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Cimeira EUA-África: Estados africanos vão de “mão estendida” à procura de financiamento

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Arranca esta segunda-feira, 06 de Maio, na cidade de Dallas, a 16ª Cimeira Empresarial EUA-África, organizada pelo Conselho Corporativo para África. O evento vai decorrer até dia 09 de Maio e tem como tema central "EUA - Negócios em África: Parcerias para o sucesso sustentável". Serra Bango sublinha que os estados africanos vão de “mão estendida” a estas cimeiras, à procura de financiamento que depois não concretizam no terreno. Angola não foge à regra. 

Arranca esta segunda-feira, 06 de Maio, na cidade de Dallas, a 16ª Cimeira Empresarial EUA-África, organizada pelo Conselho Corporativo para África.
Arranca esta segunda-feira, 06 de Maio, na cidade de Dallas, a 16ª Cimeira Empresarial EUA-África, organizada pelo Conselho Corporativo para África. © facebook.com/CorporateCouncilonAfrica
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De acordo com a organização, são esperados no norte do Texas, nos quatro dias de trabalho, mais de 1.500 executivos dos sectores públicos e privado dos Estados Unidos e de África, incluindo Chefes de Estado, centenas empresários norte-americanos e africanos de diferentes sectores, como o agro-negócio, energia, finanças, saúde, tecnologias de informação e comunicação, infra-estruturas, segurança, turismo, entre outros. 

O Presidente angolano, João Lourenço, vai participar na 16ª Cimeira Empresarial Estados Unidos - África, com destaque para dois onde abordará: "Investimento em Infra-estruturas Estratégicas, Crescimento Sustentável” e "Navegar o Futuro Energético de África”.

Serra Bango, presidente da Associação angolana Justiça, Paz e Democracia, sublinha que os estados africanos vão de “mão estendida” a estas cimeiras, à procura de financiamento que depois não concretizam no terreno. Angola não foge à regra, com um chefe de Estado “agora de viagem em viagem à procura supostamente de investimentos para o desenvolvimento”. 

RFI: O que é que se pode esperar desta 16ª Cimeira Empresarial EUA-África?

Serra Bango, presidente da Associação angolana Justiça, Paz e Democracia: Nestas cimeiras que congregam vários presidentes de muitos estados africanos, o que fazem ali não é outra coisa senão estender a mão para pedir financiamento para os seus Estados e que depois não investem devidamente em infra-estruturas, em processos de desenvolvimento para os seus Estados. Ao que me parece, Angola é provável que também esteja numa situação semelhante a esta. 

O Presidente João Lourenço vive agora de viagens em viagens à procura supostamente de investimentos para o desenvolvimento de Angola. Quando nós temos matéria suficiente e recursos suficientes para guindarmos a nossa economia e o desenvolvimento de Angola.

A cimeira também surge numa altura em que os Estados Unidos da América, por causa do conflito entre a Rússia e a Ucrânia, procuram a todo custo afastar vários países que são parceiros da Rússia. Esta cimeira não deixa de ser uma dessas ferramentas ou instrumentos que os Estados Unidos usam exactamente para aliciar determinados Estados a afastarem-se da Rússia. Angola é um desses países. 

O namoro dos Estados Unidos com Angola intensificou-se nos últimos dois anos e há um investimento muito forte dos Estados Unidos no corredor do Lobito. Havendo esse interesse dos Estados Unidos no corredor do Lobito, onde investe milhões de dólares por causa dos recursos que vêm da Zâmbia e do Congo Democrático, aproveitando o facto do porto do Lobito não ser congestionado e uma linha directa entre a costa angolana e Estados Unidos. Portanto, esta Cimeira da América-África, para Angola, não sei se teria o mesmo impacto que tem para os outros países, porque há aqui uma relação muito directa entre os Estados Unidos e Angola. Por outro lado, não sabemos se esta cimeira irá produzir os efeitos económicos que supostamente Angola precisa.

Que efeitos económicos é que são esses que supostamente Angola precisa? A diversificação da economia?

Investimento, a diversificação da economia para a criação de infraestruturas, desenvolvimento da indústria, da agricultura, urbanização das cidades, estabilidade da própria economia angolana e a disponibilidade também de verbas, de dólares. A nossa economia, são petrodólares, é muito dependente do petróleo. E há um forte interesse - sempre foi manifestado politicamente este interesse - em diversificar a nossa economia, não depender excessivamente do petróleo. Mas a relação dos Estados Unidos com Angola é uma relação dependente do petróleo.

Mas essa era a grande bandeira de João Lourenço quando chegou à cadeira da Presidência. O que é certo é que a economia angolana continua a ser dependente do petróleo.

Exactamente, continua a ser dependente. Quase que não se fez nada para nos livrarmos da dependência do petróleo, apesar de existir uma diversidade de recursos vários, desde os recursos hídricos, florestais e recursos minerais que poderiam muito bem facilitar para irmos criando as condições para nos livrarmos do petróleo. 

