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Ataque de Israel contra o Irão "era expectável"

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As autoridades iranianas indicaram nesta sexta-feira, 19 de Abril, que os sistemas de defesa do país "dispararam contra objectos suspeitos" na província central de Isfahan, que abriga centros de produção de mísseis e instalações nucleares. O Irão negou que tenha havido um ataque com mísseis contra o país, mas fontes israelitas confirmaram ao New York Times que Israel esteve envolvido no ataque com mísseis contra o Irão. O analista político Germano Almeida, considera que o ataque era expectável.

Sistemas de defesa antiaérea iranianos terão neutralizado ataque israelita
Sistemas de defesa antiaérea iranianos terão neutralizado ataque israelita © via REUTERS - WANA (Agence de presse de l'Asie de l'Ouest)
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RFI: Este ataque a uma zona militar era expectável, uma vez que o grande receio de Israel é que o Irão tenha ou consiga ter uma bomba nuclear?

Germano Almeida, analista político:  Sim, era expectável e estava dentro dos cenários previstos. Eu recordo que o que aconteceu, a 14 de Abril, foi inédito. O Irão nunca tinha, na sua história, atacado Israel directamente. Claro que já tinha atacado Israel pelas interpostas “marionetas”, como o Hezbollah, os Houthis e o Hamas. Milícias pró-iranianas que existem porque o Irão as financia com armas.

Perante esse ataque em grande escala, com mais de 300 mísseis e drones- pareceu limitado porque teve uma grande capacidade de intercepção israelita e não morreram pessoas- era evidente que Israel iria retaliar. A grande dúvida, na minha opinião, é se as coisas vão ficar por aqui. Trata-se de uma retaliação muito limitada, contida e ponderada. Eu vejo-a como uma “desescalada”.

A 1de Abril, Israel ataca uma instalação consular iraniana, em território sírio, e mata líderes da guarda iraniana. Em resposta, o Irão faz um ataque inédito a Israel e as autoridades israelitas retaliam com ataques cirúrgicos, em território iraniano, a interesses militares e meramente nucleares.  

Mas como é que se explicam estes ataques cirúrgicos para ambas as partes? Há um receio de uma escalada de tensões, levando à entrada dos Estados Unidos ou até mesmo da Rússia neste conflito?

A Rússia já está neste conflito, incitando o Irão a lançar o caos no Médio Oriente. Há um interesse claro de Moscovo em afastar as atenções da agressão gravíssima que a Rússia está a fazer na Ucrânia e que tem para nós, por exemplo, uma consequência que muita gente ainda não percebeu.

E qual será a consequência? Se a Rússia ganhar na Ucrânia, será o desmantelamento de toda a arquitectura da segurança europeia. A situação no Médio Oriente tem uma perspectiva mais global, devido à ameaça nuclear iraniana e ao medo de um conflito. Estamos a falar de uma zona onde está uma boa parte dos combustíveis fósseis, podendo desencadear uma guerra regional, originando uma situação mundial descontrolada, ao nível, por exemplo, dos preços.

Portanto, a Rússia tem claramente interesse em desestabilizar a região. Todavia, os Estados Unidos nunca vão deixar Israel sozinho. Os dados parecem positivos, revelando que Israel não está interessado em escalar este conflito. E o Irão sabe que num cenário de guerra directa iria perder, uma vez que os Estados Unidos e Israel teriam muito mais força.

Esta semana, a União Europeia anunciou sanções contra o Irão pelo ataque que perpetrou contra Israel, numa resposta a um ataque contra um anexo consular iraniano em Damasco, na Síria. O G7 também equacionou sanções. Porém, vários analistas afirmam que o Irão não atacou, retaliou. Não seria mais equilibrado se os líderes mundiais sancionassem igualmente Israel? Não há aqui dois pesos e duas medidas?

Não concordo, uma vez que se tratam de situações muito diferentes. O ataque do Irão contra Israel, na madrugada de 14 Abril, é inédito e é de uma grande dimensão. Em qualquer outro país do mundo, exceptuando os Estados Unidos, aquele ataque teria provocado uma chacina, com de mortes de civis. Só não o fez porque Israel está muito bem defendido.

