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Guiné-Bissau: "Tudo indica que a força está do lado do Presidente da República" - analista

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Na Guiné-Bissau, depois de Geraldo Martins ter sido exonerado ontem do cargo de Primeiro-Ministro, sendo logo substituído por Rui Duarte Barros, anteriormente deputado eleito pela coligação PAI Terra Ranka, foi conhecido o elenco do governo de iniciativa presidencial.

Membros do governo de iniciativa presidencial emposado no dia 21 de Dezembro de 2023, com o Presidente Umaro Sissoco Embalo (em primeiro plano, no meio), no Palácio Presidencial, em Bissau.
Membros do governo de iniciativa presidencial emposado no dia 21 de Dezembro de 2023, com o Presidente Umaro Sissoco Embalo (em primeiro plano, no meio), no Palácio Presidencial, em Bissau. © Facebook
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Neste novo executivo que foi empossado esta quinta-feira, é reconduzido Carlos Pinto Pereira, do PAIGC, no cargo de chefe da diplomacia, Botche Candé regressa ao posto de ministro do interior e Soares Sambu, anteriormente chefe da Casa Civil da Presidência da República, passa a ocupar o cargo de Ministro da Economia.

Ao considerar que este novo executivo é ilegal e que não se pode esperar muito dele por não ser sustentado por um parlamento activo, Diamantino Lopes começa por aludir aos motivos que poderão ter ditado a saída de cena de Geraldo Martins, uma semana apenas depois de o Presidente da República lhe renovar a sua confiança.

RFI: A seu ver, que circunstâncias fizeram com que Geraldo Martins fosse exonerado uma semana depois de ter sido reconduzido no cargo de Primeiro-Ministro?

Diamantino Lopes: Tudo indica que tem a ver com a insustentabilidade política e que foi o desacordo entre o Primeiro-Ministro e o Presidente da República que levou à sua demissão. Faltou um pronunciamento do Primeiro-Ministro para esclarecer a situação, tanto quanto do Presidente da República, mas partimos do princípio que tem a ver com a insustentabilidade política. Ele percebe que não tem hipótese de haver uma coabitação sã entre ele e o Presidente da República e faz sentido recuar, apesar também de fazer muito sentido tentar encontrar uma solução ao problema. Mas agora estamos numa outra fase: tudo indica que a situação vai prevalecer dessa forma. Não sei qual vai ser a estratégia política que o PAIGC ou a coligação PAI Terra Ranka vai aplicar para repor a legalidade. Tudo indica que, na verdade, a força está ainda do lado do Presidente da República.

RFI: O que é que diz esse elenco do governo doravante chefiado por Rui Duarte Barros?

Diamantino Lopes: É um governo com caras bem conhecidas que já exerceram muitas funções ministeriais. Podemos afirmar que é um misto de experiência e também da juventude. Há algumas pessoas que estão nessa andança pela primeira vez, mas é um governo com muita experiência. Agora, o que é problemático com esse governo tem a ver com a sua ilegalidade. Não é um governo legal, não é um governo que vem das eleições e não é um governo do qual se pode esperar muito, porque não tem compromisso com o povo e é um governo que, de certo modo, não vai ser fiscalizado. Quem vai fiscalizar o governo é o Presidente da República. E o Presidente da República também é executivo. Então estamos numa situação complicada. Se tudo continuar dessa forma, não temos um parlamento para solucionar esse problema, apesar de termos um ministro da Presidência e também de Assuntos Parlamentares, mas não temos o parlamento em funcionamento. Tudo indica que a luta política para a reposição da ordem constitucional vai continuar. Há muita timidez por parte da comunidade internacional na abordagem desse assunto. é agora a entidade que pode ajudar, uma vez que por exemplo não temos agora uma sociedade civil bem forte para enfrentar esse tipo de desafio para exigir o Estado de Direito democrático. Então a comunidade internacional podia ajudar neste sentido. Não vejo uma clara solução interna a esse problema.

RFI: Ainda na senda da legalidade ou não deste novo governo, esse executivo é chefiado por Rui Duarte Barros que foi eleito pela coligação PAI Terra Ranka, temos também um ministro que é mantido, Carlos Pinto Pereira, que também vem do PAIGC. Portanto, é um governo plural que integra também elementos do PAIGC.

