vivi em Lisboa, com 22 anos, quando os jovens da minha idade me diziam que “eu não tinha isso quando era pequena, eu não tinha isso”… Eles não tinham nascido no salazarismo, mas os pais tinham hábitos da ditadura e foram educados como se houvesse sempre uma ditadura. Acho interessante as crianças perceberem que os avós nasceram numa ditadura."

Em poucas páginas aborda a polícia política, os bufos, a censura, a Mocidade Portuguesa, o partido único, a pobreza, o trabalho infantil, a inferiorização das mulheres, as guerras de libertação, os massacres da Baixa de Cassange em Angola, de Wiriyamu em Moçambique, a emigração massiva para França. Como é que se torna compreensível e digesta esta história para crianças e adolescentes francófonos?

"Justamente. Eu tive um trabalho de argumentista de banda desenhada: é tentar não perder a criança, não ser chata ao escrever, e os desenhos do Jay Ruivo são essenciais, mas também falar do mais possível em poucas páginas porque se a banda desenhada é grande demais, a criança de seis anos é como um adulto que vê um romance de 400 páginas e vai hesitar em começar a ler. Uma criança é igual."

Também conta as reuniões secretas do Movimento dos Capitães, o golpe militar de 25 de Abril de 1974, lembrando que uma das senhas, a Grândola Vila Morena de José Afonso foi mesmo gravada em França. Faz uma cronologia do 25 de Abril em poucas páginas. Como é que foi seleccionar estes momentos-chave? Contou com a ajuda de um historiador, o Yves Léonard. Ele ajudou-a também a seleccionar?

"O Yves Léonard vai ser um co-autor para o segundo número. Para este, não aconteceu assim. Fui eu que fiz o argumento sozinha. Eu documentei-me porque em casa tenho uma grande biblioteca só com livros sobre Portugal e tentei tirar uma cronologia interessante para as crianças em livros portugueses e em livros em francês. Depois, o Yves Léonard leu-me e é, por isso, que eu lhe agradeço no início da banda desenhada porque ele leu e verificou porque o objectivo era não haver erros históricos na banda desenhada. E assim simpatizámos e agora vamos colaborar."

Vai colaborar com o historiador Yves Léonard no segundo tomo da colecção. Vai ser sobre o quê?

"Napoleão. Vai ser sobre a derrota de Napoleão em Portugal."

Ainda relativamente a esta primeira banda desenhada, “A Revolução dos Cravos”, como é que os desenhos de Jay Ruivo tornam apelativa esta história?

"Isso foi a minha sorte de arranjar um profissional porque o Jay Ruivo é um desenhador profissional que desenhou para jornais portugueses conhecidos, que tinha um pouco esquecido os desenhos e passado a outras actividades. Contactei muitos desenhadores em Portugal porque para mim era muito importante o desenhador ser educado em Portugal."

Porquê? Por estar mais familiarizado com determinadas imagens?

"Exactamente."

Recorreram a arquivos, a fotografias de época?

"Exactamente. Eu já tinha muito material no meu computador que forneci ao Jay Ruivo. Quando faço um argumento de banda desenhada, vou explicar exactamente o que uma personagem diz e depois vou descrever o desenho. “Quero um desenho assim; O Ruben tem de estar aqui; o papi-vovô tem de estar aqui”. Depois é o artista que compõe e que vai tomar liberdades."

Esta história é escrita para as crianças, mas os pais e os avós também podem ler com os meninos. Isto também vai permitir, de certa forma, para quem vive na emigração, falar de um assunto que se calhar não falavam assim tanto em casa, nomeadamente a história do salto, ou seja, da emigração clandestina para França?

"Foi o objectivo, foi até o objectivo da “Extraordinária História de Portugal”. Era justamente por isso que na contracapa havia uma avó que falava com as crianças. Há avós que sofreram muito e que têm vergonha, que têm a humildade de não falar disso. As únicas pessoas que podem fazer falar os avós são os netos. Eu vejo bem com o meu pai. Ele nunca falou connosco e as únicas pessoas com quem fala são os meus filhos. Quando eu vi isso, pensei que temos que fazer falar os avós com as crianças. Elas são uma ferramenta, as crianças, são elas que vão permitir o debate geracional que não há entre os filhos e os pais."

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