Acesso ao principal conteúdo
Artes

Isabela Figueiredo: "A minha literatura reflecte a voz do Mundo"

Publicado a:

Isabela Figueiredo, escritora portuguesa nascida em Moçambique, esteve nos estúdios da RFI para falar sobre o lançamento em França do seu romance "A Gorda" e considera que numa altura em que o politicamente correcto quer apagar certas palavras da literatura, é importante mantê-las de forma a conservar a memória que leva muitas vezes a saltos civilizacionais, como acontece, por exemplo, no período da colonização portuguesa.

Isabel Figueiredo esteve no estúdios da RFI.
Isabel Figueiredo esteve no estúdios da RFI. © Catarina Falcao
Publicidade

A autora já publicou em Portugal o "Caderno de Memórias Coloniais", A Gorda e mais recentemente "Um Cão no Meio do Caminho", tendo lançado em França em 2021 uma tradução do "Caderno de Memórias Coloniais" e agora "A Gorda", ou "La Grosse", os dois editados pela editora Chandeigne.

Com um título que actualmente pode gerar alguma controvérsia, por ser considerado um insulto, Isabela Figueiredo garante que já no lançamento em Portugal, em 2016, tinha ponderado se este seria um título apropriado, tendo explicado que a personagem do romance, Maria Luísa, se apodera de potencial insulto, para se assumir e para se aceitar.

Na tradução em francês do livro que fala sobre o percurso de Maria Luísa, nascida em Moçambique, tal como Isabel Figueiredo e com um questionamento sobre o papel da sua família no colonialismo português, a autora preferiu manter algumas palavras como a designação preto, uma forma como muitos portugueses na diferentes colónias tratavam os nativos e uma marca de racismo em Portugal.

"A minha literatura reflecte a voz do Mundo. Eu sou muito sensível aquilo que ouço à minha volta. Eu estou imersa no Mundo, não estou à parte. E quero reflecti-lo, porque se eu for um reflexo das vozes do Mundo então os meus leitores podem sublimar a realidade, podem transformá-la, mas a realidade não pode ser escondida. Nós não podemos esconder o que se passou na Segunda Guerra Mundial, nos campos de concentração, para podermos ultrapassar e para mostrarmos às gerações seguintes o que se passou e o que não pode voltar a acontecer. Portanto se alguma coisa de politicamente incorrecto e de difícil surge nos meus livros, não é porque eu queira manter essa situação, é porque eu quero reflectir a voz do Mundo", afirmou a escritora.

Assim, apagar estas palavras dos livros, como se tem feito em obras de vários autores anglo-saxónicos não é para Isabela Figueiredo uma opção já que nesse caso se estaria a apagar a memória que levou à mudança e à condenação dessa conduta nas ex-colónias.

"Acho que as palavras do passado que são hoje em dia completamente desajustadas e desadequadas não podem desaparecer da literatura, porque se desaparecem, desaparece a  memória histórica daquilo que nos levou a desejar dar um salto civilizacional", defende.

Em 2017, Isabela Figueiredo voltou a Moçambique. O desenraizamento, temática recorrente nos seus livros, tendo vivido até aos 12 anos neste país africano continua a atormentá-la, mas o regresso a Maputo fê-la compreender a sua identidade.

"Não consegui muito bem fazer as pazes [com o vazio], mas consegui uma coisa muito importante que foi perceber quem eu sou, onde é que pertenço e tornou-se para mim muito claro que fui uma colonialista, como o meu pai, não uma agente colonial violenta como ele, mas o Mundo colonial também me contaminou. Senão, eu não teria chegado em 2017 a Moçambique e não teria recebido aquele grande choque. Eu sentir-me-ia africana e não me senti africana, portanto percebi a minha identidade. Sou portuguesa, uma portuguesa com infância africana e isso também me marca, também sou um bocadinho colorida como os panos africanos", indicou.

A autora tem agora uma série de apresentações de "A Gorda" em França durante esta semana, onde muitas livrarias lhe estão a dar destaque como "coup de coeur" ou livro favorito. Isabela Figueiredo vai voltar a França em Dezembro onde vai realizar durante um mês uma residência literária na Ville Marguerite Yourcenar, na fronteira entre a França e a Bélgica, após ter ganho em 2022 o prémio do público no Festival de literatura europeia de Cognac.

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe toda a actualidade internacional fazendo download da aplicação RFI

Ver os demais episódios
Página não encontrada

O conteúdo ao qual pretende aceder não existe ou já não está disponível.