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China

China: "A 'nova ordem' das potências autoritárias é a guerra" - Carlos Gaspar

Decorre desde domingo e ainda até ao dia 22 de Outubro o 20° congresso do Partido Comunista Chinês, um congresso durante o qual se antevê a recondução de Xi Jinping como líder do partido e do país por um novo mandato de 5 anos, depois totalizar dez anos no poder.

Presidente Chinês durante a cerimónia de abertura do 20° congresso do Partido Comunista da China no passado dia 16 de Outubro de 2022.
Presidente Chinês durante a cerimónia de abertura do 20° congresso do Partido Comunista da China no passado dia 16 de Outubro de 2022. REUTERS - THOMAS PETER
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Durante a cerimónia de abertura do congresso, perante dos 2.300 delegados do partido, o Presidente chinês fez um balanço dos últimos 5 anos. No seu discurso, Xi Jinping enunciou algumas das suas prioridades, nomeadamente a anexação de Taiwan pela China. Algo que não escapou à atenção do secretário de Estado americano para quem "Pequim está determinado em buscar a reunificação com um cronograma muito mais rápido".

Outro tópico desenvolvido por Xi Jinping foi a apresentação do seu país como sendo uma alternativa aos países ocidentais. "A modernização 'à chinesa' oferece à Humanidade uma nova opção para se modernizar", declarou o Presidente chinês que apesar de reconhecer que o seu país está a conhecer um "momento crítico" no seu crescimento económico, não insistiu muito nesta matéria.

Efectivamente, pela primeira vez desde há muitos anos, a China adiou a publicação -prevista para esta terça-feira- dos seus resultados económicos. No primeiro trimestre deste ano, dados oficiais apontavam que o PIB da China tinha progredido 4,8% em relação ao mesmo período no ano anterior. No segundo semestre, a evolução já foi só de 0,4%. Vários especialistas consideram que é irrealista a China apostar num crescimento de 5,5% este ano. Na semana passada, o Fundo Monetário Internacional, baixou as suas previsões de crescimento da China para 3,2% em 2022.

Relativamente a este que é considerado o pior desempenho económico da China em quatro décadas, exceptuando o período da crise da covid, têm surgido críticas às opções do executivo de Xi Jinping, nomeadamente a sua política do "zero covid". Segundo estas vozes discordantes que vêm de fora mas também do interior do próprio aparelho do poder chinês, a paralisação inerente ao "zero covid" levou a um abrandamento significativo da economia chinesa.

Em entrevista concedida à RFI, Carlos Gaspar, investigador sénior do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI) e autor de várias obras nomeadamente "O Fim da Europa", um livro que acaba de lançar na semana passada, considerou que o 20° congresso do PCC é um "congresso de continuidade" e também evocou o que qualificou de "péssimos resultados em sectores críticos da economia chinesa".

RFI: Em que contexto decorre o congresso do PCC?

Carlos Gaspar: O 20° congresso do Partido Comunista da China é o contrário do célebre 20° congresso do Partido Comunista da União Soviética em 1956. O congresso que marcou a ascensão de Krutchev em 1956 marcou uma mudança radical na evolução do regime e do bloco soviético. No 20° congresso do Partido do Partido Comunista da China, alguns tinham esperança igualmente num congresso de mudança, mas é o contrário. é um congresso marcado pela continuidade. Não há nada de novo no 20° congresso do Partido Comunista da China que inclusivamente vai apenas, na parte relevante do ponto de vista politico, interinar a continuidade do secretário-geral Xi-Jinping que ao contrário dos seus antecessores, Jiang Zemin e Hu Jintao, vai eternizar-se no poder. Não vai reduzir o seu exercício como secretário-geral a dois mandatos sucessivos, é um período de dez anos, e quer eternizar-se no poder. É sob esse signo da continuidade que se está a realizar o 20° congresso do Partido Comunista da China.

RFI: No lançamento deste 20° congresso do PC, Xi Jinping teve um discurso bastante triunfalista que contrasta com a recusa da China em publicar actualmente os seus resultados económicos. Como é que se deve interpretar isto?

Carlos Gaspar: Justamente, é a primeira vez desde há muitos anos que o crescimento da China é inferior ao crescimento dos seus parceiros asiáticos. Durante décadas, a China foi o país asiático que mais cresceu e, neste momento, é o que menos cresce. Todos os outros países asiáticos crescem mais do que a China. Nós sabemos isso porque lemos as estatísticas do Fundo Monetário Internacional. Mas os chineses não sabem isso e vão continuar a não saber porque a China proibiu a divulgação em pleno congresso dos resultados do Produto Interno Bruto para este ano que, de resto, dão razão às críticas que o Primeiro-Ministro Li Keqiang fez em relação à política de Xi Jinping sobre o combate à epidemia do covid-19. São maus resultados, são péssimos resultados em sectores críticos da economia e foi Li Keqiang, que vai sair agora no 20° congresso, quem criticou -e criticou de uma maneira explícita- o secretário-geral, o Presidente Xi Jinping por se obstinar nessa política e o congresso vai manter essa política. Mais uma vez, há aqui uma oportunidade perdida de emendar uma política que está manifestamente a prejudicar seriamente a China e a criar níveis de desemprego sem precedentes nos últimos anos.

RFI: Paralelamente, enquanto está a decorrer o congresso, o Secretário de Estado americano Antony Blinken afirma que "os planos da China para anexar Taiwan estão a avançar com um calendário muito mais rápido."

Carlos Gaspar: É bem conhecido. O próprio o tem repetido. Xi Jinping quer resolver a questão de Taiwan e integrar se for necessário pela força Taiwan na República Popular da China durante o seu mandato. Isso significa que isso pode acontecer num prazo relativamente curto. O seu mandato termina daqui a 5 anos. Nós estamos a falar de uma situação em que existe um risco de guerra rela entre a República Popular da China e Taiwan. É Xi Jiping quem tem dito repetidamente que não quer deixar a questão de Taiwan para a próxima geração e que a quer resolver ele próprio durante o seu mandato.

RFI: O congresso também decorre numa altura em que continua ainda a decorrer a guerra na Ucrânia. A China era até agora oficialmente neutra, mas tende a mostrar cada vez mais -ainda que discretamente- o seu apoio à Rússia.

Carlos Gaspar: A neutralidade da China é uma falsa neutralidade desde a primeira hora. Na véspera da invasão da Ucrânia, Putin e Xi Jinping assinaram uma declaração conjunta em que proclamaram a "amizade sem limites da China e da Rússia". Desde aí, o apoio da China à Rússia tem sido constante e aparentemente inabalável. Mas as elites chinesas estão divididas sobre a guerra na Ucrânia e é notável que o Presidente Xi Jinping que apoia o Presidente Putin não tenha dito uma palavra sobre a guerra na Ucrânia no seu relatório ao 20° congresso, apesar de ser um relatório que demorou duas horas a ler.

RFI: Estamos a caminho da famosa "nova ordem" que Xi Jinping procura estabelecer?

Carlos Gaspar: A "nova ordem" das potências autoritárias é a guerra. Esperemos que não estejamos a caminho de uma guerra prolongada.

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