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Ciência

A protecção das áreas e espécies marinhas face à pesca ilegal na Guiné-Bissau

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A RFI debruça-se hoje sobre a protecção das áreas e das espécies marinhas face ao fenómeno da pesca ilegal na Guiné-Bissau. Apesar de um enquadramento legal consequente nesta matéria, por um lado, com o estabelecimento de áreas marinhas protegidas, nomeadamente nos Bijagós, e por outro, com a assinatura de acordos autorizando a pesca apenas em determinadas zonas, o país tem tido dificuldades em lidar com este problema, nomeadamente por falta de meios.

João Sousa Cordeiro, engenheiro de pescas ligado ao IBAP, Instituto da Biodiversidade e das Áreas Protegidas, em Bissau em Setembro de 2023.
João Sousa Cordeiro, engenheiro de pescas ligado ao IBAP, Instituto da Biodiversidade e das Áreas Protegidas, em Bissau em Setembro de 2023. © Liliana Henriques / RFI
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Após uma visita de Audrey Azoulay, directora-geral da Unesco, no começo do ano, aos Bijagós que actualmente já beneficiam do programa de protecção de reservas da biosfera da Unesco, esta responsável anunciou o seu apoio a uma candidatura do arquipélago ao estatuto de Património Natural Mundial, um estatuto que o país tem possibilidade de obter, tendo em conta a riqueza e diversidade de espécies que apresenta.

Contudo, as águas territoriais da Guiné-Bissau e inclusivamente as suas áreas protegidas têm sido palco de abusos por parte de pescadores vindos do exterior. João Sousa Cordeiro, engenheiro de pescas ligado ao IBAP, Instituto da Biodiversidade e das Áreas Protegidas, refere que espécies como raias e tubarões, cuja captura é proibida, têm sido colocadas em risco pela pesca ilegal.

"Raias e tubarões são espécies ameaçadas e são interditas de captura, não só a nível da Guiné-Bissau mas a nível sub-regional. Existe um plano sub-regional para a conservação de raias e tubarões. Várias vezes tive oportunidade de participar nas actividades de fiscalização com a equipa de diferentes direcções das áreas marinhas protegidas, para fazer o seguimento, para controlar. Uma vez, apreendemos uma piroga que tinha vindo do Gana. O alvo do ganês é raias e tubarões porque aquilo dá muito dinheiro (...). Aqui na Guiné-Bissau, alguns pescadores fazem captura às vezes acidental, esporádica que talvez não tem impacto no meio ambiente, mas quando se trata de outros países, como é o caso concreto do Gana, é pesca comercial de grande escala", refere o estudioso.

Muitos daqueles que praticam a pesca ilegal na Guiné-Bissau vêm dos países da região, nomeadamente do Senegal, da Serra Leoa ou ainda da Gâmbia, refere João Sousa Cordeiro. "Normalmente, o que nós constatamos, pelos nossos relatórios, os senegaleses também pescam muito nas nossas águas (...). Há informação de que há escassez de recursos ao nível de certos países, como é o caso concreto do Senegal. Isto faz com que os pescadores senegaleses venham à Guiné-Bissau à procura de recursos haliêuticos. Não só os senegaleses, mas também os serra-leoneses, os gambianos. São muitas nacionalidades que vêm praticar a actividade de pesca ilegal dentro do território da Guiné-Bissau também devido à fragilidade da fiscalização" refere o engenheiro para quem esta situação "poderá comprometer futuramente o reconhecimento da Reserva de Biosfera (do Arquipélago Bolama Bijagós) como Património Natural Mundial".

Com efeito, este responsável refere que são numerosos os vastos acampamentos de pescadores vindos do exterior que se estabelecem em zonas onde não é suposto capturarem pescado. "Se analisamos uma das ameaças que existem dentro da reserva da biosfera que é a proliferação dos acampamentos (de pescadores ilegais), será que há uma ou outra instituição que ganha ou não com isso? Claro que sim. Devido à falta de recursos financeiros, às vezes algumas pessoas responsáveis das instituições do Estado vão cobrar dinheiro aos pescadores que estão nos acampamentos. Devem pagar porque estão dentro do acampamento de pesca independentemente da licença de pesca que já pagaram. Quando você vai à procura de dinheiro, você está a legalizar de uma forma indirecta. Se houvesse sensibilidade dos nossos dirigentes em relação ao meio ambiente e em relação aos recursos naturais, teriam que negociar com estas pessoas porque são os nossos vizinhos, não são de forma nenhuma os nossos inimigos, poderíamos discutir com eles para saírem das zonas sensíveis, das zonas de reserva (...), e arranjarmos locais mais perto das grandes cidades nas quais poderão continuar a praticar a actividade de pesca", diz João Sousa Cordeiro.

Questionado sobre a fase em que se encontra a candidatura Reserva de Biosfera do Arquipélago Bolama Bijagós a Património Natural Mundial da Unesco, o especialista enuncia alguns dos elementos que o país pretende colocar em destaque nesta nova candidatura, depois de ter fracassado em 2012. "Utilizamos diferentes tipos de critérios que têm a ver com a beleza natural. Mas do ponto de vista técnico, escolhemos alguns valores naturais excepcionais que nós achamos que tem importância global, como por exemplo, as tartarugas marinhas. O Parque Nacional Marinho João Vieira e Poilão é o terceiro lugar de desova das tartarugas marinhas praticamente no mundo, temos as aves migratórias, temos vários bancos de areia, grandes extensões, temos ecossistemas de mangais, então são alguns valores excepcionais com valor global. Esses valores têm que ser muito bem explicados e temos de ter a capacidade de explicar a curto, a médio e longo prazo como é que nós vamos conservar esses valores", refere o engenheiro de pescas.

Para João Sousa Cordeiro, é urgente que o país consiga obter para a Reserva de Biosfera do Arquipélago Bolama Bijagós o estatuto de Património Natural Mundial da Unesco, numa altura em que circulam informações insistentes sobre a possibilidade de existir petróleo nas águas territoriais da Guiné-Bissau. "Se um dia, o governo decidir fazer a exploração de petróleo, o que é que vamos fazer? Será que vamos pôr em causa o sítio do Património Natural Mundial? Por isso é que eu acho que é pertinente que os Bijagós sejam reconhecidos como Património Natural Mundial, porque aí já é da Humanidade. Mesmo que o governo venha a ter intenção de fazer exploração de petróleo, tem que respeitar as regras e convenções internacionais porque engajou", considera o técnico.

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