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Cabo Verde realiza conferência para financiar o seu desenvolvimento sustentável

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O governo cabo-verdiano organiza esta quinta-feira e amanhã na ilha da Boa Vista uma Conferência Internacional de Parceiros no intuito de angariar meios para concretizar os objectivos do Plano Estratégico de Desenvolvimento Sustentável que cobre o período 2022-2026, o chamado PEDS II. Nesta reunião no âmbito da qual o executivo espera angariar 3 mil milhões de Euros, participam entidades como as Nações Unidas, o Banco Mundial, o BAD, bem como representantes do sector privado.

Durante dois dias a Boa Vista acolhe uma Conferência Internacional de Parceiros no intuito de angariar meios para concretizar os objectivos do Plano Estratégico de Desenvolvimento Sustentável.
Durante dois dias a Boa Vista acolhe uma Conferência Internacional de Parceiros no intuito de angariar meios para concretizar os objectivos do Plano Estratégico de Desenvolvimento Sustentável. © logotipo do PEDS
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Nestes dois dias de conferência, Cabo Verde apresenta aos potenciais investidores aquele que é o seu segundo plano estratégico, depois de um primeiro que cobriu o período 2017-2021 e que coincidiu com a época da pandemia. A seguir a este segundo plano que foi recentemente aprovado, vem ainda um terceiro que deve correr até 2030, altura em que se pretende alcançar uma economia sustentável e menos dependente da ajuda externa.

Em entrevista com a RFI, Gilson Pina, Director Nacional do Planeamento de Cabo Verde, explica como funciona o plano estratégico e quais são os seus principais pilares.

RFI: Como se alicerça o segundo Plano Estratégico de Desenvolvimento Sustentável e qual é a diferença com o primeiro?

Gilson Pina: A ambição 2030 (agenda para o desenvolvimento) é o que norteia a implementação dos nossos planos. Esta visão está sendo implementada com a aplicação do PEDS I, do PEDS II que foi agora aprovado e vamos ter um terceiro PEDS que vai complementar toda esta estratégia de implementação das nossas políticas. Então teremos três fases com três planos estratégicos. Essas três fases vão estar interligadas. Por isso é que não vai haver muitas diferenças. Entretanto é que claro que os desafios vão aparecendo à medida que vamos caminhando, os objectivos vão sendo adaptados. Por exemplo, em primeiro lugar, nós vamos dar muita ênfase às questões climáticas e ambientais neste novo PEDS, até porque o PEDS I tinha apenas três pilares: era o pilar económico, o pilar social e o pilar soberania. Hoje mantemos esses três pilares e adicionamos mais um pilar que chamamos de 'pilar ambiental' porque o foco da sustentabilidade económica do país tem de passar também pela sustentabilidade ambiental. Por é que adicionamos esta abordagem. Continuamos também a dar ênfase naquilo que é a coesão territorial, ou seja tentar desenvolver o país de uma forma igualitária, com várias oportunidades para todas as regiões, vamos continuar a dar ênfase à equidade de género em Cabo Verde e também, um grande avanço que vamos dar no PEDS II tem a ver com a aposta na saúde. Nós queremos transformar Cabo Verde a nível de investimento no sector da saúde não somente no país mas também tornar Cabo Verde num país que exporta o serviço da saúde. Entretanto, o foco principal já veio do PEDS I, é tornar o capital humano como o principal factor da economia cabo-verdiana. Nós queremos transformar o capital humano no 'driver' da nossa economia e, claro, esse 'driver' vai suportar tanto a parte da economia pública como a parte da economia privada. Este desígnio continua mas reforçamos os sectores catalíticos a nível da implementação do PEDS II que tem a ver com a economia azul, a economia azul vai ser a segunda âncora alinhada com o sector do turismo, mas também temos a terceira âncora que é o sector digital. Ou seja, a economia digital, a economia azul e o turismo são os três sectores em que Cabo Verde vai apostar, sendo que o capital humano é o principal 'driver' que vamos considerar na nossa economia.

