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Crises político-financeiras vão impor-se na cimeira da UA

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Arrancam nesta quarta-feira, 14 de Fevereiro, em Addis Abeba, na Etiópia, os trabalhos preparatórios para a 37ª cimeira de chefes de Estado e Governo da União Africana, a ter lugar neste fim-de-semana. Este ano o tema da cimeira é subordinado à Educação de uma África adaptada ao século XXI, todavia as crises políticas que se vivem no continente deverão impor-se na agenda dos líderes africanos, reconhece o economista guineense e professor na universidade da cidade do Cabo, Carlos Lopes.  

Sede da União Africana, Addis Abeba, na Etiópia,REUTERS/Tiksa Negeri - RC1D016AA660
Sede da União Africana, Addis Abeba, na Etiópia,REUTERS/Tiksa Negeri - RC1D016AA660 REUTERS - Tiksa Negeri
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RFI: Que assuntos vão marcar esta cimeira da União Africana?

Carlos Lopes, economista guineense: Esta cimeira vai debruçar-se muito sobre as relações de África com as várias regiões em conflito no mundo, a entrada da União Africana para o G20 - as prioridades.

Vamos ter, seguramente, uma grande discussão sobre as implicações da falta de fundos para o sistema de Paz e Segurança da União Africana que está pauperizada - parte dessa ajuda vinha da União Europeia que agora tem outras prioridades e encaminha esses fundos para a paz na Ucrânia - e o desmantelamento de instituições perenes. Como é o caso da Força de Intervenção na Somália e também do G5 Sahel que acabam por ter impactos geopolíticos.

À porta fechada, a parte mais importante, será discutida a saída de três países, Mali, Burkina Faso e Níger, da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental e as implicações que tem esta saída daquela que era vista como a organização regional mais consistente, neste momento parece a mais fraca.

Há ainda a declaração do presidente da Comissão da UA, Moussa Fakhi, uma declaração, a meu ver, bastante importante porque põe o dedo na ferida, mostrando que está preocupado. Essa preocupação é uma forma de reflectir que vivemos cada vez mais no continente, para além dos golpes de Estado assumidos, reversões democráticas que são feitas através de mecanismos civis, como por exemplo os tribunais, etc.

Temos agora, não só, um problema de integridade relacionado com os processos eleitorais, mas também temos um problema de integridade no problema da justiça, cada vez mais utilizado para mudanças constitucionais.

Pode dizer-se que há um sentimento de desconfiança com as organizações regionais?

Sim. Temos o princípio da subsidiariedade, um princípio político que tem raízes fortes no pensamento ocidental e que acabou por ser adoptado pelas Nações Unidas que delega -à organização mais próxima do teatro dos conflitos - a responsabilidade primeira. Aí temos uma situação em que, cada vez mais, os vizinhos do país em conflito estão, de facto, implicados no próprio conflito.

Então, este princípio da subsidiariedade acaba por ser uma fonte de conflito e tensão. É o que se está a passar agora com a CEDEAO. Temos uma série de indicações que foram completamente manipuladas pelos países vizinhos daquele que estava em conflito por razões de interesse próprio, acabando por retirar uma consistência à CEDEAO.

A postura da CEDEAO em relação à Guiné-Bissau e ao Senegal, por exemplo...

Exacto, temos aí um bom exemplo. Mas temos agora o mesmo tipo de problema, transitando para outras realidades fora da CEDEAO que é caso de tratar a mudança constitucional no Chade de uma forma diferente da que trataríamos, por exemplo, a mudança no Níger. Temos essa situação que está a proliferar a dificuldade de consistência e essa dificuldade de consistência é um factor de instabilidade no conjunto do continente. Na região dos Grandes Lagos temos também muitos exemplos do mesmo tipo.

A Mauritânia cedeu e é oficialmente candidata à presidência da União Africana, uma vez que o presidente deve ser originário da África do Norte. Como se explica esta demora, quando o nome devia ser anunciado, segundo os estatutos da UA, um ano antes?  

Estamos a ter cada vez mais dificuldade em respeitar o princípio que foi recomendado na comissão de reforma da União Africana, do qual eu fiz parte, e que acabou por ser seguido durante algum tempo: o país sucessor na presidência com um ano de antecedência, não em cima do momento. Que era para poder permitir uma Troika entre o país que sai e aquele que entra. Isto já aconteceu com o Presidente das Comores, Azali Assoumani, que deveria ter sido designado muito antes da altura em que foi, por causa de uma disputa com o Quénia para esse lugar. Agora tivemos a mesma dificuldade com a África do Norte, ou seja, estamos a perder o norte em relação a uma das principais reformas que era a de não levar para as cimeiras a indicação em cima da hora, mostrando que está a ser feito, um pouco, em cima do joelho.

Acredita que desta cimeira teremos novidades sobre a presença de África no Conselho de Segurança da ONU? António Guterres, secretário-geral da ONU, tem apoiado - pelo menos - a presença de um país africano como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU...

Não, eu acho que nesta cimeira vão ser reiteradas as posições habituais. O momento geopolítico não permite ter ilusões a curto prazo. Eu acho que já foi uma grande vitória conseguir entrar no G20 e o alargamento do BRICS para incluir dois países africanos também é muito significativo em termos geopolíticos.

O que se pode esperar desta cimeira?

Nesta cimeira vai-se discutir muito a grande crise que o continente está a ter provocado por uma pauperização de alguns países ameaçados por duas grandes dificuldades: as dívidas soberanas que limitam muito o seu poder de fazer política económica de social e o avanço do terrorismo.

Numa altura em que a comunidade internacional está, de certa forma, a fechar os bolsos este desafio torna-se maior?

Há perspectivas de as coisas se agravarem porque o pacote aprovado pela União Europeia para a Ucrânia reforça a tendência de que quase 1/3 da ajuda tenha sido encaminhada para a Ucrânia.

Portanto, os que estão a pagar o preço são os países africanos. O facto de os Estados Unidos estarem num período eleitoral muito tenso faz com que as suas concentrações sejam a resolução que tem com esses conflitos, seja no Médio Oriente, seja com a China ou Rússia. África passa um pouco despercebida, mas ela é parte do mesmo eixo de grandes mudanças estruturais que estão a ocorrer por causa, justamente, da situação mundial estar tão tensa.    

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