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Cotas raciais no futebol: um caso que choca a França

Caso sobre discriminação racial no futebol francês completa uma semana. Dia após dia, mais fatos são revelados, naquele que já pode ser considerado um dos maiores escândalos do esporte na França. Cronologia do caso.  

O técnico da seleção francesa, Laurent Blanc
O técnico da seleção francesa, Laurent Blanc Reuters
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Flávio Botelho, em colaboração para a RFI

Uma semana após a revelação do caso de discriminação racial no futebol francês, feita pelo site "Mediapart", o caso continua a repercutir na comunidade esportiva e imprensa do país. Durante a semana, a Federação Francesa de Futebol (FFF) iniciou as investigações sobre esta denúncia discriminatória. Em uma reunião no último dia 8 de novembro, dirigentes da alta cúpula do futebol francês, dentre eles o treinador dos "Bleus", Laurent Blanc, discutiram a instauração de uma política de cotas raciais para garotos negros e árabes, de idades entre 12 e 14 anos, nos centros de formação do país.

A FFF argumentou que as acusações de discriminação racial são exageradas, dizendo que o verdadeiro motivo seria a questão da dupla nacionalidade: jogadores que fazem toda a pré-formação em território francês e optam por defender as cores do outro país quando profissionais. Até agora, somente François Blaquart, membro do Direção Técnica Nacional (DTN, sigla em francês), foi suspenso por uma semana de suas atividades no último sábado. Porém, com o andar da carruagem, Laurent Blanc corre o sério risco de perder o seu cargo à frente da seleção francesa de futebol.

A gravação

Após a primeira rodada de depoimentos na sede da FFF, que aconteceu na última terça-feira, algumas peças do quebra-cabeça começaram a ser montadas. Primeiro: quem teria gravado a reunião, que culminou nesse novo turbilhão que assombra o futebol francês? Trata-se de Mohamed Belkacemi, responsável pelo futebol de bairro do DTN e auxiliar-técnico da equipe de futsal sub-21 da França. Em entrevista à "Infosport" nessa última quarta-feira, Belkacemi fez um profundo desabafo.

Mohammed Belkacemi, membro técnico do diretório nacional da FFF
Mohammed Belkacemi, membro técnico do diretório nacional da FFF FFF

"Eu fiz e faço meu trabalho com consciência, respeitando as regras sem me esconder. Gravei a reunião do dia 8 de novembro para ter algo que pudesse comprovar as conversas absurdas que já havia ouvido antes. Levei a única cópia à Federação no dia seguinte. Depois dessa data (9 de novembro), a gravação não estava mais em minhas mãos, estava em posse da FFF. Não levei essa gravação para nenhum jornalista. Essa tempestade midiática que estão fazendo sobre isso não me interessa. No momento, também estou me perguntando, como todo mundo, quem seria o interessado em fazer vazar o conteúdo dessa gravação. No que me diz respeito, não sou eu, é o que posso dizer. Estou triste pelo futebol. Estou triste pelos garotos", disse.

Após o vazamento

Se Belkacemi levou a fita com a gravação à Federação no dia seguinte à reunião, a quem ele teria entregado? A resposta: entregou-a a André Prévosto, diretor-adjunto da FFF e responsával pela Liga de Futebol Amador da França. O grande questionamento no momento é saber a causa da revelação da transcrição dessa reunião, seis meses depois de ter acontecido. O presidente da Federação Francesa de Futebol, Fernand Duchaussoy, disse não haver tido conhecimento da discussão dessa política de cotas raciais nos centros de formação até o surgimento dos artigos publicados pelo "Mediapart".

O presidente da Federação Francesa de Futebol, Fernand Duchaussoy
O presidente da Federação Francesa de Futebol, Fernand Duchaussoy AFP

Prévosto, em depoimento à comissão de investigação da FFF na última terça-feira, confirmou a versão do presidente da FFF. "Sou completamente sincero quando afirmo que nunca tinha ouvido falar disso até a última quinta (28 de maio). Nesse dia, André Prévosto trouxe essas informações para mim. Não sei porque ele fez isso, talvez para me proteger", afirmou Duchaussoy ao diário esportivo "L'Équipe" nessa última quarta-feira. Ainda segundo o jornal, André Prévosto é um dos dirigentes mais próximos de Duchaussoy e também seria o diretor da campanha dele para as eleições para a presidência da Federação Francesa de Futebol, marcadas para o próximo dia 18 de junho. Duchaussoy também afirmou ao "L'Équipe" que não tem pretensão de renunciar ao seu atual cargo na FFF.

