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História e geopolítica dos Jogos Olímpicos

JO Balcelona 92: Novas nações e o sonho de unidade

Em 1992, os Jogos Olímpicos de Barcelona foram marcados pela unidade das nações, depois de um longo período de conflitos, boicotes e mudanças políticas que tiveram lugar nos finais dos anos 80 e início da década 90.

Depois de um longo período de conflitos, boicotes e mudanças políticas, no final dos anos 80 e início da década 90, os Jogos Olímpicos de Barcelona, em 1992, estavam marcados pela unidade.
Соревнования по прыжкам в воду с 10-метровой вышки среди женщин во время предварительного раунда на Олимпийских играх в Барселоне, Испания, 26 июля 1992 года. На заднем плане виден храм Саграда Фамилия в Барселоне. 13-летняя спортсменка завоевала золотую медаль в этом виде соревнований. (AP Photo/Stephen Savoia) AP - Stephen Savoia
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Os Jogos Olímpicos Barcelona 92, que coincidiram com a unificação da Alemanha Oriental e Ocidental e o desaparecimento da União Soviética e da Iugoslávia, estavam marcados pelos aupícios da unidade.

Armando Calvo integrou o comité de organização dos Jogos Olímpicos de Barcelona em 1987, inicialmente como director-geral de tecnologia e infra-estruturas, mais tarde, como diretor-geral de operações e, durante os Jogos, como responsável da cidade Olímpica. Antes de se juntar à equipa olímpica, ele trabalhava para a Sony, em Espanha.

António Calvo reconhece que a trajectória não era atípica, na altura, ninguém no comité de organização dos JO de Barcelona tinha experiência na organização de grandes eventos desportivos.

“O maior desafio foi que ninguém no comité tinha experiência para organização um evento tão importante. Conversamos com pessoas que tinham trabalhado em outros comités de organização. No meu caso, estive três meses em Seul, em 1988, nas vésperas dos Jogos Olímpicos para acompanhar os preparativos”, lembra.

A delegação espanhola desfila, a 25 de Julho de 1992, durante a cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de Barcelona.
A delegação espanhola desfila, a 25 de Julho de 1992, durante a cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de Barcelona. AFP/Archives

O antigo director da cidade Olímpica considera que os Jogos Olímpicos são um desafio que ocorre de forma descentralizada, que exige preparação, sublinhando que é fundamental ter a equipa certa.

“Os Jogos Olímpicos são um evento que exigem preparação antecipada e que ocorrem de forma muito descentralizada. Isso também é um desafio, uma vez que é preciso entender que, uma vez que envia a equipa para o terreno, tudo o que foi planeado e previsto, ocorre de forma caótica. Portanto, é importante confiar na equipe e dar-lhes a liberdade necessária para tomar decisões. Quando algo acontece, por exemplo, no estádio, muitas vezes não há tempo para consultar os superiores. O problema deve ser resolvido em minutos, em segundos. Portanto, é importante escolher bem a sua equipe”, explica.

Morte de Freddie Mercury altera abertura dos JO

A abertura dos Jogos Olímpicos de Barcelona decorreu a 25 de Julho de 1992. O cenário da cerimónia inspirou-se nos mitos e lendas de Hércules, o fundador de Barcelona. Estava previsto que Freddie Mercury e Montserrat Caballé interpretassem ao vivo a música "Barcelona" na cerimónia de abertura, mas a morte de Mercury, oito meses antes dos Jogos, acabou por alterar a ordem do envento e nesse dia foi transmitida uma gravação dos músicos.

Na cerimónia de abertura, outra dupla - Sarah Brightman e José Carreras - cantou ao vivo "Amigos Para Siempre" de Andrew Lloyd Webber e Don Black, outra música icônica de Barcelona-1992.

A mascote dos Jogos Olímpicos de Barcelona era um pastor catalão, o Cobi, cujo o nome foi inspirado no acrónimo COOB’92 - Comité de Organização dos Jogos de Barcelona 1992. Cobi foi concebido pelo designer de Valência, Javier Mariscal. Quanto ao logotipo oficial dos Jogos, foi representado pela figura abstrata, um homem a saltar uma barreira, composta por cinco anéis olímpicos. Um trabalho do artista catalão, Josep Maria Trias.

