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Vida em França

“Grand Bal”: Música para “dançar até morrer”

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“Le Grand Bal”, da companhia francesa Dyptik, é uma ode à liberdade pela dança e pela música. A peça, apresentada na Bienal de Dança de Lyon, inspira-se numa pandemia de dança, em 1518, na cidade de Estrasburgo, e mostra uma vontade furiosa de libertação com nove bailarinos em transe. O décimo é a própria música que ocupa todo o espaço da sala, numa experiência imersiva. A viagem sonora, para “dançar até morrer”, é assinada por Patrick de Oliveira que conversou com a RFI.

"Le Grand Bal", Compagnie Dyptik.
"Le Grand Bal", Compagnie Dyptik. © Compagnie Dyptik
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Patrick de Oliveira, Compositor da peça "Le Grand Bal" que estreou na Bienal de Dança de Lyon. Le Radiant-Bellevue, Lyon, 21 de Setembro de 2023.
Patrick de Oliveira, Compositor da peça "Le Grand Bal" que estreou na Bienal de Dança de Lyon. Le Radiant-Bellevue, Lyon, 21 de Setembro de 2023. © Carina Branco/RFI

RFI: Que grande baile é este? O que é que conta esta peça?

Patrick de Oliveira, Compositor: Esta peça conta à vontade dos coreógrafos de transmitirem uma mensagem de libertação do corpo, mas também da mente. O objectivo principal nesta peça é tentar atingir um estado de transe e foi o que eu tentei também fazer com a música.

Em todo o espectáculo, sob diferentes ritmos, ouvimos uma frase portuguesa que resume talvez a história do espectáculo. O que diz a letra e quem é que a criou?

Quem a criou fui eu. Eu não sou poeta, mas precisávamos de uma letra que correspondesse ao máximo à dramaturgia. A letra é: “Para mim, para ti, eu não vou parar. Para mim, para ti, eu não vou largar. Para mim, para ti, eu vou continuar, até à morte se sentar no meu lugar.”

O que é que isso quer dizer no âmbito da peça?

A peça é um pouco isso. Do início até ao fim, os bailarinos nunca param, até estarem com um cansaço muito grande. É um fenómeno de grupo e da entreajuda e o objectivo é dançar até ao fim, até não poder mais, e é uma metáfora da vida.

Dançar até morrer?

Sim.

O espectáculo é também um concerto coreografado, ritmado por música electrónica, techno, e a tal frase em português. Como é que descreve a música que compôs?

Acho que você descreveu bem. Ao nível da música, eu tenho muitas influências e foi o que eu tentei fazer neste espectáculo. Já trabalho com esta companhia de dança - trabalho com várias - mas com esta companhia já há 12 anos...

Desde que foi criada, então?

 Sim, desde a fundação e eles dão-me uma grande liberdade. Confiam em mim e eu tentei neste neste espectáculo pôr tudo o que eu gosto. Quer dizer, melodias, ritmo, passar de energia mais techno, mais electrónica, para passagens musicais mais tradicionais, com instrumentos mais tradicionais. E foi mesmo isto. Eu tentei mesmo fazer uma viagem. Uma viagem sonora que passa por várias paisagens.

E que imagens é que ajudaram à criação dessa paisagem? Nota-se que a inspiração portuguesa esteve lá porque podia ter escrito em francês, mas escreveu em português. Que imagens é que lhe vieram à cabeça para criar e compor?

No meu processo de criação, muitas vezes eu trabalho em directo com os bailarinos. Isto foi a inspiração principal para mim. Para mim é muito importante ver os corpos dos bailarinos. Um corpo, mesmo parado no palco, mesmo se não dança, ele vai-me inspirar. Eu acho que cada pessoa tem uma música. Você tem uma música, eu também tenho uma música. O trabalho é como ser uma mosca que vai passear no palco e tentar transcrever o corpo.

Porquê escrever em português esta letra? Porque é uma letra que vai quase à origem da vida e da morte...

Sim. Porque eu tenho raízes muito importantes. Portugal, para mim, está no meu sangue...

Mas nasceu em França?

Nasci em França, mas os meus pais são portugueses e sempre tive um... Não sei como é que se diz, mas você entendeu... Quero dizer que mesmo vivendo em França, tenho sempre o meu coração um pouco lá e o que a letra e o espectáculo conta fez-me pensar nas minhas raízes. Até agora, nos espectáculos que fiz com a companhia Dyptik, tentei abordar mais sonoridades orientais, também dos países de Leste e, desta vez, eu quis aproveitar para representar um pouco as minhas raízes e Portugal.

