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Artes

Grupo angolano Nguami Maka vai actuar em festival de jazz na Polónia

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O grupo de música tradicional angolana Nguami Maka vai actuar a 23 de Novembro no Festival Jazz Topad, na Polónia. O quinteto, que celebra 20 anos de carreira, vai apresentar o novo projecto "Fragmentos" em que os instrumentos de raiz de Angola entram num diálogo de improvisações.

Grupo de música tradicional angolana Nguami Maka.
Grupo de música tradicional angolana Nguami Maka. © Nguami Maka
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Oiça aqui a entrevista ao líder do grupo Nguami Maka, Jorge Mulumba.

11:05

Jorge Mulumba, Líder dos Nguami Maka

RFI: O que significa a ida ao festival Jazz Topad, na Polónia?

Jorge Malumba, Músico: É uma mais-valia porque os festivais têm vários olhos do mundo. É um encontro a que nós vamos, com vários artistas do mundo, mas também ali cada um deixa a sua impressão digital daquilo que faz a nível da música e cultura de cada país. Estamos a levar Angola para ver se aparecem outras propostas para outros festivais ou eventos em que a música angolana possa respirar.

Os Nguami Maka são convidados para um festival de jazz que reúne tendências contemporâneas, mas são um grupo de música tradicional. O que é que vão levar a este festival?

Para este festival, nós fizemos um projecto denominado “Fragmentos”. Fizemos peças no formato quinteto, que é a nossa formação enquanto grupo, mas também há quartetos, trio, duos e também peças com um indivíduo apenas no palco. São estes momentos que vamos apresentar. Nós criámos peças que dão relevância, por exemplo, à improvisação da execução dos instrumentos e isso é uma visão muito forte dentro do jazz. Nós temos instrumentos mais cingidos à percussão e o jazz tem, por exemplo, mais harmonias, violino, saxofone …

Então, nessas peças que nós criámos, criámos uma leitura musical que faz todo sentido num palco de jazz. Temos uma peça, por exemplo, “O Olhar das dicanzas”, que são duas dicanzas a fazerem execuções de improvisação. A “Batucada agitação” que são dois batuques a fazer improvisação. Eu tenho momentos com kalimba, que é um instrumento africano. Faço vários solos, um passeio em torno de um instrumento, tudo com improvisação.

São instrumentos tradicionais, como a dikanza, mas também há a puíta, lata, hungo, mukindu… Todos eles vão estar em palco?

Sim, todos vão estar em palco e com a grande improvisação.

São instrumentos tradicionais e especificamente angolanos?

Sim, especificamente angolanos. O que nós estamos a fazer pode ser muito novo agora, mas todos esses instrumentos, antes de se agregarem aos grupos, eram executados por elementos solistas e só depois é que eles se envolveram nos conceitos de turma, carnaval, conjunto. Nós, ao pensarmos no projecto de Fragmentos, começámos logo a recuperar esses elementos.

Há um tema que nós fizemos que é a “Homenagem ao Kamosso” que era um executante de hungo e conseguiu criar um público naquele período dos anos finais de 70, inícios de 80 e bocadinho perto de 90 e deixou a sua marca. Nós criámos vários solos de Kamosso , mas fizemos uma componente quinteto. Nós só pegamos nesses elementos e começámos a reconstruir coisas que não foram acabadas, coisas que ficaram em pedaços, voltar a construir e, ao mesmo tempo, dar visibilidade a essas coisas.

Ou seja, foram buscar raízes que já existiam para lhes dar um toque vosso, não é? Onde podemos ouvir este novo trabalho? Vai haver disco?

Nós já temos duas peças gravadas que estamos a fazer circular para que as pessoas possam ouvir. Mas também, quando regressarmos, vamos fazer uma tournée por algumas zonas de Luanda, com o projecto Fragmentos. Estamos a pensar no Palácio de Ferro, na Casa da Cultura do Rangel, no Camões…

O quinteto celebra 20 anos. Que balanço é que faz da carreira do grupo?

Vinte anos de muita história, de momentos que passámos com muitas dificuldades. Não quer dizer que as dificuldades acabaram porque a vida é feita de dificuldades e são barreiras que temos de superar. Felizmente nós superámos, temos uma obra discográfica lançada em 2009, participação em vários concertos quer aqui, quer fora de Angola e todos eles foram bons e temos trabalhado cada vez mais para melhorar a nossa performance, quer individual, quer colectiva.

Os 20 anos que nós celebramos, temos estado a reflectir muito na consistência, na resistência. Apesar de um elemento que faleceu em 2013, o grupo mantém-se sempre com a mesma dinâmica e dedicação porque não é fácil. É porque nós amamos, gostamos, temos uma paixão pela música de raiz, numa cidade em que, às vezes, a futilidade rouba a qualidade, mas nós temos estado a primar pela nossa qualidade, sem desprimor, sem chocar. Conseguimos, na verdade, fazer a nossa estrada e estar bem representados nesses 20 anos. Temos um público que nos apoia. Mas a grande reflexão desses 20 anos é começarmos a passar o testemunho para os mais novos, com ciclos formativos, ensinar a tocar os instrumentos todos que nós tocamos.

Também dá aulas de instrumentos tradicionais, nomeadamente de dicanza...

Sim. Eu dou aulas desse instrumento e faço também oficinas de quase todos os instrumentos. Mas, agora eu propus quinteto que temos de passar a formar - a começar pelo bairro a que nós pertencemos, que é o Marçal - e passar isso aos mais novos, começar a dar uma educação daquilo que são as nossas origens e raiz porque se não o fizermos agora, pode ser tarde depois. E se um dia nós não estivermos mais prontos, não conseguimos ter substituto. Então, estamos preocupados com isso em torno dos nossos 20 anos.

Falou na palavra resistência. Como é que hoje está a música tradicional em Angola?

A música tradicional de Angola está muito - será um termo pesado, mas eu vou usar – num estado péssimo. Ligo e estou constantemente a chatear os líderes dos grupos para fazermos mais coisas em prol da música tradicional porque eu, em 2002, decidi fundar o grupo Nguami Maka - depois de passar pelo grupo Kituxi que é dos maiores grupos - e, entretanto, as políticas do país mudaram completamente. Havia uma facilidade de os grupos tocarem nas instituições, irem para os palcos, irem para as actividades consulares fora de Angola. Mas toda essa política, em 2014, início de 2015, acabou. Então, os grupos deixaram de ter, por exemplo, contactos directos que terão feito e não criaram uma logística interna para continuar com as propostas musicais ou culturais.

Então, deixaram de fazer parte das actividades consulares fora de Angola, das instituições que convidavam constantemente e de algumas actividades que eram criadas pelo ministério da Cultura, o Governo provincial ou a a direcção provincial da cultura. Tudo isso caiu e os grupos andam aí de rastos, completamente perdidos. Os grupos até têm dificuldade de ter redes sociais. Eu sou organizador do festival Balumuka e uma grande luta que nós tivemos foi ter acesso às biografias dos grupos. Isso acontece com grupos que têm mais anos que Nguami Maka, coisa que uma pessoa não consegue acreditar.

Ou seja, é uma luta constante para manter viva a música tradicional angolana.

É, é. Não há incentivos. Os grupos, por exemplo, não têm dinâmica de criar, por exemplo, alguma estrutura interna, conseguir algum meio para subsistência. É muito difícil. Sobretudo com a música tradicional que é quase olhada por algumas pessoas como enteada, não filha. 

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