Como todos os Jogos Olímpicos, a edição de Barcelona não escapou à influência do contexto geopolítico e diplomático. O historiador especialista em desporto Thierry Terre explica que entre 1989 e os Jogos Olímpicos de 1992, a história teve um avanço impressionante. A queda do Muro de Berlim, o regime comunista chegou ao fim na Europa Oriental e nos Balcãs estava em curso um activo processo geopolítico. Novas nações independentes estavam a formar-se, com a união de antigos adversários.  "Naquela época, os Jogos Olímpicos ocorreram em Barcelona, ou seja, num país que não enfrentava graves dificuldades geopolíticas, mas o mundo estava em chamas, estava a reconstruir-se", refere.

Em Barcelona, a Alemanha apresentou-se pela primeira vez, desde a sua reunificação, como uma única equipa.
Немецкая команда во главе с кокссманом из своей команды по гребле Манфредом Кляйном идет на Олимпийский стадион в Барселоне, Испания, суббота, 25 июля 1992 года. © AP - Dieter Endlicher

As novas nações

Em Barcelona, a Alemanha apresentou-se pela primeira vez, desde a sua reunificação, como uma única equipa. Armando Calvo relata que, em termos de preparação para os Jogos Olímpicos, a unificação da Alemanha comunista e capitalista não criou dificuldades especiais.

” Lembro-me de termos ido a reuniões com diferentes comités olímpicos nacionais. Na época, conheci representantes do Comité Olímpico da Alemanha Ocidental e da Alemanha Oriental. Mas, no final das contas, tudo aconteceu da maneira mais simples possível. A um determinado momento, eles informaram-nos que concorriam com uma única equipa e isso não causou nenhum problema na organização”, conta.

Armando Calvo recorda que o desafio mais significativo foi o surgimento de novos países no mapa olímpico devido ao colapso da URSS e da guerra nos Bálcãs.

“Os Balcãs viviam uma guerra e a Iugoslávia tinha deixado de existir. Para nós, isso significou a perda de todos os nossos contactos habituais, porque trabalhávamos com o Comité Olímpico Nacional da Iugoslavo. Nesse ano surgiram os Comités Olímpicos da Croácia, Eslovênia e Bósnia-Herzegovina surgiram”, nota.

O historiador Thierry Terre reconhece que para as nações recém-independentes, ter o próprio Comité Olímpico e participar nos Jogos Olímpicos eram sinais de reconhecimento internacional. O COI desempenhou, nesse sentido, quase um papel de fazedor de reis.

“O registo do Comité Olímpico Nacional de um novo país muitas vezes precedia a legitimidade nas Nações Unidas”, diz.

Pela primeira vez, a Bósnia Herzegovina, a Croácia e a Eslovénia foram representadas nos Jogos Olímpicos de 1992 como nações independentes. "Imaginem, na época, no início dos Jogos Olímpicos, não tínhamos um hino nacional para a Croácia ou para a Bósnia e Herzegovina. Pedimos-lhes que nos fornecessem uma bandeira e um hino. Tínhamos apenas a bandeira e o hino da Jugoslávia", lembra Armando Calvo.

Os Jogos Olímpicos de Barcelona foram ainda a primeira edição para a Estónia, a Lituânia e a Letónia que participaram como nações independentes, com as próprias equipas nacionais, depois do colapso da URSS. Ao contrário de outras repúblicas pós-soviéticas, as nações bálticas conseguiram registar os comités olímpicos nacionais a tempo, e a sua inscrição, interrompida durante a Segunda Guerra Mundial, foi restabelecida. Como resultado, equipas individuais e as delegações de cada um dos três países deslocaram-se a Barcelona.

Sérvia: Os atletas neutros

A Sérvia, por sua vez, conseguiu enviar a delegação para os Jogos Olímpicos, desde que os atletas competissem com base na neutralidade olímpica. Armando Calvo, responsável pela cidade olímpica de Barcelona 1992, explica que os organizadores receavam que a guerra nos Balcãs criasse conflitos entre as delegações e que, por isso, um espaço especial foi preparado na cidade Olímpica para os atletas sérvios. No entanto, as interacções entre as equipas nacionais da ex-Jugoslávia não apresentaram problemas durante os Jogos Olímpicos.

"Na cidade Olímpica, durante a competição não houve qualquer problema. Eu próprio testemunhei a interação entre os atletas sérvios e croatas, vi como, na cantina da Vila Olímpica, os sérvios e croatas se sentavam lado a lado, à mesma mesa, e não houve qualquer problema", garante.