Também há uma espacialização do som. Não é só do palco que surge o som, ele surge também do meio do público, do fundo da sala. Como é que funcionou e até que ponto é que a quarta parede do teatro não foi atravessada?

Foi um objectivo desde o início da criação. Eu compus a música sempre pensando que no dia em que íamos apresentar este espectáculo em frente ao público, eu sempre tive na mente que a minha música tinha que ser imersiva. Foi o que tentei fazer com esta música, tentar mesmo fazer com que o público não se sinta no exterior, mas que se sinta mesmo dentro da peça. Claro que os bailarinos participam nisso e a música também. Foi este o objectivo: que o público não seja só público, que faça mesmo parte integrante do espectáculo.

E o público dança durante o espectáculo?

Para já não, mas acho que um dos objetivos vai ser isso.

Um espectáculo, em geral, é uma obra de arte total, em que o jogo, a dança, o som, a luz exprimem ideias ou sensações, mas nesta obra sinestésica, neste grande baile ou último baile, a criação musical talvez seja a personagem principal... Ou não?

Não sei se é a personagem principal, mas é um dos bailarinos!

Nós acabámos por passar dois anos de pandemia que imobilizou os corpos, os prendeu em casa. Aqui, a peça parece contar um motim, uma rebelião de corpos contaminados pela febre da dança. A peça acaba por ser um apelo político à libertação colectiva pela dança e pela música?

Sim, sim, é mesmo isso. O objectivo é mesmo esse. É mesmo um apelo à libertação. Estamos numa sociedade onde os corpos são cada vez mais oprimidos, prisioneiros, com a importância dos ecrãs, pronto, a sociedade actual... Mesmo se há lados também positivos nisso, é verdade que não há aquela libertação que podia haver há anos e foi isso que tentámos também transmitir.

Também assina a composição sonora da peça “Intro”, da coreógrafa Mellina Boubetra, que é apresentada na Bienal de Dança de Lyon no âmbito da plataforma de artistas emergentes.  Como é que descreve esta paisagem sonora de “Intro”?

É uma paisagem sonora muito mais electrónica, essencialmente electrónica. São três bailarinas. É uma peça também baseada muito sobre a energia e é uma peça que não é feminista mas é uma peça feminina. São três mulheres que dançam e é uma peça que podemos sentir várias sensações e emoções que passam pelo riso como por emoções um pouco mais fortes. Quando digo que é uma peça feminina, é óbvio que também é feminista, mas a Mellina não fez isso com esse objectivo.

Tem duas peças para as quais assinou as composições musicais nesta 20ª edição da Bienal de Dança de Lyon. É compositor e músico autodidacta. Qual é o seu percurso nas artes do palco?

Eu comecei aos 15 anos. Fui mesmo autodidacta. No início, foi tocar guitarra, piano, bateria, fiz algumas bandas com amigos. Fizemos vários concertos e os anos passavam e eu só pensava nisso. Tive um percurso que não tinha nada a ver com a música, fui professor alguns anos, mas eu não me sentia feliz. Sentia que não era a minha direcção, não era a vida que eu queria. Então, de um dia para o outro, decidi parar o trabalho, visto do exterior como mais sério ou mais estável, para tentar a minha sorte na música.

Muito rapidamente, fiz os bons encontros no bom momento, foi um pouco de sorte também. Pude participar em algumas peças de teatro, algumas peças de dança e de uma peça à outra as pessoas começaram a ouvir a minha música e ficaram interessadas pela minha música. Comecei a encontrar cada vez mais pessoas que estavam interessadas no meu trabalho e já há 15 anos que faço essencialmente música para o teatro - é mais música cinematográfica quando é para o teatro - e também para a dança.

Agora, já não faço concertos, mas pode-se ouvir músicas minhas em algumas plataformas digitais.

Quer falar-nos um pouco sobre a sua ligação com Portugal?

A minha ligação é uma ligação simples. Os meus pais são portugueses, emigraram como inúmeros portugueses nos anos 70 e a minha ligação é essa. Como muitos emigrantes também, eu ia lá muitas vezes durante o verão.

No “Querido Mês de Agosto”?

No “Querido Mês de Agosto”, mas eu preferia o mês de Julho! E agora que já não estou na secundária, já posso ir a Portugal noutros períodos que não só o Verão e que são os melhores períodos para descobrir realmente os portugueses e Portugal.

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