Acesso ao principal conteúdo
Convidado

Moçambique: "Projectos, sonhos e utopias não deram resultados"

Publicado a:

Moçambique assinala este domingo, 25 de Junho, 48 anos de independência. O historiador moçambicano, António Sopa, destaca o facto de "Moçambique ser hoje formalmente governado pelos moçambicanos", mas que existe "uma profunda desilusão".

Historiador moçambicano, António Sopa.
Historiador moçambicano, António Sopa. © RFI/Lígia Anjos
Publicidade

RFI: A 25 de Junho de 1975 foi proclamada a independência de Moçambique. Passados 40 anos, o que é que se pode dizer em relação a esta independência?

António Sopa: Moçambique é um Estado independente. A primeira coisa, e a mais importante, é dizer que Moçambique é hoje formalmente governado pelos moçambicanos. Vamos às repartições, aos serviços, às empresas e são os moçambicanos que estão lá. Agora, o que os moçambicanos fazem dessa independência, isso já é muito mais problemático. Numa outra perspectiva, acho que existe uma profunda desilusão do que se passa neste 48 anos. As pessoas foram envolvidas em projectos, sonhos, em utopias que, em princípio, não deram resultado nenhum.

Que sonhos tinham os moçambicanos em 1975?

O primeiro grande sonho era as pessoas não se sentirem descriminadas. Queriam sentir-se livre, iguais aos outros cidadãos que estavam aqui. O outro aspecto fundamental era terem uma vida melhor, com melhores condições de vida. Nesse aspecto, as coisas são dramáticas. As pessoas vivem, por vezes, em piores condições que viviam no tempo colonial. Alguns desses políticos, quando de manhã se levando e se olham ao espelho, deveriam sentir vergonha de deixarem o país que têm. Deviam ter pensado num país melhor e isso não se fez. Só se fazem promessas, promessas difíceis de concretizar.

Moçambique viveu várias guerras, principalmente uma guerra civil de dez anos, que destruiu o país. Hoje, podemos falar em paz?

Não, não há paz. Nós saímos de um ciclo militar para outro ciclo militar. O fim deste processo de desmobilização não tem impacto nenhum porque vivemos um conflito que, aparentemente, vai ser muito mais doloroso e muito mais mortífero que o que houve com a Renamo. As pessoas estão a pensar nas consequências do próximo conflito ou do conflito que já está a decorrer, mais do que deste que já acabou ou que, teoricamente, está acabado.

Está a falar do conflito em Cabo Delgado?

Sim, claro. Estou a falar dos movimentos militares que há lá, no norte de Moçambique. 

Em algum momento Moçambique viveu um período com estabilidade, sem qualquer conflito?

Não, não. A Renamo aparece logo em 1976. Um ano depois da independência, começaram os conflitos. Primeiro, pela posição de Moçambique em relação à África Austral, sobretudo à antiga Rodésia do Sul e à África do Sul e depois, esse movimento que foi criado artificialmente, transformou-se num movimento com apoio da população moçambicana. A Frelimo já estava a ser contestada em muitos aspectos.

Oficialmente, a luta de libertação de Moçambique teve início a 25 de Setembro de 1964 com um ataque ao posto administrativo de Chai, em Cabo Delgado. A guerra durou dez anos, culminou com a assinatura dos Acordos de Lusaca, na Zâmbia, no dia 7 de Setembro de 1974, entre a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) e o governo português.

Este foi um processo longo porque Portugal foi vítima do seu próprio artifício legal, dizendo que as colónias eram províncias ultramarinas, semelhantes às províncias e viveu nesse mundo imaginário, sem nunca o reconhecer. O 25 de Abril de 1974 nasce em resultado das guerras que estavam a ser travadas em Angola, Moçambique e na Guiné. Essas guerras tiveram um impacto terrível na política portuguesa.

Contribuindo para o 25 de Abril de 1974.

