Acesso ao principal conteúdo
Convidado

Argélia: "Macron está a tocar numa ferida que é o passado colonial francês"

Publicado a:

O Parlamento francês deu luz verde a um projecto de lei para pedir perdão aos harkis, argelinos que estiveram do lado de França na guerra de independência da Argélia. 

Emmanuel Macron, Presidente francês.
Emmanuel Macron, Presidente francês. Ludovic Marin POOL/AFP
Publicidade

Rui Neumann, jornalista especializado em temas de África começou por fazer a sua análise sobre o assunto e considerou que este não é um primeiro passo de redenção, uma vez que já existiram "vários passos que foram dados", apesar de serem "passos tímidos".

"Com a presidência de Emmanuel Macron, o objectivo, por um lado, é dar um novo folgo às relações franco-argelinas, o que também se deve a graves problemas com a Argélia", começou por defender o nosso entrevistado, que recordou que nos últimos meses têm existido acusações mútuas entre o Presidente Abdelmadjid Tebboune e o Presidente Emmanuel Macron. 

Na óptica do nosso entrevistado, este projecto de lei que passa agora para o Senado, tem dois pontos muito importantes.

"Um é o perdão, perdão esse que já foi afirmado e reafirmado no caso de Emmanuel Macron e o outro é no campo na reparação e, neste domínio é que este projecto de lei se torna mais importante porque era o aspecto que os harkis e os descendentes dos harkis exigiam já há muito tempo", defendeu o jornalista.

Esta reparação das agressões que os harkis foram alvo ao longo dos anos vai ser traduzida numa indemnização financeira que está já estimada em cerca de 302 milhões de euros.

Rercorde-se que o fim da guerra da independência da Argélia já se deu há 60 anos. Questionado sobre se este pedido de desculpas aos aliados argelinos no pós-guerra chega tarde demais, Rui Neumann considera que é uma pergunta complexa e explicou os seus motivos.

"Essa questão é sempre muito delicada porque em qualquer processo de colonialização, mas principalmente de descolonização, os crimes acontecem de ambas as partes. França reconhece que agiu mal com os cerca de 90 mil harkis que vieram para França", defendeu.

Para o jornalista, "qualquer guerra da independência tem os seus lados obscuros, os crimes de um lado e do outro e o perdão tem de ser recíproco. Tem de haver um reconhecimento de ambas as partes das falhas cometidas".

Ao longo do tempo, os harkis sofreram com promessas de cidadania e de direitos que, na maioria das vezes, não foram assegurados por França. Rui Neumann reitera o facto de esta situação em 2021 já ser diferente.

"Hoje, em 2021, os harkis são cidadãos franceses de pleno direito. Falamos aqui de uma reparação de um passado, pois muitos deles, que se estimam em 50 mil, estiveram em campos de trânsito em situações completamente degradantes e que nem eram reconhecidos como franceses, nem eram reconhecidos como argelinos e os seus filhos acabaram por sofrer este ambiente também, daí também se falar da reparação e do perdão", reiterou o comunicador.

Segundo Rui Neumann, este discurso de Emmanuel Macron é já uma ação de campanha para as próximas eleições presidenciais: "Quando vemos o calendário é já uma preparação para atrair um determinado eleitorado, apesar do eleitorado harki ser um eleitorado reduzido".

"Emmanuel Macron está a tocar numa ferida que é o passado colonial francês e muito particularmente a Argélia que tinha um estatuto especial. A Argélia do tempo colonial era um território francês. Na minha opinião, Macron quer resolver esta questão também para dar novos passos no restabelecimento das relações com a Argélia que neste momento estão muito tensas", acrescentou.

As relações entre França e a Argélia sempre foram pautadas por enormes tensões, e ainda que existam períodos de calmia, os momentos de confrontação são uma constante.

De salientar que a eleição do actual Presidente da Argélia, que aconteceu em 2019, decorreu num contexto de contestação em massa. O mal estar entre Argel e Paris é, no ponto de vista do nosso entrevistado, um trunfo do chefe de Estado argelino para mobilizar a opinião pública a seu favor.

"É óbvio que este tipo de tensões são frequentemente usadas para federar toda a população contra, digamos, uma agressão verbal/diplomática externa e torna-se, de facto, numa forma de acalmar a questão da contestação interna, realçando este tipo de insultos externos. É uma estratégia antiga", disse ainda.

O jornalista terminou com a ideia de que França é sempre o 'alvo' principal da Argélia devido ao passado que os dois países têm em comum. "A França é sempre o suspeito, alvo principal devido ao passado colonial, sem dúvida", rematou.

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe toda a actualidade internacional fazendo download da aplicação RFI

Ver os demais episódios
Página não encontrada

O conteúdo ao qual pretende aceder não existe ou já não está disponível.