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Ramos Horta volta à presidência da república em Timor Leste

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José Ramos Horta voltará a assumir a chefia do Estado de Timor Leste, ele venceu a segunda volta das eleições presidenciais com 62,09% dos votos, contra 37,91% para o chefe de Estado cessante Francisco Guterres Lú Olo.O antigo Prémio Nobel da Paz de 1996 regressa uma década depois à presidência da república, cargo que ocupou entre 2007 e 2012. 

José Ramos Horta, aqui durante as eleições presidenciais, ganhou a segunda volta das eleições timorenses e voltará à chefia do Estado a 20 de Maio.
José Ramos Horta, aqui durante as eleições presidenciais, ganhou a segunda volta das eleições timorenses e voltará à chefia do Estado a 20 de Maio. © AP - Lorenio Do Rosario Pereira
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José Ramos Horta que, em 2013, assumiu também funções como representante do secretário geral das Nações Unidas na Guiné-Bissau, por exemplo.

Antigo chefe da diplomacia e ex primeiro-ministro Ramos Horta alega que só a insistência de populares o terá convencido a voltar às lides políticas, ele que assumirá funções a 20 de Maio, dia do vigésimo aniversário da independência do Estado asiático lusófono, quando instado a comentar pela RFI a vitória da sua candidatura nas eleições timorenses.

José Ramos Horta: 

Nunca esteve nos meus planos de vida voltar à presidência ou a qualquer função oficial pública timorense. Eu deixei a presidência em 2012 e assumi várias funções internacionais, com as Nações Unidas com think tanks, e outras iniciativas académicas, etc. 

Portanto eu tenho estado super ocupado com funções estimulantes, mas perante a situação que se tem vivido em Timor desde 2017 a degradação da vida constitucional e da vida política degradação da situação social, dada a crise política, mas também claro da pandemia em relação ao qual o governo não teve capacidade de resposta para debelar as consequências da crise da pandemia na situação económica do país.

Com o nosso PIB a afundar 8%, e perante os pedidos de centenas de timorenses ao longo de dois anos, eu aceitei o desafio que para mim é uma honra, um privilégio ! Nada mais importante para mim na vida, no mundo, do que servir este povo magnífico do meu país !

RFI:

O senhor presidente vai tomar posse precisamente na comemoração dos vinte anos da independência do país. Imagino que aí seja também uma data muito simbólica para alguém, como o senhor, que durante anos a fio foi a face visível da luta de Timor pela emancipação.

Sim, é altamente simbólico: 20 anos ! Faremos o balanço dos vinte anos. Creio que o balanço é relativamente francamente positivo. Embora há sempre críticos que apontam apenas e só para o que não foi feito, ou que foi feito mal, mas o país conheceu enormes progressos nesses vinte anos ! Por exemplo na vida política, democrática Timor é reconhecido pelo Freedom House, em Washington, como a melhor democracia no sudeste asiático. Eu diria uma das melhores em toda a Ásia !

E numa região do mundo, e numa situação no mundo em que há recuos, há ameaças às democracias Timor Leste é um exemplo vivo de uma democracia ainda bem viva, bem vibrante !

Mas mesmo na área da economia e social, exceptuando esses últimos três anos, o país cresceu ! A expectativa de vida em 2002 era de menos de 60 anos. Hoje anda por volta dos 70, 71 anos de idade, a esperança de vida !

Ainda temos graves problemas sociais, ainda temos demasiada pobreza, demasiada subnutrição infantil, mas nem tudo pode ser feito em vinte anos ! 

Nem tudo foi possível fazer-se e fazer-se bem na execução dos programas de desenvolvimento. Mas houve também grandes sucessos aí !

Infra-estruturas: estradas boas para muitas partes do país, a electrificação chega a 80% do país.

E o número de médicos ! Havia apenas vinte médicos em 2002 ! Hoje temos 1 200 médicos em cada "suco", em cada aldeia, há um médico e uma enfermeira ou um enfermeiro. Hoje temos mais de dez universidades, em 2002 havia uma com 2 000 estudantes.

Hoje temos 40 000 estudantes, 47 000 mil estudantes universitários ! Portanto progressos notáveis para os que dizem não houve progresso pronto devem viver nalgum outro planeta, menos no no planeta Timor Leste.

Mas há aqui receios relativamente à estabilidade política:  o senhor presidente já tinha dito que tinha a sua mão estendida relativamente à FRETILIN, em relação às ameaças que podem pairar sobre a a estabilidade do país. O que é que nos pode dizer acerca da forma como pretende assumir a sua presidência no debate com os partidos políticos ?

Sou homem de diálogo, diálogo com vista a encontrar soluções para desafios, problemas onde às vezes aparecem como insolúveis. Muitas vezes as paixões, os ânimos aparecem extremados !

Trabalhei nisto no meu país durante a crise de 2006/2007, fui um dos autores centrais da pacificação da crise em 2006/2007 e trabalhei na Guiné-Bissau e em muitas outras situações incluindo na Colômbia onde negociei há muitos anos atrás a libertação de reféns.

Portanto eu sei o que é a resolução de conflitos, sei o que é construir pontes e e a situação actual de hoje em Timor não é comparada à situação de crise de 2006 ! 

A crise aqui é crise política, crise da nossa democracia. Quando optamos pela democracia, o multipartidarismo, às vezes o resultado é isto: confronto de ideias. Muitas vezes nem é confronto de ideias ! Confronto de personalidades, de egos. E a vida é assim. Temos de lidar também com isto.

Precisamente em relação a isso o chefe de Estado cessante já lhe ligou para lhe dar os parabéns ?

