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Artes

"Adelaïde" de Wilfrid Almendra no FRAC Marselha

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Está patente até ao dia 30 de Outubro no FRAC Marselha a exposição Adelaïde do franco-português Wilfrid Almendra. Uma obra que convida o visitante a repensar e reinventar os modos de produção e de consumo, questionando as actuais normas económicas e sociais. 

Exposição "Adelaïde" de Wilfrid Almendra, FRAC Marselha.
Exposição "Adelaïde" de Wilfrid Almendra, FRAC Marselha. © FMM
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A obra de Wilfrid Almendra engloba escultura e instalação, com recurso a diversos materiais que provêm da troca directa e da reciclagem. 

Organizada em parceria com a associação Fraeme, a exposição Adelaïde desenvolve-se entre o Fundo Regional de Arte Contemporânea Provence-Alpes-Côte d'Azur, em Marselha, e o Friche la Belle de Mai.

Na sala "Perspectivas" do FRAC, Wilfrid Almendra levantou a “parede de uma estufa”, com vegetação prensada e seca, roupas de trabalho, lugares e objectos periféricos encontrados na beira da estrada… Uma espécie de epifania do banal que questiona as certezas e os códigos de cada um.

Esta ode ao infra-ordinário de Wilfrid Almendra insere-se num projecto de vida que se chama precisamente Adelaide.

Adelaide é, em primeiro lugar, a minha tia em Portugal, que vive numa pequena aldeia onde eu tenho uma casa e este projecto para reabilitar a casa e com trocas.

Então, o que eu faço é: dou uma obra de arte aos meus amigos artistas e em troca eles pensam numa maçaneta, uma porta, um portão, azulejos, uma carpete... o que precisamos para a casa.

Este é um primeiro projecto, feito em torno da ideia de partilha, a ideia de troca.

Adelaide, que está nesta pequena aldeia, produz batatas, a vizinha cria porcos... eu produzo azeite. Esta noção de troca interessa-me imenso e está realmente no centro do meu trabalho.

Depois, Adelaide, é também o nome do meu atelier, onde mostro jovens artistas locais, mas não só. Tenho um espaço bastante grande com ferramentas, por isso disponibilizo competências, ferramentas para muitas vezes eles realizarem a primeira exposição.

Adelaide é também o azeite produzido em Portugal. Tenho um terreno e trabalho com os locais. Há realmente esta história de transmissão que me interessa. Sou uma pessoa da cidade, por isso, aprendo gradualmente com estas pessoas que têm imenso para transmitir.

Tudo isto custa dinheiro, por isso, também tento pensar num sistema económico viável. Produzo cerca de 30 garrafas pequenas de azeite e convido um dos meus amigos artista a pensar num rótulo e outro num carimbo para carimbar a garrafa. Então, tudo é numerado e vendido. O dinheiro angariado volta para a aldeia, para pagar o gasóleo do tractor, para pagar a terra e a produção que custam dinheiro.

É a economia circular, a ideia de que é possível um outro modelo de relação económico e social à escala de uma comunidade, baseado na troca e favorecendo um modo de exploração racional capaz de conciliar natureza e cultura.

Esta economia circular não está apenas no trabalho da terra, está também no meu trabalho de arte plástica.

Trabalho muito com diferentes comunidades. Por exemplo, na exposição no "Friche la Belle de Mai" há muitos tubos de cobre que foram colhidos pelas comunidades. Trabalho com cabo-verdianos mas também com comunidades ciganas. Agora são meus amigos, porque também é uma história de amizade, uma história de respeito, uma história de trocas.

Estes meus amigos são especialistas em desmontar frigoríficos e perguntei-lhes se poderiam recuperar os tubos dos frigoríficos. Durante mais de três meses recolheram os frigoríficos e retiraram os tubos. Em troca dei-lhes cerca de 50 litros de azeite.

Uma exposição que convida à deambulação, sem percurso pré definido, onde o artista franco português joga com os códigos e as certezas do visitante.

Há realmente este trabalho em torno da fragilidade. O FRAC tem uma arquitectura complicada e interessava-me também brincar com esta arquitectura.

Este dispositivo, esta parede de estufa em vidro, rodeia o visitante, é como se fosse uma grande paisagem. E depois temos as flores prensadas que vão interagir com o sol e evoluir no tempo.

 É como se fosse uma grande pintura, mas aqui não é estática, porque interage com as pessoas que passam lá trás e a própria luz e tempo dão tonalidades diferentes à obra.

E é frágil porque tudo isto é colado com fita-cola de dupla face, por isso é extremamente frágil. Além disso há a ruptura, este lado de perigosidade porque não sabemos o que o tempo vai fazer à obra.

Esta obra lembra os jardins dos operários, dos trabalhadores e a economia da horta. É algo que aparece muitas vezes no meu trabalho. A arquitectura da necessidade e não a arquitectura da estética.

Aqui encontramos também joaninhas, formigas, todo o ecossistema que existe numa planta viva que foi prensada e se encontra agora como que “congelado” nesta sala.

Todos estes objectos têm nome próprio, nomes de pessoas. É uma ideia um pouco fantasmagórica.

Temos aqui um boné, sabemos que é um boné porque o vemos. Mas a pergunta a fazer é: será que é verdadeiramente um boné? Na verdade não é um boné, é uma escultura, é alumínio fundido. Não há mais clássico como tipo de escultura.

Gosto de brincar com os códigos e com as certezas. Dizer que é um boné, interessa-me, não me interessa; é uma meia suja, interessa-me, não me interessa... é a forma como olhamos para as coisas negligenciadas. Todos estes objectos pertencem a profissões que são muito ingratas, dos transportadores de combustíveis, da pessoa que vai a nossa casa desentupir os nossos canos, as nossas casas de banho... São todas estas pessoas “pequenas” que eu dei de propósito nome porque são grandes para mim. São pessoas, são parentes, são amigos.

Além disso, gosto muito de envolver pessoas. Pessoas que não têm qualquer ligação com a arte, que não tiveram oportunidade, educação ou simplesmente acesso. Gosto de trazer estas pessoas às minhas exposições, é uma questão de abertura, de desconstrução das coisas e isso interessa-me muito.

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