RFI: O contexto mundial não tem sido propriamente fácil. Não receia que o projecto possa ficar um pouco para trás em termos de prioridades tanto das organizações internacionais como dos próprios investidores?

Gilson Pina: Quando nós apresentamos uma estratégia, uma visão para o país, eu creio que nós conseguimos captar a atenção dos nossos parceiros. Temos um grande objectivo que é tornar Cabo Verde o primeiro país de África, se calhar do mundo, em que eliminamos a pobreza extrema em 2026. Quando terminarmos o PEDS II, o país vai estar com zero pobreza extrema. Nós queremos transformar Cabo Verde num país 100% renovável. Um país que tem essa ambição, creio que consegue a adesão dos parceiros. Isto é o que queremos mostrar: a utilidade que Cabo Verde tem para si mesmo mas também a utilidade que Cabo Verde pode ter para o mundo, mas sobretudo ser um país-exemplo, um país que é transparente e um país que faz as políticas serem implementadas. Claro, são várias as prioridades a nível internacional. O mundo hoje tem sido cada vez mais dinâmico e nós temos de saber aproveitar esta dinâmica e trazer ganhos também para o nosso país e conseguir a atenção dos nossos parceiros.

RFI: Como pretendem alcançar as vossas metas num prazo tão curto, 2026, 2030, com nomeadamente problemas de desemprego e também uma problemática que no fundo vem a reboque do desemprego, que é a questão da insegurança?

Gilson Pina: Eu creio que estamos no bom caminho tanto num (caso) como no outro. Cabo Verde tem feito grandes progressos a nível de implementação de políticas; O foco do PEDS II é isso também: é tentar reforçar aquilo que temos feito até agora a nível do sector privado. Queremos que o sector privado crie oportunidades, estamos a implementar várias medidas para suportar o sector privado para a criação de empregos e isso significa que ao empoderar o sector privado, estamos consequentemente a superar estes desafios que têm a ver com o acesso ao financiamento, à dinâmica económica e, consequentemente, acesso ao rendimento e também dar oportunidades de emprego aos nossos jovens. Se não aproveitarmos os nossos jovens hoje, estaremos a perder o bónus demográfico que nós temos. Tanto nisto, como na questão da segurança, isto tem evoluído muito. Os desafios são enormes mas com a implementação do PEDS II, cujo objectivo é também tornar Cabo Verde um país seguro em todos os níveis, sobretudo na atracção do turismo, creio que conseguimos superar esses desafios e consequentemente trazer ganhos para a economia.

RFI: Relativamente ao aspecto da sustentabilidade do vosso plano, um dos pilares da economia de Cabo Verde tem sido até agora o turismo. O turismo não é propriamente conhecido como sendo uma actividade que seja muito favorável à conservação do meio ambiente. Outras actividades económicas, como por exemplo a agricultura, também tendem a não ser, pelo menos até agora, muito respeitadoras do meio ambiente. Há designadamente o objectivo de dessalinizar cada vez mais a água do mar que é uma alternativa que, apesar de tudo, não é totalmente respeitadora do meio ambiente. Como fazer com que estes objectivos consigam entrar nesta mesma linha de desenvolvimento sustentável?

Gilson Pina: Se nós pensarmos Cabo Verde hoje como uma economia que vai ser transformada do nada, estamos enganados. Temos de ser francos: o sector do turismo é neste momento o principal sector de actividade da economia de Cabo Verde. Já foi demonstrado isso com a pandemia de covid-19. O 'down' do turismo levou ao 'down' da economia em 2020. O recobro do turismo em 2021 e 2022 fez com que nós tenhamos dados records a nível das finanças públicas em 2021 e também 2022. Portanto isto demonstra que nós não podemos simplesmente descurar o turismo. Entretanto, a estratégia que nós temos no próprio PEDS II, é aproveitar a dinâmica do sector do turismo, para desenvolver os outros sectores, nomeadamente o sector da economia azul. Como é que a economia azul, o sector digital vão aproveitar da dinâmica do turismo? Como é que a agricultura pode ser transformada ao serviço do turismo? Não podemos apostar num sector de agricultura que vai exportar para fora. Nós vamos apostar na questão da sustentabilidade porque não queremos um turismo que simplesmente vem e transforma a nossa economia do nada. Queremos que esse impacto seja um impacto transformador, um impacto sustentado nos outros sectores mas também e sobretudo focado na questão ambiental. Por é que estamos a dar um grande enfoque no turismo sustentado do país, inclusive os investimentos turísticos estão a ser interligados com a sustentabilidade ambiental e climática. Com isto não queremos reduzir o impacto do turismo na nossa economia, convém que seja cada vez maior, mas esperamos que os outros sectores possam crescer mais ainda, de modo que possamos ter essa diversificação da nossa economia.

