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Vida em França

Mário Macilau venceu prémio de fotografia em França

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O moçambicano Mário Macilau venceu o prémio francês de fotografia Roger Pic 2023, com um trabalho intitulado “Fé”, em que retrata crenças e ritos tradicionais em Moçambique. A distinção vai ser acompanhada por uma exposição na galeria Fisheye, em Paris, de 12 de Setembro a 21 de Outubro.

Fotografia de Mário Macilau da série "Fé".
Fotografia de Mário Macilau da série "Fé". © Mário Macilau
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Significa encorajamento, reconhecimento do meu trabalho, elevação daquilo que é a bandeira moçambicana e, também, tentar colocar Moçambique num mapa mundial a nível das artes”, começou por descrever Mário Macilau à RFI sobre este prémio que, anualmente, distingue “um portfolio fotográfico testemunha de um olhar humanista e generoso”.

Para o fotógrafo moçambicano, “esse prémio vem provar que não interessa a fronteira, não interessa a língua, não interessam as barreiras sociais, sejam políticas, religiosas” porque “no final do dia, se o trabalho falar por si, não há nada que possa bloquear”.

O anúncio foi feito a 11 de Abril pela Scam (Sociedade Civil dos Autores Multimédia). Em comunicado de imprensa, o júri da 31a edição do prémio francês Roger Pic distinguiu o fotógrafo moçambicano que descreve como “uma das figuras de proa da nova geração de artistas moçambicanos”, cuja obra versa sobre “identidade, questões políticas e condições ambientais” e que trabalha com “grupos socialmente isolados para sensibilizar o público para várias injustiças e desigualdades sociais”.

O trabalho distinguido é a série “Fé”, que “documenta a prática contemporânea do animismo em Moçambique", com as "religiões tradicionais a admitirem a existência de espíritos individuais que se manifestam nos objectos e fenómenos naturais”. “Como tal, os espíritos dos antepassados podem afectar os vivos. A preservação das culturas ancestrais moçambicanas leva à transmissão de saberes: medicina tradicional, curas, ritos de passagem, regras de vida comunitária, etc. Essas práticas religiosas reflectem uma concepção particular de Deus e do cosmos”, pode ler-se no documento.

O prémio conta com um valor monetário de 5.000 euros, atribuído pela Associação Scam Vélasquez, e uma exposição na galeria Fisheye de 12 de Setembro a 21 de Outubro de 2023 que vai mostrar o conjunto de fotografias da série “Fé”.

Vêem-se momentos felizes, como pessoas adorando a Deus na praia; vêem-se crianças, mulheres, homens ; vê-se a relação entre o poder celestial ou espiritual ou das cerimónias dos rituais e o mar, o espaço, a natureza. Como a maior parte do projecto foi feito na praia, é inevitável não ver alguns traços das pessoas que vão para esses espaços”, descreve o artista que vive entre Portugal, Moçambique e a África do Sul.

Ainda que o trabalho esteja ligado ao “movimento religioso tradicional” dos Maziones, as imagens vão muito além. “O trabalho foca em tudo aquilo que acontece na vida real” e inspira-se das memórias de criança do fotógrafo, quando ainda se dava valor aos ritos e aos saberes das comunidades. Hoje, não é bem assim. “As pessoas foram ensinadas a não terem orgulho dos seus próprios valores, da sua própria cultura, daquilo que é comum a nível local. Notei que a maior parte dos jovens se afastavam muito desse movimento tradicional religioso: frequentavam em segredo, mas publicamente tinham vergonha de dizer de onde vêm, o que fazem, se acreditam, porque têm medo de serem mal vistos pela sociedade.

Mário Macilau começou a trabalhar neste tema em 2011 e nunca o abandonou porque quis resgatar esta identidade, numa tentativa de resistência e de valorização. “É algo que está mais ligado à preservação da cultura local e tentar mostrar à comunidade que não tem nada de errado se alguém frequenta esse grupo ou esse movimento religioso normal. É uma crença como qualquer outra crença.” Para isso, fez sempre um trabalho de imersão nas comunidades e a confiança foi sempre a senha de entrada. “É preciso ir com muita calma. É preciso ir com muita cautela. É preciso fazer com que as pessoas confiem em ti e que tu também confies nas pessoas. Não é um trabalho de um dia para o outro.”

A memória, a identidade, a herança, o passado e o presente são temas transversais ao trabalho de Mário Macilau – tanto é que, em 2021, em Paris, expôs um trabalho intitulado “Círculos de Memória”. Em “Fé” a convicção é a mesma. “A fotografia é uma forma de congelar momentos, de congelar as pessoas numa determinada idade, numa determinada cultura, numa determinada forma. A fotografia tem o poder de servir como testemunha, de revelar diversas coisas. A nossa própria memória é capaz de nos trair, a fotografia é inalterável”, conclui Mário Macilau.

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