Acesso ao principal conteúdo
Convidado

O teatro como arma contra o bullying

Publicado a:

A peça “Marion 13 ans, pour toujours” está no Festival Off Avignon de 7 a 29 de Julho no Théâtre Pierre de Lune. Trata-se de uma adaptação teatral de Frédéric Andrau e Valérie da Mota de um livro de Nora Fraisse e Jaqueline Rémy sobre o suicídio de uma adolescente vítima de assédio escolar. Na peça, os pais falam com a filha, Marion, depois da sua morte e tentam perceber o que aconteceu e encontrar um sentido para continuar a viver.  

Valérie da Mota, Actriz e co-autora da peça de teatro "Marion 13 ans pour toujours". Avignon, 5 de Julho de 2023.
Valérie da Mota, Actriz e co-autora da peça de teatro "Marion 13 ans pour toujours". Avignon, 5 de Julho de 2023. © Carina Branco/RFI
Publicidade
Peça de teatro "Marion, 13 ans pour toujours". Théâtre Pierre de Lune, Avignon. 5 de Julho de 2023.
Peça de teatro "Marion, 13 ans pour toujours". Théâtre Pierre de Lune, Avignon. 5 de Julho de 2023. © Carina Branco/RFI

RFI: Como é que surgiu esta adaptação do livro ao teatro?

Valérie da Mota, actriz e co-autora da peça: Era na altura do Covid-19, eu estava sozinha na minha casa, como muitas pessoas, e tinha esta ideia de propor uma adaptação ao Frédéric Andrau, que mora muito perto da minha casa. Então nós podíamos trabalhar muito tempo porque havia muito tempo nessa altura! O texto era uma boa oportunidade. Não foi fácil porque o livro tem muita emoção, mas o espectáculo tinha que ser menos realista.

E como é que foi adaptar este texto tão duro para o palco?

Nós queríamos trazer Marion para o palco para fabricar este diálogo. E depois nós queríamos também trazer a vida porque era importante para nós fazer um espectáculo com vida, em que também se pode rir. Porque Marion foi também uma pessoa jovem que teve momentos de alegria e porque o bullying ou assédio escolar é sempre escondido. A Nora Fraisse fala muito bem disso. Era importante mostrar Marion não apenas com o sofrimento e lágrimas, mas mostrar o que ela queria mostrar às pessoas.

Ainda assim, há momentos absolutamente trágicos, por exemplo, quando Marion lê a carta de despedida, uma parte particularmente fulcral na peça…

Sim, essa é a verdadeira carta que ela deixou aos pais. Não, ela não deixou nenhuma carta, nem nenhuma explicação aos pais...

Era antes uma carta dirigida a todas as pessoas que lhe fizeram mal… Aos adolescentes que estavam com ela na escola.

Aos adolescentes, exactamente.

A peça também mostram a conivência, quase, da direcção da escola que não apoiou os pais no momento em que a filha morre e que durante todo o período em que ela foi vítima de assédio escolar não fez nada.

Sim, é também esta parte que está muito presente no livro. Nós queríamos respeitar esta parte que é muito chocante desta história: não havia muitas reacções, muita empatia com os pais.

A mãe de Marion, que escreveu o livro, ajudou-vos na criação da peça?

Não, ela tinha confiança…

Esta peça denuncia algo tenebroso que continua a acontecer e que se intensificou com os telemóveis e a internet. Até que ponto levar esta mensagem ao teatro pode ajudar a mudar uma certa realidade?

É muito importante porque as pessoas não percebem bem os mecanismos do “bullying”. Há muitas pessoas que dizem que existe já há muito tempo, mas agora há "smartphones" e ciber-assédio e é importante para todos - para os jovens, mas também para os adultos - verem o espetáculo que pode servir para informar as pessoas porque dentro do espetáculo nós desconstruímos os mecanismos do assédio.

No final do espetáculo, a Marion diz que é preciso falar para cuidar dos vivos. É essa a mensagem?

