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Chade: Vitória de Mahamat Idriss Déby é “mais do mesmo?”

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No Chade, esta quinta-feira, Mahamat Idriss Deby Itno foi declarado vencedor das eleições presidenciais, três anos depois de ter tomado o poder através de um golpe militar, na sequência da morte do seu pai. Os resultados oficiais provisórios dão-lhe 61,03% dos votos, seguido de Succès Masra que obteve 18,53% e que contestou os resultados. A RFI conversou com Leonel Claro, que mora no sul do Chade, e que considera que “é mais do mesmo” no cenário político do país.

Mahamat Idriss Deby Itno foi anunciado como o vencedor das eleições presidenciais do Chade desta segunda-feira.
Mahamat Idriss Deby Itno foi anunciado como o vencedor das eleições presidenciais do Chade desta segunda-feira. AFP - ISSOUF SANOGO
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RFI: Houve surpresa pelo facto de ter havido uma proclamação dos resultados tão rápida? Inicialmente falava-se no anúncio dos resultados até 21 de Maio…

Leonel Claro, habitante em Sahr: "Toda a gente esperava que fosse mais tarde porque a Agência Nacional tinha dito que iria proclamar muito mais tarde, lá por volta do dia 20 e 21 [de Maio] - até ao fim, praticamente, do prazo. Mas é verdade que havia muita expectativa e muita gente a desejar que não se prolongasse tanto tempo porque estava tudo numa expectativa de mudança. Foi uma certa surpresa quando eles anunciaram, logo três dias depois, que iam proclamar os resultados provisórios. E foi uma grande surpresa para muita gente o resultado também."

Como assim?

"Para quem está aqui é inconcebível, por exemplo, que numa província como a nossa, no Moyen-Chari, ou no Mandoul que é aqui ao lado, é inconcebível que Mahamat [Idriss Deby] tenha tido a maioria. Quer dizer, não se compreende. Com todos os problemas que houve, de injustiças, de roubos, de massacres nas populações locais, é inconcebível que o Presidente tenha tido a maioria dos votos. Portanto, ninguém compreende como isso é possível."

É uma região com mais oposição ao general Mahamat Idriss Deby Itno?

"Claro. São zonas mais do sul, há muitos problemas interétnicos. As populações do sul são sempre as injustiçadas e, portanto, há uma onda de não poder mais. A gente não sabe quem vota, mas supõe-se que a partir de uma realidade de que as pessoas vivem, a partir daquilo que foi o mar de gente que cada candidato conseguiu juntar e depois também do que foi publicado, nas redes sociais, dos resultados das mesas de voto, esperava-se que - não digo que Masra ganhasse - mas, pelo menos, que tivesse muito mais percentagem, muito mais votos do que teve."

Houve suficiente transparência eleitoral? A União Europeia lamentou o afastamento de cerca de 2900 observadores da sociedade civil. Como é que viu a questão dos observadores?

"Eu não acompanhei as mesas de voto, não estive a observar. E também não sou um comentador político, digamos assim, neutro. Estou num lugar e vejo o sentir das pessoas. Noto a realidade que se passou, o que é que não se passou. Por isso é que eu estou a dizer que é inconcebível - para mim e para muita gente - que uma pessoa que esteja sempre a ser espezinhada, maltratada e injustiçada vá votar naquilo que lhe faz mal.

O afastamento de muita gente, não sei qual foi o número, mas viu-se nas redes sociais o afastamento de muitos observadores -não sei se internacionais, mas pelo menos observadores nacionais foram postos de parte. Basta percorrer as redes sociais para encontrarmos vídeos com o encher as urnas com boletins de votos que estão já pré-preparados. Não quero dizer que o Presidente tenha perdido ou tenha ganho as eleições. Agora, esta diferença entre o Presidente da transição, o Mahamat Deby, parece exagerada a muita gente daqui. E há um outro dado também que é o facto de o terceiro candidato praticamente não ter feitocampanha e por onde passou não conseguia juntar ninguém. Vê-se que foi um candidato cooptado e, provavelmente - não estou a dizer que tenha acontecido - mas a gente desconfia que foi posto lá para dizer: 'Bom, Masra tu não és o único na oposição, há outros, etc, etc, etc'."

Antes da proclamação dos resultados, Succès Masra reivindicou a vitória. O que é que esta reivindicação antes do tempo significa? Poderemos ter um novo confronto em vista? Ele apela a manifestações pacíficas também…

"Esse é o medo, ou melhor, o receio que a gente tem. Agora há cinco dias para quem quiser contestar as eleições e, portanto, pedir uma nova contagem. Não sei se Masra vai apresentar isso, mas é verdade que há um certo receio naquilo que se vai seguir.

Manifestações pacíficas? Sim, teoricamente a gente pode organizar manifestações pacíficas, mas o poder não vai deixar. Se alguém se juntar, mesmo pacificamente, os militares e a polícia vão cair sobre eles com gás lacrimogéneo, como tem acontecido sempre."

Justamente, a 20 de Outubro de 2021, Succès Masra apelou a manifestações contra a transição e houve uma repressão que teria feito entre 75 a 300 mortos em N'Djamena... Por outro lado, o facto de ele pedir às pessoas para manifestar também não pode ser atirar achas para a fogueira?

"Há sempre quem acuse de um lado e do outro."

Mas as pessoas têm o direito de se manifestar.

"Claro. O problema é que depois uns vão dizer 'se ele não convoca, é um fraco, não está na oposição, está com o poder'. Mas se ele convoca e os militares e os polícias caírem sobre os manifestantes com balas reais e mortes, alguém vai acusar: 'Já se sabia que isso ia acontecer e convocou na mesma as pessoas para isso?' Portanto, é preso por ter cão e preso por não ter, de uma certa maneira."

No terreno, como estão as coisas? Há militares mobilizados? Qual é a resposta que se espera do campo de Mahamat Idriss Deby?

"Ontem, N'Djamena estava militarizada, estava coberta de militares por tudo que era canto. Antes de anunciarem os resultados, a capital tinha militares já por todo o lado para conter qualquer veleidade da população. Aqui, em Sarh, onde estou, durante o dia as coisas estavam calmas até à tardinha, mesmo que a Agência Nacional tenha pedido para que os militares, nos festejos, não abram fogo, etc, ouviu-se muito tiro de armas de fogo e algumas armas pesadas. Em N'Djamena, parece que algumas pessoas ficaram feridas porque havia balas perdidas, houve feridos e parece que houve mesmo mortes."

Os chadianos votaram numa eleição presidencial destinada a pôr fim a um regime militar. Foi o líder da Junta Militar que venceu o escrutínio. Qual é a leitura que tira destas eleições?

"No fundo, é mais do mesmo. Havia uma grande expectativa, agora com as redes sociais, que já nada se pode fazer às escondidas. Mas se houve realmente trafulhice na contagem, foi mesmo descaradamente porque com as redes sociais, vem muita coisa ao de cima. É preciso ter muita coragem e muito desrespeito pela população para fazer uma coisa dessas - se é que houve e isso é o que uma grande parte da população desconfia.

Agora, é mais do mesmo porque nós já vivemos esta situação há 34 anos. Aconteceu com o pai do Presidente: um militar que tomou o poder pelas armas e depois converteu-se, sendo sempre militar, e pôs em prática um sistema de controlo de tudo. E agora foi o filho que também tomou o poder pelas armas, disse que o ia entregar aos civis, não entregou, prolongou a transição, apresentou-se a eleições e, claro, o sistema está já está de tal maneira montado que vai demorar muitos anos antes que toda a gente possa dizer que foram eleições livres e que estamos numa democracia."

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