Contribuindo para o 25 de Abril e depois todo o processo foi muito rápido até à independência. Os soldados recusaram-se a combater, queria regressar para casa e não havia capacidade de ter uma situação militar no terreno. Quando há pessoas que defendem que a guerra estava perdida, isso é não ter ideia nenhuma do que estava a acontecer. Os soldados portugueses já não queriam combater e começaram a confraternizar com soldados dos movimentos de libertação. Essa transição teve de ser feita muito rapidamente. 

A pretexto das comemorações dos 48 anos de independência, que se assinalam este domingo, o partido extra-parlamentar Nova Democracia organizou uma marcha no sábado. Alguns manifestantes diziam-nos que Moçambique é um Estado independente, mas que os moçambicanos estão dependentes.

Nós vivemos do investimento estrangeiro. Não é difícil perceber que as grandes empresas que estão aqui são empresas estrangeiras, que se estão a aproveitar, fundamentalmente, dos recursos minerais. Não é uma realidade nova na África. A maior parte dos países africanos vive das exportações de minérios. É isso que nós fazemos porque não fazemos mais nada. 

Nos últimos meses, vejo que o governo está interessado na industrialização de uma série de coisas. Vamos ver se é isso que vai para a frente.

Moçambique depende de recurso e de ajuda externa, mas país tem condições para ser autónomo?

Sim, o país é extremamente rico. Por que razão as coisas não avançam... Vamos vivendo de milagres. Há dez ou quinze anos era o milagre do carvão que ia mudar Moçambique. Agora é o gás que vai mudar não sei o quê em Moçambique. Vivemos de milagres em milagres. Depois do gás não sei o que vai surgir.

Quais são os entraves para que estes recursos não sejam suficientes?

Acho que este sistema económico que temos não resolve o problema. Não vejo que o governo tenha alguma capacidade ou se pode, perante os interesses internacionais, procurar outras formas de fazer a gestão económica e política do país. Essa é uma questão fundamental, se nos deixam assumir uma outra realidade. Estamos completamente dependentes deste dinheiro que vem de fora.

Isso tem que ver com o modelo governamental, em que apenas um partido está no poder?

Sim, temos só um partido que governa desde a independência até agora. A sacar responsabilidade é a ele, não é a mais ninguém. Depois do falhanço do tal comunismo, que surgiu depois da independência, o socialismo, houve vários projectos e todos eles falharam. Depois disso, deixou de haver projecto. O país vive o dia-a-dia, faz uma navegação com terra à vista. É assim que vai avançando, mas sem grandes ambições e estratégias.

Isso impede o desenvolvimento?

Impede o desenvolvimento porque, no futuro, o nosso investimento vai ser apostado em quê? Na educação, na saúde? Quando você olha à sua volta está tudo mal. Não se sabe muito bem onde agarrar porque está tudo mal. É preciso ter um olhar para saber onde vamos agarrar isto. 

O caso das Dívidas Oculta veio evidenciar a corrupção como um peso pesado em Moçambique... este é um entrave ao desenvolvimento social, económico e político para o país?

Os grandes escândalos de corrupção e de desvios de dinheiro não são feitos pelos pequenos trabalhadores, são feitos pelos dirigentes das instituições, dos organismos. É aí que se fazem os grandes negócios. O caso das Dívidas Oculta, independentemente, de quem foi punido, castigado.. isso não me disse nada. O que disse foi como é que funciona o nosso sistema, isso sim é importante. É uma coisa tenebrosa. 

As pessoas estão muito preocupadas porque o fulano tal não foi julgado, o outro ainda não foi condenado ou está fora. O que me interessou neste julgamento foi perceber como é que este sistema funciona e atinge desde um Presidente da República até outras pessoas que estão cá, mais em baixo.

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe toda a actualidade internacional fazendo download da aplicação RFI

Ver os demais episódios
Página não encontrada

O conteúdo ao qual pretende aceder não existe ou já não está disponível.