Diamantino Lopes: Lógico que sim. Não obstante, o PAIGC não reconhece esse governo. Além do mais, não dá orientação aos seus militantes e dirigentes para participarem no governo. Portanto, esses elementos que estão no governo e que são dirigentes e militantes do PAIGC, estão lá por conta própria. No comunicado tornado público ainda ontem, o PAIGC disse que não reconhece esse governo e não dá autorização a nenhum dos seus membros para participar no governo. Se for, é por conta própria. Por conseguinte, estou vendo aqui uma fractura entre esses elementos e o PAIGC. Carlos Pinto Pereira é o advogado do PAIGC. Ele participou durante todo este processo nessa luta pela reposição da legalidade, até chegarmos a esse ponto no qual assumiu a função de Ministro dos Negócios Estrangeiros. Aly Hizazy (agora Ministro da Administração Pública), até ao último congresso do PAIGC, era o secretário Nacional do partido. Portanto, tudo indica que há uma fractura entre esses dirigentes do PAIGC e a própria direcção do partido. A interpretação que se faz aqui é que se trata de uma espécie de desobediência à orientação do partido. Geralmente, a consequência é a suspensão desses elementos, como aconteceu no passado. Agora, o que está por detrás disso? Também falta esclarecer o que motivou toda essa situação de desobediência às orientações do partido. Tanto Rui Duarte Barros como Aly Hizazy e também Carlos Pinto Pereira são dirigentes do PAIGC. Precisamos de tempo para perceber no que é que isso vai dar.

RFI: Ao dar posse ontem a Rui Duarte Barros como Primeiro-Ministro, o Presidente da República enunciou a luta contra a corrupção como sendo a prioridade desta nova equipa governativa. O antigo Ministro da Economia e o Secretário do Tesouro continuam em detenção soba a acusação de desvio de fundos públicos. Há também indicações que o antigo Primeiro-Ministro Geraldo Martins poderia ser ouvido sobre este caso. Como é que se apresenta a situação relativamente a este caso?

Diamantino Lopes: O que esperamos disso, enquanto cidadãos guineenses, é a clareza do assunto, é que se observe à risca os preceitos legais para esclarecer esta situação. Na verdade, estamos a falar de muito dinheiro. São 6 biliões de Francos CFA (um pouco mais de 9 milhões de Euros), e o que li do despacho do juiz que agora oficializou a detenção dos dois governantes revela de certo modo indícios de corrupção e desvios de fundos públicos. Mas não podemos condenar sem julgar. Precisamos admitir a presunção de inocência até prova em contrário. Quanto ao ex-Primeiro-Ministro Geraldo Martins, segundo uma informação sobre a qual ainda não tenho documento, o nome dele foi revelado nesse processo e foi nesse âmbito que o Procurador-Geral da República pediu ao Presidente da República para ouvir o ex-Primeiro-Ministro. O que eu não entendo é porque é que o Procurador-Geral da República pediu autorização ao Presidente da República para ouvir o ex-Primeiro-Ministro. Se o Ministério Público é detentor de acção penal, tendo clareza sobre um assunto, acho que poderia dirigir-se directamente à pessoa para dar esclarecimento sobre certos assuntos e não pedir autorização ao Presidente da República. O que esperamos é a observância dos processos legais.

RFI: Evocou há pouco o desempenho da comunidade internacional relativamente a esta situação. Há dias a Presidência francesa emitiu um comunicado apelando a Presidência guineense a nomear rapidamente um novo governo. Como é que interpreta essa tomada de posição?

Diamantino Lopes: Foi o que o Presidente fez. Ele chegou e nomeou rapidamente um novo governo. E agora? Respeitou a Constituição da República? Não. Não respeitou a Constituição da República. Aí está o grande problema da comunidade internacional. As suas comunicações vêm sempre com ambiguidade. Não é só dizer "formar rapidamente um governo". É "formar rapidamente um governo de acordo com a Constituição da República, ponto." Sempre falta essa clareza. Dá azo a essa fuga para a frente que acaba por complicar ainda mais a situação. Não se justifica apenas nomear. É nomear de acordo com a Constituição da República. É um governo de iniciativa presidencial e essa modalidade não existe no nosso enquadramento constitucional. Portanto, é um governo não constitucional.

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