Ainda não, mas já temos encontro oficial marcado para começarmos, as duas equipas, dos dois lados para falarmos da transição. O contacto já foi feito pela presidência com a minha equipa para um encontro com o presidente Francisco Guterres Lú Olo.

O senhor presidente foi diplomata, foi jornalista e nomeadamente as questões das relações internacionais, imagino, tenham para si um um papel preponderante. Timor Leste tem apostado numa adesão a prazo à ASEAN (Associação das nações do sudeste asiático). Acha que esse dossier é prioritário e poderá vir a ser relançado?

É absolutamente prioritário e tem progredido ao longo desses anos, cumprimos com as chamadas metas ou critérios de adesão com muito sucesso ! Com felicitações por parte dos países da ASEAN,  há um consenso sólido E a adesão à ASEAN é para breve! Portanto eu vou chamar para mim a responsabilidade de coordenar esta última etapa da nossa adesão à ASEAN.

O mundo está em guerra, nomeadamente, portanto continua a invasão russa à Ucrânia. Imagino que o impacto económico também se venha a fazer sentir, se já não é o caso em Timor Leste ?

A crise, a guerra, Rússia/Ucrânia mas também, e pior ainda, a pandemia na China e a política draconiana chinesa de lockdown [confinamento] de Xangai que tem o maior porto comercial do mundo. Estas duas questões: portanto primeiro uma pandemia que começou 2020 e afectou a economia mundial !

Mas agora, com a pandemia instalada na China, e as medidas de contenção impostas pela China, significa quase a paralisia do porto de Xangai. e paralisia de todo o transporte de contentores de exportação importação. Imagina: são centenas de biliões de dólares de exportação da China para os Estados Unidos, centenas de biliões de dólares de exportação dos Estados Unidos para China e dos dois países, da China para outros países do mundo. Imagina com essa política chinesa de contenção do COVID qual é o impacto mundial !

Que a guerra da Ucrânia e a somar a tantas outras guerras, totalmente inexplicáveis, como a Síria que continua há mais de dez anos, Yémen, a a Líbia.

Enfim, o conflito permanente entre o Irão e Israel e Irão/Estados Unidos. Enfim, fragiliza a própria União Europeia ! Porque com muito boa vontade que a União Europeia tenha em relação ao Terceiro Mundo, a União Europeia tem sido solidária.

Mas eu pergunto quanto é que a União Europeia pode aguentar, não é? Com o acorrer a essas crises humanitárias do mundo. Falo da União Europeia porque é o maior doador mundial !

Toda a ordem internacional construída no pós-guerra, as alianças estão todas ameaçadas ! Essa invasão da Ucrânia não tem razão de ser ! A Rússia não a devia ter invadido, embora não concordo com política da NATO [Organização do Tratado do Atlântico Norte], dos países da OTAN, portanto Estados Unidos e outros, de teimarem em adquirir mais membros para a NATO.

A Europa deveria ser um grande bastião de paz e de fraternidade ! Não é com armas nucleares,  não é com milhões de homens e mulheres em armas que a Europa vai ser grande !

Mas, obviamente, a Europa tem muita desconfiança em relação à Rússia. A Rússia tem feridas profundas em relação à NATO, em relação à Europa. Tem muita suspeitas.

É uma situação que exige a melhor liderança possível, a melhor visão, a melhor inteligência possível da parte dos europeus e dos americanos, e da parte da Rússia.

Os países grandes fazem as guerras e nós, países da periferia, também sofremos. E sofremos mais ainda que os países ricos e poderosos.

Precisamente durante muito tempo Timor Leste e o Saara Ocidental estiveram juntos em relação à luta pela emancipação. O Saara Ocidental continua a não poder organizar o seu referendo. Eu perguntar-lhe-a quais serão as suas relações com Marrocos, que tem conseguido agora novos aliados. Mesmo a Espanha, antiga potência colonial do Saara Ocidental, agora diz que o plano mais realista para o Saara Ocidental é de facto o plano de autonomia marroquino ?!

As Nações Unidas, felizmente, continuam a ter agendada a questão do Saara ocidental, assente para a sua resolução; assente na realização de um referendo. Única solução possível, que eu creio a longo prazo para a questão do Saara ocidental é chegar a um acordo para a realização de um referendo. Pode ser um referendo em relação à autonomia especial. Como aconteceu com Timor Leste !

O que foi colocado ao povo de Timor Leste em 1999 no Acordo de 5 de Maio, negociado pela ONU com Portugal e Indonésia foi precisamente um referendo. Não se usou o termo "referendo", usou-se "consulta popular" sobre o plano de autonomia. A haver um plano de autonomia, ou qualquer plano que seja, deve ser colocado à decisão livre e soberana do povo que mais direito tem relação à solução final para o problema.

Muito bem. Querem propor uma autonomia? Se é a Espanha e outros bem dizem que é a solução mais realista ! Muito bem. Coloca-se essa questão, essa autonomia a um acto referendatário pelo povo do Saara Ocidental.

PortantoTimor Leste não abandona os saarauis?

Não é uma questão de abandonar ou não. É uma questão de estar na agenda da ONU, na Assembleia geral e Timor continuará a apoiar. Eu não estou no governo há dez anos, mas eu acredito que é a política do governo timorense, do Presidente da República e outros, desses dez anos tem sido de continuação de apoio ao direito do povo do Saara ocidental à autodeterminação e qualquer solução só pode passar por via do diálogo, mediado pela ONU, entre Marrocos e a Frente Polisário

Qualquer que seja a solução que queiram, que negociem mesmo uma negociação entre o Saara ocidental, a Polisário e o reino de Marrocos deve ser posto à decisão do povo.

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