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Artes

Alice Ripoll mostrou em Paris uma “zona franca” para a dança e o pensamento

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A coreógrafa brasileira Alice Ripoll apresentou as peças ZONA FRANCA e aCORdo no Festival de Outono, em Paris. A RFI conversou com esta “cronista" da dança contemporânea brasileira que reivindica uma “zona franca” no mundo da dança para “devorar a vida” e acordar o público.

"Zona Franca" de Alice Ripoll.
"Zona Franca" de Alice Ripoll. © Alice Ripoll
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A coreógrafa brasileira Alice Ripoll tem criado uma “zona franca” para a dança, um espaço de liberdades e questionamentos estéticos, sociais e políticos. ZONA FRANCA é precisamente o nome do seu mais recente espectáculo, que veio apresentar ao Centquatre, em Paris, de 9 a 11 de Novembro, com a companhia Suave, no âmbito do Festival de Outono. Um evento que também foi buscar para o seu cartaz uma outra peça de 2017, aCORdo, criado com a outra companhia que Alice Ripoll dirige, a REC. Os dois espectáculos mostram o fervor criativo de bailarinos oriundos das favelas do Rio de Janeiro e espelham as aspirações da juventude num Brasil de desigualdades.

Em ZONA FRANCA, as danças urbanas e populares do país cruzam-se com a dança contemporânea, mas há também teatro e canto. Vários intérpretes em palco entregam-se a uma festa com balões e confettis, um ritual que é uma caixa aberta de ritmos e emoções. Mais uma vez, este é um espectáculo polissémico, feito de camadas e significados, a começar pelo título.

A ‘Zona Franca’, ‘Free Zone’ ou ‘Zone Franche’ tem que ter uma busca pela liberdade, em que as regras estão menos rígidas, em que a gente pode dar mais espaço para os sons, para as livres associações, com mais liberdade de escolha. Eu busco, com os intérpretes, que eles aumentem a liberdade de serem mais coisas: de serem dançarinos, mas também actores, para ampliar a sua liberdade de expressão”, descreveu Alice Ripoll à RFI no final de uma das representações no Centquatre.

Esta é ainda uma “zona franca” em que se questiona a própria questão da autoria, em tempos vorazes guiados pela velocidade-luz da internet. É como uma “zona de livre comércio”, sem impostos, em que a juventude pode reinventar a dança e a música a partir de trocas e apropriações de conteúdos que lhes chegam pelas redes sociais/virtuais.

E é, também, uma “zona franca” em que não há fronteiras entre dança, teatro, música e performance. “Eu gosto de criar uma expressividade que englobe mais coisas do que só a dança, do que só a coreografia. É o corpo como um todo se expressando, junto com o pensamento, a fala e as ideias”, continua Alice Ripoll.

No espectáculo, há momentos de êxtase colectivo, em que os corpos se libertam e outros em que os bailarinos se devoram. É uma fome e uma ânsia de viver que acaba por ter algo de profundamente político num Brasil que se reiventa.

Tem a ver com o momento em que o trabalho foi criado. A gente estava numa transição do governo Bolsonaro para o governo Lula. A gente estava num impasse, num momento em que o mundo se voltou para o Brasil para entender o que é que aconteceria nessa transição. E a gente perguntou-se ali, individualmente e colectivamente: ‘Onde é que está o desejo? Onde é que está o desejo de viver? Essa Nação vai escolher pelo desejo de viver? Vai optar pela vida?’ E a vida é nesse sentido de devorar, de trocar de pele, de poder jogar uma coisa fora para nascer outra e também devorar no sentido de desejo mesmo”, sublinha a artista.

Mais do que coreógrafa e encenadora, Alice Ripoll é uma “cronista” da dança que se inventa todos os dias no Brasil. O seu trabalho consiste em criar composições a partir dos esboços que os bailarinos lhe apresentam, numa espécie de associação livre de gestos que ela - antiga estudante de psicanálise – transcreve para pôr a dança a olhar para dentro: a tal zona franca onde os bailarinos transformam as suas experiências e memórias em imagens e movimentos.

As pessoas no grupo são muito diferentes. Tem uns que vieram do passinho. Tem uns que vieram de outros lugares. Eu gosto de deixar o espaço aberto para eles trazerem. Eles mostram-me as coisas que estão ouvindo, os estilos novos que estão vendo e aprendendo. Eles são umas antenas do que está a acontecer no Brasil. Eu vou fazendo uma composição a partir de coisas que eles trazem. Eu gosto desse aspecto bem cronista de mostrar o que está sendo feito ali no Brasil pela juventude e pela galera que está inventando dança. No Brasil, inventa-se uma nova dança a cada dois meses!”, explica Alice Ripoll.

Ainda não se defina como militante, as suas peças são políticas. A violência racial e política lê-se, por exemplo, nos movimentos lentos e contemplativos do espectáculo aCORdo, uma peça em que o público é convidado a despertar do conforto de ser público e a participar na performance.  Em Zona Franca, a explosão de energia e de alegria colectiva esconde, nas entrelinhas, uma fuga urgente e descarada a qualquer tipo de opressão e, talvez por aí, uma forma de resistência política.

As peças aCORdo ZONA FRANCA estiveram, em cartaz, no Festival de Outono, em Paris, entre 8 e 12 de Novembro. Em 2021 e 2022, Alice Ripoll também foi convidada a apresentar a peça Lavagem no mesmo festival.

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