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“O corpo é uma catedral” na Bienal de Dança de Lyon

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O espectáculo “Liberté Cathédral” constrói uma arquitectura humana, um edifício que dança e se equilibra em torno de gestos, contacto e sons. Esta é uma catedral que não tem paredes, mas que se ergue com os mais de 20 bailarinos porque “o corpo é uma catedral e liberdade”, resume uma das intérpretes, a brasileira Naomi Brito. A peça foi apresentada na Bienal de Dança de Lyon e é uma criação do Tanztheater Wuppertal Pina Bausch, do seu novo director Boris Charmatz e da companhia Terrain.

Espectáculo “Liberté Cathédral” de Boris Charmatz, Companhia Tanztheater Wuppertal Pina Bausch.
Espectáculo “Liberté Cathédral” de Boris Charmatz, Companhia Tanztheater Wuppertal Pina Bausch. © Tanztheater Wuppertal Pina Bausch
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Naomi Brito, Bailarina da companhia Tanztheater Wuppertal Pina Bausch. Usines Fagor, Lyon, 22 de Setembro de 2023.
Naomi Brito, Bailarina da companhia Tanztheater Wuppertal Pina Bausch. Usines Fagor, Lyon, 22 de Setembro de 2023. © Carina Branco/RFI

RFI: Como é que descreve esta peça?

Naomi Brito, Bailarina: Esta peça é desafiadora. Muitos desafios, descobertas também.

Porque é que o espectáculo se chama “Liberdade Catedral”?

Do que eu entendi, para mim, são liberdades humanas dentro de todos esses padrões que a gente vive e, se construirmos coisas, a gente pode dizer que nosso corpo é a nossa catedral e a nossa liberdade.

A peça está dividida em várias partes que também constroem o edifício de uma catedral. Primeiro os cânticos, depois os sinos, depois os órgãos, depois os silêncios e a música Fuck de Pain Away de Peaches, antes de tudo parecer desabar para se voltar a reerguer graças ao corpo colectivo. Como é que foi criar todos estes espaços e a evolução entre eles?

Como eu disse no começo, foi desafiador. Eu acho que nunca cantei e dancei ao mesmo tempo e aqui a gente teve que aprender a fazer isso. Foi um processo muito desafiador e nasceu isto.

Como é que vê o seu papel, a sua partitura nesta peça? Que emoções sentiu e quer partilhar com o público?

O que eu senti? Liberdade? Essa desconstrução para construir. Eu senti isso.

Aqui a catedral não é, de certa forma, o oposto de liberdade? A expressão da opressão, nomeadamente com o capítulo dos silêncios? Porque estes silêncios têm um peso… O que é que eles significam?

[Naomi fica em silêncio] O peso do silêncio. Sentiu?

Esse silêncio, na peça, parece remeter para os abusos sexuais na igreja…

Isso… [Silêncio]

A peça surge depois de termos vivido a pandemia e depois de os corpos terem sido obrigados a confinar-se e a afastar-se uns dos outros. O coreógrafo Boris Charmatz falou na frase bíblica de Cristo para Maria Madalena Noli me tangere [Não me toques], depois da ressurreição… Nesta peça, vocês tocam o público, vocês interagem com o público. É um apelo ao reencontro?

Acredito que sim. É.

Como é que o público reage? O público ainda está “preso”?

É diferente o público a que a gente se apresentou em Wuppertal e o público aqui em França.

Porquê?

São seres humanos diferentes. Países diferentes também. Outra linguagem também. Tem esse distanciamento porque eu não falo francês. Mas tem esse almejo pelo encontro, tem. Existe.

Como é trabalhar na companhia criada por Pina Bausch sem Pina Bausch?

Eu acredito que trabalhar na companhia de Pina Bausch ainda tem Pina Bausch.

O que subsiste de Pina Bausch?

A presença dela ainda está lá. A presença dela…

Como é que se transmite essa presença? São os bailarinos que ainda lá estão e que trabalharam com ela?

Com certeza, sim. E energia.

Esta é a primeira criação de Boris Charmatz para o Tanztheater Wuppertal Pina Bausch, ele que é o novo director artístico da companhia. Como foi trabalhar com ele?

Foi bom. Ele desafiou a gente a fazer muita coisa, fez a gente aprender muita coisa. Eu acredito que tem muita aprendizagem e desafios também.

O que é que mais aprendeu?

O que mais aprendi? Acho que trabalhar colectivamente, tão perto de pessoas, não sei, este colectivo tão junto. Eu acho que eu nunca trabalhei assim antes, com tanta gente, 20 pessoas. Colectividade, aprendi isso.

Quando estamos a ver toda a peça, vemos um corpo colectivo, mas sentimos as emoções de cada bailarino individualmente. Como é construir esse corpo colectivo, partindo de cada um?

O individual cria o colectivo. Cada um traz a sua história e a gente conta o todo.

E como foi o processo de criação da peça? Parece que é tudo muito improvisado, mas está tudo escrito.

Sim. A gente tem essa liberdade de construir o que a gente quiser com o nosso corpo, a mensagem que a gente quer passar, mas tem algo escrito que a gente tem que seguir. Por exemplo, seguir os sinos, dançar ao mesmo tempo que a gente está cantando, parar quando tem silêncio, começar de novo quando se canta de novo.

Quando tocavam os sinos, a Naomi tinha um gesto repetitivo. Que gesto era esse?

De um sino! [Risos] Eu não sei, pensei num relógio bem grande!

Durante a sua vida, Pina Bausch quis integrar bailarinos diferentes, com formações diferentes, corpos diferentes. A Naomi é a primeira bailarina transgénero da companhia, que integrou em 2020. O que representa?

É babado! [Risos] Não sei se essa palavra existe em Portugal, mas no Brasil a gente fala que é babado.

O que é que isso quer dizer?

Acho que não consigo traduzir. Significa muito para mim, mas também existe o peso de existir num lugar pela primeira vez, um corpo existir num lugar pela primeira vez. Então, é babado com esse peso de existir num lugar pela primeira vez.

A dança pode contribuir para mudar o olhar das pessoas e para integrar corpos que até agora foram invisíveis?

Com certeza, com certeza. Eu costumava pensar: se não for no meio da arte, onde é que o meu corpo cabe? Politicamente, mesmo não querendo, também acredito que eu sou um corpo político, mesmo não querendo ser. Mas eu acredito que sim. Com certeza.

Ou seja, foi a arte que lhe deu o seu espaço?

Sim, com certeza. Acredito que sim, mas eu também dei o meu espaço a mim mesma antes da arte.

E para terminarmos, quando é que começou a dançar e o que é que a dança representa para si?

Comecei a dançar com seis anos, em Paracuru, uma cidade no Brasil. Agora tenho 26. O que a dança representa para mim é estar viva. Dançar representa a minha vivência, esse meu almejo por continuar estando viva.

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