Armando Calvo recorda, no entanto, que os atletas sérvios, no entanto, não tinham a sua própria bandeira nem hino nos Jogos de Barcelona.

"Do ponto de vista desportivo, recordo que a equipa iugoslava de basquetebol foi seleccionada para o torneio olímpico, mas, uma vez que a Iugoslávia tinha deixado de existir, a Federação Internacional teve de encontrar um substituto para a equipa. Os sérvios participaram nos Jogos Olímpicos de 1992 como atletas olímpicos independentes, ou seja, competiram apenas nas modalidades individuais. E quando entravam no estádio ou ganhavam medalhas, usávamos a bandeira e o hino do movimento olímpico", sublinha.

Além disso, durante a guerra nos Balcãs, o comité de organização dos Jogos Olímpicos de Barcelona e os habitantes da cidade prestaram ajuda humanitária à população da outra cidade olímpica - Sarajevo, anfitriã dos Jogos de Inverno de 1984.

A Equipa Unificada

Em 1991, a URSS colapsou. Os novos Estados independentes que surgiram não tiveram todos tiveram tempo de registar os comités olímpicos. Por essa razão, o COI tomou uma decisão excepcional, permitindo que os países competissem como uma equipa unificada da ex-URSS.

Esta equipa era composta por representantes da Arménia, Azerbaijão, Bielorrússia, Geórgia, Cazaquistão, Quirguistão, Moldávia, Rússia, Tadjiquistão, Turquemenistão, Ucrânia e Usbequistão. Nos protocolos oficiais das competições, a equipa era denominada "EUN", abreviatura de Equipa Unificada. A bandeira olímpica era hasteada para as vitórias dos membros da EUN nas competições por equipas, e a bandeira nacional do país de origem dos atletas era hasteada quando venciam competições individuais.

Na cerimónia de abertura, cada equipa (da Equipa Unificada - RFI) desfilava com a própria bandeira, mas à frente havia uma bandeira comum - a bandeira olímpica.

“Na cidade Olímpica, sempre que uma nova delegação chegava, era organizada uma recepção oficial para dar as boas-vindas aos recém-chegados, fazer um breve discurso, hastear a bandeira do país e ouvir o hino nacional. No caso da ex-URSS, recebemos uma delegação composta por 12 grupos, cada um representando uma antiga república, cada uma com a própria bandeira. Em homenagem a esta delegação, hasteámos a bandeira do movimento olímpico ao som do hino olímpico, detalha Armando Calvo.

"O legado olímpico”

"De alguma forma, colocamos Barcelona no mapa mundial", admite Armando Calvo, comentando o legado deixado pelos Jogos Olímpicos de 1992.

Os Jogos de Verão de Barcelona são frequentemente citados como um exemplo positivo da influência olímpica numa cidade. Durante os Jogos, a cidade empreendeu a modernização e a renovação de bairros inteiros. O exemplo mais marcante da transformação urbana olímpica é a zona portuária de Barcelona.

Na altura, decidiu-se construir a cidade olímpica perto da costa. Os novos bairros de cidade olímpica- Poblenou e Fórum- criaram uma nova imagem de Barcelona como uma cidade à beira-mar. O antigo porto industrial viu as águas serem limpas e foram criadas novas praias e áreas de lazer. Assim, essa área tornou-se num bairro residencial vibrante e uma grande atração turística. Barcos de turistas atracam no cais construído para os Jogos Olímpicos.

Armando Calvo afirma que desde os Jogos Olímpicos, o fluxo de turistas aumentou consideravelmente em Barcelona, mas destaca especialmente a importância do turismo marítimo com o surgimento de navios cruzeiro no porto da cidade.

Para Armando Calvo a participação na organização e realização dos Jogos Olímpicos de 1992 foi a oportunidade de fazer algo positivo para a comunidade.

"Eu juntei-me ao comité da organização depois de ter trabalhado numa empresa privada e, depois os Jogos Olímpicos, regressei ao sector privado. Estou orgulhoso de ter vivido a experiência do evento olímpica. Nunca imaginei que, na minha carreira profissional, teria a chance de trabalhar para as pessoas. E no comité de organização, tive a sorte de criar algo para as pessoas, para os habitantes de Barcelona. Estou muito orgulhoso disso”, conclui.

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