RFI: No vosso plano está também plasmada a ideia de aumentar as parcerias público-privado, nomeadamente nos sectores do transporte marítimo, da aviação, dos portos. Não receia que alguém fique a perder no meio disto tudo e que (neste caso) possa ser o sector público, como habitualmente tem sido nesse tipo de parcerias noutros sítios?

Gilson Pina: O sector público não deve ser o 'driver' da economia. Nunca. Mas também o público não deve deixar apenas o privado andar. Creio que esta abordagem de parceria público-privada é o melhor caminho, sobretudo para uma economia como Cabo Verde em que temos muitos desafios, desafios da insularidade e o desafio da pequenez do nosso mercado. Por isso é que o público e o privado andarem ao mesmo tempo, acabam sempre por avançar. Aqui um outro desafio que nós temos se calhar é a regulação da economia: quando isso acontece, é darmos espaço à privatização, às concessões mas também é garantir que haja um controlo consequente. Mas repare-se que aqui não estamos a dizer que a regulação vai ser um empecilho em relação à dinâmica do sector privado nestas questões de parcerias público-privadas, muito pelo contrário. A Regulação vai ter que ser uma regulação que dinamiza o poder do sector privado na economia, mesmo tendo uma participação pública. Creio que não devemos ter medo, temos de apostar fundo, apostar também na sustentabilidade da governação do sector público para poder acompanhar esses projectos.

RFI: No vosso plano está também prevista uma participação da diáspora. A diáspora tem sido um dos actores principais da economia de Cabo Verde. Como fazer mais com a diáspora em Cabo Verde?

Gilson Pina: Hoje, a nossa diáspora é quase 'mais um'. Não pode ser assim. A nossa diáspora tem de ser o centro das ambições aqui em Cabo Verde. Os depósitos que temos em Cabo Verde são essencialmente da nossa diáspora. Temos uma diáspora que é interessada pelo seu país e temos que aproveitar isso. Primeiro, não devemos pensar na nossa diáspora apenas como sendo fonte de financiamento, segundo, devemos também pensar na nossa diáspora como sendo uma abordagem para implementarmos as nossas políticas. Por isso, temos de ter aqui duas vertentes: primeiro, como é que Cabo Verde pode servir a nossa diáspora? Como fazer com que a nossa diáspora esteja perto das oportunidades que acontecem no país e como é que a nossa diáspora pode ter acesso aos serviços de Cabo Verde a partir de onde estão? Um outro aspecto, é saber aproveitar a experiência que a nossa diáspora tem nas questões de financiamento mas também e sobretudo no conhecimento. Um médico da nossa diáspora não que vir apenas passar férias a Cabo Verde. Não tem de estar em Cabo Verde para dar o seu contributo. Por exemplo, uma simples tele-medicina, aproveitando um médico fora, pode dar o seu contributo em Cabo Verde. Quem diz um médico, também diz um professor. Ou seja, como é que podemos aproveitar a potencialidade que a nossa diáspora tem a nível de conhecimento lá fora para partilhar esse conhecimento em Cabo Verde? A ideia no PEDS II é tentar ter a nossa diáspora como um actor principal na implementação das nossas políticas e não ser um mero 'mais um'.

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