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Avignon: A dança cria pontes entre mundos intransponíveis

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O espectáculo de dança “Relative World”, que está no Festival Off Avignon até 27 de Julho, conta uma história de “amor em mundos paralelos”. O resumo é feito pela bailarina portuguesa Aline Lopes que contracena com Kim Evin na peça encenada por Manon Contrino e Toufik Maadi. Em palco, Aline Lopes e Kim Evin dançam o luto, lutam pela reunião, gritam saudade e criam um espaço para reinventar uma vida onde a morte aconteceu.

Aline Lopes na peça "Relative World". Théâtre Golovine, Avignon, 12 de Julho de 2023.
Aline Lopes na peça "Relative World". Théâtre Golovine, Avignon, 12 de Julho de 2023. © Carina Branco/RFI
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RFI: O que conta o espectáculo “Relative World”?

Aline Lopes, Bailarina: Este espectáculo é sobre um dueto de amor em mundos paralelos. Já vivemos num mundo juntos, mas separámo-nos. Em cada mundo, há uma fisicalidade diferente e há uma emoção diferente e estamos sempre na luta de nos encontrarmos e, no fim, acabamos por nos encontrar.

O que significa o título do espectáculo, “mundo relativo” [“Relative World”?]

Porque precisamente estes mundos paralelos fazem com que, no final, o mundo em que nós estamos seja relativo porque o que importa é nós estarmos juntos e não importa o mundo onde nós estivermos. É o atravessar que importa, o caminhar que importa.

A história fala de dois corpos e duas almas que vivem em dois mundos, o do vivo e o dos mortos, mas que através da dança se encontram e enfrentam o tempo, a morte e o amor. Como é que pela dança conseguem passar essa mensagem?

Eu acho que, como em cada criação, o bailarino deve procurar em si as emoções que ele vive e os episódios que ele vive. Já me aconteceu perder alguém. Eu até falo no espectáculo, numa das músicas, que é a minha avó. Então eu apoio-me nessa emoção para ir procurar isso em mim e para tentar passar às pessoas para que elas também possam ir procurar essa emoção profunda nelas.

Isso vê-se no espectáculo. A Aline é muito expressiva, não só com o corpo mas notam-se as emoções no seu rosto. Nota-se que está a sentir mesmo aquilo que está a dançar...

Sim. Nunca me tinha acontecido. Nós entramos e saímos várias vezes do palco e nunca me tinha acontecido sentir uma enorme vontade de chorar às vezes quando saio porque a emoção é mesmo muito forte. Eles também procuraram isso porque o coreógrafo teve um acidente vascular e foi um episódio muito trágico e quando eles começaram a criação eles não procuraram logo fazer isso, mas foi no inconsciente deles que a peça começou a criar-se.

Ou seja, neste caso a dança, a música, aquilo que vocês levam para o palco, ajudam a ultrapassar qualquer coisa, a fazer um luto...

Exacto, no fim é aquela alegria de que OK eu continuo cá, eu apoio-me nas coisas boas que estão cá porque são muitas. Temos muitas coisas a que ser gratos e no fim é isso que eu, pelo menos, vivo na peça e que vivo também na minha vida independentemente das dificuldades, vamos lá.

Como é que trabalharam as coreografias para alcançar esta imagem da dança que ultrapassa os impossíveis?

Eles gostam muito de trabalhar a partir da improvisação. Com esta peça eles tinham já algumas ideias de objectos que eles nos queriam fazer trabalhar. Punham em disposição no estúdio. “Se isto e isto e isto e aquilo, como é que tu farias?” A música é a página branca para descobrir aquilo que vai sair e depois falamos sobre o que é que resulta, o que é que não resulta e no espectáculo há muita improvisação e há também muita escrita.

Entre os objectos marcantes está, por exemplo, uma bola de discoteca gigante com a qual vocês dançam.