Este ataque mostra que o Irão já tem capacidade de usar os mísseis cruzeiro e, obviamente, os seus drones. Isso já tínhamos percebido por aquilo que a Rússia está a fazer há dois anos na Ucrânia, com os drones iranianos. O Irão mostrou que tem essa capacidade, não só de ameaçar Israel, mas também de ameaçar a região e todo o mundo.

Não seria mais equilibrado se ambos os países tivessem uma arma nuclear?

Esse equilíbrio valeu na Guerra Fria, entre Estados Unidos e a União Soviética, mas estamos longe de saber se valerá num novo equilíbrio de terror entre o Irão e Israel. Permita-me contestar, aquilo que aconteceu no passado dia 14 de Abril mostra que o Irão não pode ter uma arma nuclear.

Vários líderes mundiais já vieram apelar contra a escalada de violência no Médio Oriente. Estes ataques beneficiam os responsáveis políticos de ambos os países, muito contestados internamente?

Essa é a minha leitura. Por exemplo, hoje acho que ganharam os dois países. O Irão ganhou internamente, mostrando que depois do ataque que fez Israel, recebeu uma retaliação “pífia”. O primeiro-ministro israelita pode mostrar que com este prolongamento- perante a ameaça do Hamas de 7 de Outubro e perante a ameaça do Irão- Israel está perante uma ameaça existencial. Benyamin Netanyahou está a tentar sobreviver politicamente, prolongando estas guerras.

Neste conflito, a posição da Jordânia, presa entre dois inimigos- começa a ver aqui a postura de equilíbrio ameaçada. A Jordânia, historicamente defensora de neutralidade…

É mais um exemplo de como o Irão teve uma derrota estratégica. Eu não diria que a Jordânia está entre os inimigos, porque a Jordânia não é inimiga de Israel. Aliás, mostrou isso porque defendeu Israel do ataque iraniano. Mas está numa situação muito difícil, porque o seu território está, permanentemente, sob possível penetração, seja da questão síria, seja da questão Israel com o Hamas e agora da questão Israel com o Irão.

A situação da Jordânia mostra que- olhando para o mapa, percebemos que pode haver uma escalada- até pode haver uma guerra regional entre o Irão e Israel, mas ela não será terrestre. Existe uma distância de 2000 quilómetros, com quatro países pelo meio. Não vai haver uma confrontação terrestre entre Irão e Israel, portanto a questão é controlar e limitar este tipo de acções aéreas.

Como serão os próximos dias?

Tudo vai depender se as coisas ficam por aqui. Tudo indica que ficarão por aqui. Até agora, Israel tem alguma vantagem estratégica da dúvida, ou seja, se vai fazer mais alguma coisa ou não. Eu acho que os próximos vão permitir a Israel "colher" o facto de ter feito uma coisa muito limitada e, portanto, aparentemente estar articulado com os Estados Unidos, coisa que não estava a acontecer até sábado passado-14 de Abril. Existe ainda a dúvida sobre a existência ou não da operação terrestre em Rafah.

E Israel, se for inteligente do ponto de vista diplomático, vai promover uma coligação internacional- que já está a ser formada- no sentido de sancionar o programa nuclear iraniano, limitando a capacidade de fazer aquilo que fez no sábado passado. Ou seja, o Irão internamente mostrou força, mas para fora mostrou o jogo. Ou seja, a partir do momento em que mostra a capacidade de ataque, está no fundo, na minha opinião, a legitimar uma grande ofensiva ao nível das sanções que têm que ser feitas contra o Irão.

Os Estados Unidos vetaram ontem à noite, 18 de Abril, a adesão plena da Palestina à ONU. Os Estados Unidos proclamam o apoio à solução de dois Estados. Não há aqui uma contradição. Pode se dizer que os Estados Unidos são os facilitadores dos excessos de Israel?

Não, não é contradição. Os Estados Unidos têm a sua própria via para os dois Estados, que passa sempre por colocar Israel na equação. Se os Estados Unidos, ontem, não tivessem votado, teriam afastado Israel da equação. É preciso estudar isso.

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