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Moçambique no Conselho de Segurança da ONU "é uma questão de dignidade"

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Pela primeira vez, Moçambique foi eleito para o cargo de membro não-permanente no Conselho de Segurança da ONU. Com um contexto geopolítico interno divido entre a luta contra o terrorismo e sectores económicos à procura de investimentos estrangeiros, as questões com as quais Moçambique lidará no órgão supremo da ONU serão inevitávelmente a guerra na Ucrânia e o aquecimento global.

Conselho de Segurança da ONU, em Nova Iorque.
Conselho de Segurança da ONU, em Nova Iorque. REUTERS/Andrew Kelly
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Entrevistámos Michel Cahen, especialista de Moçambique e da Africa lusófona contemporânea e ligado ao Centro Nacional [francês] de Investigação Científica, sobre a visão de Moçambique sobre o mundo nos próximos dois anos e o seu papel no Conselho de Segurança da ONU. 

Ouça a entrevista aqui: 

09:01

Convidado 02.01.2023

 

Pedro Comissário, o embaixador moçambicano das Nações Unidas, disse que o combate contra o terrorismo é uma das prioridades a incluir na agenda. Em que medida é que o papel de membro não-permanente de Moçambique vai impulsionar a questão da luta contra o terrorismo? 

"Sinceramente eu penso que isso não vai mudar nada. Fala-se do terrorismo no norte do país sem analisar as raízes históricas da rebelião nessa região do país. Hoje em dia, o terrorismo cobre um leque tão vasto de situações que, ao meu ver, isto não vai mudar muito."

Mas não acha que ascendendo a um papel de importância a nível internacional, Moçambique poderá pôr na mesa do Conselho de Segurança da ONU esta questão da luta contra o terrorismo?

"Sim, mas o terrorismo onde? O terrorismo em Moçambique? O terrorismo na Síria no Irão? Há tantas situações que são hoje caracterizadas de terroristas que isso enfraquece a luta contra o terrorismo. Não há unanimidade internacional. 

Por exemplo, o que vai ser interessante observar é a posição de Moçambique em relação à guerra da Rússia contra a Ucrânia. Para países como Moçambique, esta é uma guerra dos europeus, do Ocidente entre eles.

Por isso, Moçambique tomou uma posição de neutralidade, como muitos países africanos. No entanto, as agressões russas podem ser analisadas como sendo terrorismo. Vai haver uma contradição completa. Carecemos de uma definição cuidadosa do que é o terrorismo para poder lutar realmente contra isso.

E mesmo no caso de Moçambique, onde os jihadistas cometem actos terroristas, não basta dizer "são terroristas, vamos matá-los a todos". É preciso ver as raízes históricas locais. 

No Brasil, Lula da Silva, que acabou de ser empossado presidente da República pela terceira vez, teve declarações absolutamente terríveis sobre a Ucrânia, considerando que grande parte da responsabilidade da guerra era da Ucrânia.

Moçambique e Brasil não vão apoiar a Rússia, mas é certo que vão impedir qualquer posição clara do Conselho de Segurança das Nações Unidas em relação à guerra contra a Ucrânia."

Precisamente Moçambique, tal como muitos outros países africanos, nunca condenou a invasão russa à Ucrânia e a guerra que sucedeu. Que credibilidade terá Filipe Nyiuzi aos olhos dos países ocidentais que condenam a guerra? 

"Moçambique decidiu ter uma posição de neutralidade. Fundamentalmente Moçambique é um país ocidental, capitalista, de política neo-liberal, é membro do Banco Mundial, é membro da Organização Internacional de Comércio e de todas as grandes instituições internacionais do Ocidente. 

Mas Moçambique procura alargar um pouco as suas estreitas margens de independência, não se alinhando sempre com o Occidente. 

Por exemplo, um dos temas importantes para Moçambique no Conselho de Segurança das Nações Unidas é o clima. Moçambique sofreu muito, nos anos passados, de cheias, de secas.... É uma preocupação importante, mas ao mesmo tempo, Moçambique está a aceitar mega projetos de gás e de petróleo no norte do país que vão continuar a agravar o clima. Por um lado diz-se que a prioridade é o clima e por outro lado abre-se os braços à Total [empresa petrolífera francesa]. 

Apesar das declarações positivas do embaixador Pedro Comissário, a elite moçambicana está à espera do dinheiro do gás e do petróleo. Isso será sempre mais importante do que declarações diplomáticas." 

Vai haver um conflito de interesses? 

"Claro! Conflito de interesses e contradição flagrante. A longo prazo, Moçambique não deveria abrir novos poços de gás e de petróleo. A curto prazo, a elite quer o dinheiro. Os outros países tiveram o direito de explorar as suas fontes de petróleo e de gás, porque é que Moçambique não haveria de ter o mesmo direito? Isto é também um problema internacional que tem que ser discutido no Conselho de Segurança. 

Para que países como Moçambique abandonem a exploração do gás e do petróleo, é preciso que haja subsídios internacionais." 

Tem-se falado bastante da urgência das reformas do Conselho de Segurança da ONU para integrar a voz do continento africano na instituição, mas não há unanimidade quanto ao país africano mais indicado para representar o continente. 

"Obviamente Moçambique não se tornará membro permanente do Conselho. Será um país árabe, ou a Nigéria, ou a Africa do Sul. Mas isso, são os africanos que o devem decidir. A assembleia geral da ONU não deve decidir, a meu ver, qual será o país africano mais indicado para representar a voz do continente." 

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