Sim, a primeira vez que utilizamos essa bola é uma bola que está suspensa, fez-nos pensar logo no tempo porque muitas vezes o que nos separa nos mundos é o tempo e o tempo é relativo e, às vezes, eu estou bloqueada. Às vezes, é ele que está bloqueado. Então, esta bola simboliza como um pêndulo ou então, numa altura também, como festa. Mas inicialmente foi como um pêndulo do tempo.

Outro elemento marcante no espectáculo, que é muito visual, é quando a Aline aparece um enorme véu branco e depois você surge desse véu e também faz uma dança muito intimista. Quer falar-nos dessa escolha?

A escolha do véu não surgiu assim há muito tempo. Antes, fazíamos sem o véu e os coreógrafos um dia disseram “Aline, tu já vens com um vestido de casamento, porque não assumir um verdadeiro véu e usar um enorme véu?” Começámos a explorar a partir daí e a imagem também é como um rio que passa de um mundo para o outro. É o Kim que o traz e sou eu finalmente que acabo por levá-lo embora.

A criação do espetáculo também passou por Portugal. Como é que foi essa etapa?

Sim, foi a primeira residência que fizemos, foi no Porto. Correu super bem, foi aí que surgiu a primeira música em que eu falo da minha avó, o músico foi a gravar pessoas no Porto, a música da cidade, os sons, e ficámos logo com uma nostalgia, um ambiente que ajudou imenso a construir o resto do espectáculo

O espectáculo é também muito imersivo. A música e a sua voz estão muito presentes e também dá ritmo ao próprio espectáculo. Como é que foi escrever esses textos? Como é que foi essa composição?

A primeira, quando eu falo da minha avó, eles perguntaram-me se já tinha perdido alguém. Eu disse que sim. “Tens memórias?” E daí começaram logo a gravar e eu comecei a falar da minha avó que tinha um pequeno terreno de terra batida numa outra parte. Perguntaram-me o que é um mundo futurista para mim e eu comecei também a divagar, a falar de por que é que nós vemos o mundo futurista sempre cinzento, porque é que nos filmes há sempre esta cor cinzenta e não colorida, porque é que é tudo direito, porque é que é tudo tão angular, pronto, estas questões que nós temos como ideia do futuro. Sim, foi basicamente isso.

Esta peça, de certa forma, também simboliza o que é a saudade?

Muito, muito, muito. Para mim, visto que eu já estou do outro lado - eu fui aquela que morreu - e o Kim ainda está presente no mundo. Quando eu vejo que não o consigo alcançar é como se eu tivesse a oportunidade mas que não lhe conseguisse tocar. Então isso faz-me uma frustração, uma saudade, e faz-me bem vê-lo, faz-me bem tocá-lo, sim, sim.

E aqueles movimentos de boneca que se descompõe. Esses movimentos foram sugeridos pela Aline?

Sim. Há um estilo no hip-hop que se chama o “poping” que é tudo o que é contração muscular, robot, também o “smurf” e eu agora pratico bastante. Então, quando eles me pediram para tentar ser alguém inanimado, veio facilmente essa boneca que se descompõe e que é estranha.

A Aline Lopes formou-se no CDA do Algarve, depois no Conservatório Nacional de Dança de Lisboa  e no Ballet Junior em Genebra. Em 2013, entrou na companhia suíça 7273; participou numa peça do corógrafo português Marco Ferreira da Silva ; passou também na Companhia Instável no Porto. Também trabalhou com a coreógrafa suíça Maud Blandel – que apresenta um espectáculo no IN deste ano com a presença da bailarina portuguesa Ana Teresa Pereira. Agora, está no off de Avignon com esta peça da companhia francesa B21. O que representa para si Avignon?

Todos os meus colegas me falavam de Avignon, eu estava bastante curiosa para saber o que é que era viver estes espectáculos. Assim, todos os dias, está a ser óptimo porque eu sinto a evolução do espectáculo, eu sinto a evolução da minha personagem, sinto a evolução também em todos nós, a euforia das ruas, o vender o espetáculo...

Também “vendeu” na rua o espectáculo?

Sim! A falar, não a dançar!

E é a primeira vez no Festival de Avignon?

É a primeira vez como bailarina, sim.

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