Sim, cuidar das pessoas que estão aqui, os que estão vivos. É também a mensagem da mãe que faz um trabalho incrível com a associação “Marion la main tendue” para ajudar os jovens. Isso é resiliência. Resiliência porque há uma história trágica, mas temos que seguir, temos que tentar fazer uma coisa boa com este drama. Temos uma matéria trágica, mas com esta matéria vamos tentar fazer uma coisa como um diamante para ajudar as pessoas.

Em 2015, o editor do livro “Marion 13 ans pour toujours” escrevia que o flagelo do assédio escolar atinge um em cada dez alunos em França, ou seja, 1 milhão e 300 mil crianças... Vocês associaram-se à associação criada pela mãe da Marion e fazem mais coisas depois das representações. O que fazem e com quem?

Fazemos ateliers com grupos de alunos nas escolas para fazer um pequeno trabalho de teatro ou teatro-forum. É uma coisa para tentar encontrar soluções com os jovens, para pensar o que é que podemos fazer. Todos temos uma responsabilidade. É  importante para nós fazer este trabalho ao lado do espectáculo porque também é um trabalho inteiro, que não é somente moral. Não é só falar, é agir.

A peça estreou em Março de 2022 e ainda só circulou na região de Paris. Agora estão no Festival Off Avignon. O objectivo é convencer os programadores a levar a peça e a mensagem do perigo do assédio escolar a toda a França? E há a possibilidade de a levarem a Portugal?

Porque não? Seria uma boa ideia tentar traduzir o texto em português, sim. O nosso objectivo é tentar levar o espetáculo a toda a França e, se calhar, a outros países.

Em palco, há muito poucos elementos: um banco, três actores e uma sonoplastia e desenho de luz muito minimalistas. Porquê estas escolhas?

Porque não estamos num tratamento realista. Estamos, se calhar, no mundo dos mortos porque a Marion está aqui. Quisemos mostrar um espaço irreal. Há somente este banco que simboliza o banco da escola.

A Valérie tinha trabalhado num telefilme que adaptava o livro de Nora Fraisse e seis anos depois decidiu adaptar o livro ao palco e incarnar esta mãe. Ou seja, esta personagem vive consigo há mais de uma década... Como é que construiu esta personagem e consegue sair intacta dos espectáculos tantos anos depois?

Ao princípio eu tinha medo de fazer este papel porque é muito difícil porque eu também sou mãe. Mas, pensei que era uma oportunidade muito importante para mim porque há muitas coisas que eu gosto de trazer ao palco: o amor, a raiva…

Criou a sua companhia Va Sano Productions que não faz só teatro e que faz acções de mediação cultural junto de diferentes públicos...  Quer contar-nos?

Nós estamos sempre com este desejo de encontrar pessoas e não somente sermos artistas num palco. Fazemos também esse cinema com pessoas de bairros pobres e afastadas da cultura, como se diz em França. Também fazemos cinema e eu fiz também um espectáculo com um fado há uns anos porque eu gosto muito da cultura portuguesa e do fado. Também fazemos coisas com a música porque eu canto e toco violino.

A Valérie nasceu em França, mas tem ascendência portuguesa. Como é que mantém essa ligação com Portugal?

Infelizmente, eu perdi o meu pai há dois anos e essa ligação já não é tão evidente quando vou lá. Tenho sempre muita família, mas é um pouco mais triste. Gosto muito de ir lá e tenho muita saudade quando não vou lá pelo menos duas vezes por ano.

Lá é onde?

É Pombal! Mas eu gosto de passear nas cidades do Porto, Lisboa...

O espetáculo de fado contava o quê?

Eu era uma mulher de um pescador que estava à espera. Era um espetáculo que visitava as mitologias das mulheres dos pescadores e também das sereias.

É actriz de teatro, mas também trabalha no cinema e na televisão e treina crianças e adultos para o cinema e para a televisão. Além disso, anima ateliers de teatro, poesia e cinema em bairros sensíveis. Como usa a sua profissão para ajudar os outros?

Para mim é importante trazer coisas de amor. É sempre uma história de amor com as pessoas porque as pessoas estão sempre em pequenos mundos separados.

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe toda a actualidade internacional fazendo download da aplicação RFI

Ver os demais episódios
Página não encontrada

O conteúdo ao qual pretende aceder não existe ou já não está disponível.