O facto é que isso não acontece, mas não acontece por uma razão muito simples: é que os dividendos do petróleo, o retorno do investimento do petróleo, é milionário e imediato, ao passo que dos outros recursos como agricultura, pescas, florestas, águas, o retorno é lento e longo. 

Portanto, nós dependemos do petróleo para vários fins, quer para alimentar a defesa nacional, quer sobretudo para alimentar a manutenção do poder e por causa do petróleo, quer o antigo regime, que era governado por José Eduardo Santos, quer o actual de João Lourenço, serve-se do petróleo na relação com os Estados Unidos e com o Ocidente, quer para manter o seu poder, como também manter as suas relações.

Não me parece que esta conferência, essa Cimeira Estados Unidos - África em relação a Angola, para a diversificação da economia, venha a ter resultados positivos, imediatos para supostamente diversificar a economia. Pessoalmente não acredito.

O Presidente João Lourenço vai participar em duas mesas redondas. Uma delas tem a ver com investimento em infraestruturas estratégicas e crescimento sustentável e, outra, tem a ver com o futuro energético de África. O que é que Angola pode dar como exemplo nestas duas temáticas ao resto da África e também aos Estados Unidos?

Vamos começar pela questão energética. Angola tem recursos hídricos suficientes, temos energias novas, limpas e, portanto, quando assistimos a Angola a ir buscar aos Estados Unidos investimento para energias eólicas ou solares, parece-nos que aqui há uma falta de clarividência na definição do que precisa. 

Por outro lado, eu não sei o que é que Angola poderá mostrar aos outros Estados, como África do Sul, Namíbia, Botswana, Gana, Cabo Verde, que exemplos é que Angola tem de sucesso para mostrar essa cimeira. É provável que tenha e que não seja do nosso conhecimento! De qualquer maneira, como dizia, esta é uma cimeira, mais uma em que Angola vai participar com o pretexto sempre de buscar financiamento. Recentemente [o Presidente João Lourenço] esteve na Coreia, esteve na China há menos de três meses...

Há um encadeamento de viagens por parte do Presidente João Lourenço?

 

Excessiva. Eu gostaria de chamar a atenção para o seguinte: na Coreia do Sul, por exemplo, o Presidente apelou aos coreanos para investirem na indústria automóvel em Angola. Nós não temos condições para termos cá uma indústria automóvel. Não temos população consumidora para uma indústria automóvel, não temos infra-estruturas quer de energia, distribuição de água ou rede viária para termos uma indústria automóvel que alimenta milhões e precisa de milhões de consumidores. Parece que estamos num mundo de alguma ilusão, a tal megalomania que nós temos. 

Nós não conseguimos desenvolver a agricultura, que é algo básico. Nós não conseguimos ter uma rede de distribuição de energia para fornecer energia eléctrica para as cidades. Não conseguimos ter uma rede de distribuição de água potável para a cidade, portanto, queremos ter algo superior a isso que demanda uma instalação, condições superiores às que nós temos. 

Parece-me que é mais uma cimeira em que vamos participar para marcar presença, quando na verdade quem poderá ter o benefício de aproveitar desta cimeira são os Estados Unidos, em função do interesse que têm.

Mais do que uma cimeira empresarial e mais do que uma cimeira económica, há aqui o chapéu geopolítico norte-americano, esta mão norte-americana que quer manter debaixo dela os países africanos e isto em detrimento da Rússia e em detrimento também da China, que é um grande player em África?

Exactamente. Não se esqueça que o investimento da China em Angola é muito elevado. É um chapéu. Veja que os Estados Unidos em África vai perdendo algumas posições para a Rússia, sobretudo no Sahel, e não quer perder também aqui, a nível a sul do Saara, no Congo, Angola, o maior beneficiário e o vencedor virá a ser os Estados Unidos, de certeza. 

Agora, percebe-se, há um namoro muito claro, evidente, dos Estados Unidos, em colocar sempre Angola como uma grande pérola. Há um grande investimento, há uma boa gestão, é um país em crescimento, quando na verdade, os próprios Estados Unidos depois dizem que, em termos de direitos humanos - veja aqui o paradoxo - é um país que é ditador, rotulado como ditador, violador dos direitos humanos.

Há dois pesos e duas medidas mediante o assunto em questão?

Sim, o interesse nacional é claramente político e daí esse peso de duas medidas. 

Outro elemento que os Estados Unidos não falam, porque não querem mexer as águas, é a questão do tráfico de drogas aqui em Angola, o problema da droga não se discute, mas os Estados Unidos sabem muito bem que o problema da droga em Angola é grave. 

Como é que os Estados Unidos têm uma posição, por exemplo, em relação à Guiné-Bissau muito clara em relação a isso, e em relação a Angola, quase que não diz nada? Faz uma tábua rasa.

Esta cimeira Estados Unidos - África tem um fim muito claro: aproximar, isolar Angola e outros países da Rússia e depois o resto logo se vê. Além das milionárias viagens que o Presidente faz, esta é mais uma milionária viagem que ele fez.

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