Investigações

O início das investigações na Federação Francesa de Futebol não impediram, no entanto, a abertura de um inquérito também no Ministério dos Esportes francês. Chantal Juanno, ministra do esporte, disse que ambas investigações ocorrerão separadamente. "Não quero participar de um processo de desestabilização da FFF. Não estamos aqui para fazer uma caça às bruxas. Não tenho nenhum motivo para duvidar da sinceridade do presidente da Federação nem de seu vice, Noël Le Graët. Estou aqui para determinar se houve ou não algum tipo de delito, estou aqui para fazer a lei prevalecer", afirmou ela em entrevista ao "L'Équipe" nessa última quarta-feira.

Chantal Jouanno, ministra dos Esportes da França
Chantal Jouanno, ministra dos Esportes da França Reuters

Após o escândalo com os "Bleus" durante a Copa do Mundo de 2010 (onde os jogadores fizeram greve em protesto ao afastamento do atacante Nicolas Anelka, que havia discutido com Raymond Domenech, à época técnico da seleção), a ministra também expressou um lado pessimista quanto à continuação do escândalo: "Em todo o caso, o esporte francês e a República sairão perdedores".

Consequências e reações

As investigações continuam até o final dessa semana. Laurent Blanc, que atualmente se encontra em Merano, no norte da Itália, deve ser ouvido nos próximos dois dias pela comissão de investigação da Federação Francesa de Futebol. O destino de Blanc, contudo, ainda é incerto. Ainda não se sabe ao certo se ele continuará no cargo impune, ou se ele será suspenso ou demitido. O site do "L'Équipe" lançou uma enquete nesta quinta-feira para saber a opinião dos franceses sobre a manutenção ou não do atual técnico da seleção do país.

O ex-jogador Lillian Thuram
O ex-jogador Lillian Thuram Reuters

Mesmo sem uma definição sobre o futuro do atual treinador dos Bleus, suas declarações na reunião do DTN do dia 8 de novembro, embrião de toda o escândalo, provocaram diversas reações de antigos companheiros de Blanc, que fez parte do grupo francês campeão do mundo em 1998. Lilian Thuram, ex-jogador e recordista de convocações para a seleção da França (142) é um dos que está mais reagindo ao caso. Fundador de uma ONG (Fundação Lilian Thuram - Educação contra o racismo), ele deu uma entrevista ao "Mediapart" na última segunda-feira em que repudia a postura da alta cúpula da FFF. "Se deixarmos passar essa situação, imagine a mensagem que estaremos passando para a sociedade francesa. Nós estamos lidando com uma situação clara de discriminação racial. É preciso dizer: chega. Pouco importa quem está envolvido. É aceitável que ele (Blanc) esteja de acordo com essa ideia de discriminar garotos de 12 anos?", disse Thuram.

Além de Thuram, outro antigo companheiro de Blanc em 1998 também deu sua opinião: Patrick Vieira, ex-capitão dos Bleus e atualmente jogador do Manchester City, da Inglaterra, se disse escandalizado em entrevista ao jornal vespertino "Le Monde", na edição dessa sexta-feira (6 de maio). "Essa história é um escândalo. Não poderia jamais imaginar que os dirigentes do futebol francês pudessem discutir temas como esse, sobre a seleção da França, na sede da Federação! Essas pessoas não podem continuar nos seus cargos. Não esqueçamos: eles são a elite do futebol francês. São eles que vão traçar os rumos do futebol francês de amanhã. Se eles continuarem, será uma porta aberta a todo tipo de discriminação", afirmou Vieira.

Apesar da situação incômoda, Laurent Blanc também recebeu apoio por parte da comunidade esportiva da França. Christophe Dugarry, outro remanescente do grupo de 1998 e comentarista do "Canal +", criticou o comportamento de Lilian Thuram em entrevista à "Infosport". Segundo ele, "o que me incomoda nele (Thuram) e esse fato de ele querer atuar como uma espécie de juiz da corte suprema. Ele quer dar lições de comportamento em todo mundo. Tenho a impressão de que ele quer tentar dividir o futebol francês. Creio que ele esteja sendo duro e agressivo demais contra o Blanc".

O atual treinador da seleção francesa também recebeu apoio de um de seus comandados: Alou Diarra, volante do Bordeaux e atual capitão dos Bleus. Os dois tem um passado recente de conquistas juntos: antes de assumir o cargo de técnico da França, Laurent Blanc foi o comandante do título francês do Bordeaux na temporada 2008/2009. Em coletiva de imprensa do clube na tarde desta quinta-feira, Diarra reforçou o argumento utilizado por Blanc para se defender das acusações, se dizendo "um bom exemplo de dupla nacionalidade". "Eu já conversei com ele (Blanc) e eu senti que ele sempre foi tolerante, por isso que fico surpreso quando o vejo sendo catalogado de racista. A cor da pele e a origem nunca foram critérios de escolha por ele, ao contrário das qualidades técnicas", disse Diarra.

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