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Segurança regional é o principal desafio da presidência angolana da SADC

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Angola assume, hoje, a presidência rotativa da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral, na cimeira de Chefes de Estado e de Governo da SADC. O maior desafio é a estabilidade regional, tendo em conta o terrorismo em Cabo Delgado e o conflito no leste da República Democrática do Congo, sublinha o analista angolano Osvaldo Mboco, acrescentando que Luanda deveria aproveitar para acelerar a sua entrada na zona de comércio livre da SADC e apostar no desenvolvimento das suas infra-estruturas.

O Presidente de Angola, João Lourenço, à chegada à 43ª cimeira de chefes de Estado e de Governo da SADC. Luanda, Angola, 17 de Agosto de 2023.
O Presidente de Angola, João Lourenço, à chegada à 43ª cimeira de chefes de Estado e de Governo da SADC. Luanda, Angola, 17 de Agosto de 2023. © LUSA - Ampe Rogério
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RFI: Quais são as prioridades de Angola na presidência da SADC?

Osvaldo Mboco, especialista em Relações Internacionais: As prioridades de Angola serão, sem sombra de dúvida, as questões ligadas à paz, segurança e estabilidade regional. Tendo em linha de atenção que a SADC hoje enfrenta dois focos de tensões, nomeadamente o leste da República Democrática do Congo que é instável do ponto de vista militar e também a questão de terrorismo na região de Cabo Delgado em Moçambique. Esses dois elementos, sem sombra de dúvida, serão as grandes prioridades da presidência de Angola ao nível da SADC.

Há outros assuntos que também combinarão a pauta da presidência, nomeadamente as questões que têm que ver com o próprio capital humano, capital financeiro, a questão da industrialização porque se falamos de processo integrativo e de integração regional estamos a referir que temos que olhar para as trocas de produtos e mercadorias. Isso só é possível com estratégias do ponto de vista de industrialização a nível da própria região, se partirmos do pressuposto que a África do Sul é o país mais industrializado da própria região e os demais países apresentam quadros negativos do ponto de vista da industrialização. Daí que a África do Sul ocupe mais do que 80% do PIB da própria região.

O lema da 43.ª Cimeira Ordinária de Chefes de Estado e de Governo da SADC, que se realiza esta quinta-feira, em Luanda, é “Capital Humano e Financeiro : principais factores para a industrialização sustentável da região da SADC”. Falou da paz e segurança. Como é possível fomentar esta industrialização quando temos instabilidade na Região dos Grandes Lagos e terrorismo no norte de Moçambique?

 Eu diria que o principal desafio da presidência de Angola na SADC passa essencialmente por esses dois focos de tensões porque só se pode falar em integração regional se tivermos a região estável do ponto de vista político e militar também. Penso que a estratégia de Angola será aplicar o princípio da segurança colectiva para as questões estruturais e também todos os Estados andarem na mesma sintonia quanto a essas questões e o maior desenvolvimento das acções daquilo que é o órgão de paz, segurança e defesa ao nível da SADC. Este órgão também tem a missão de tratar de questões que têm muito a ver com a paz na região e será um dos órgãos que deve, de facto, imprimir uma nova dinâmica.

E o que é que Angola tem para imprimir de novo para resolver esta instabilidade em Moçambique e na Região dos Grandes Lagos?

Bem, a nível dos Grandes Lagos poderemos dizer que será uma estratégia de continuidade, se partirmos do pressuposto que o Estado angolano tem estado a mediar as várias crises políticas e militares a nível da Região dos Grandes Lagos. Penso que será uma estratégia de continuidade. Vai permitir a Angola sair de uma base que é a Região dos Grandes Lagos, em que o número de membros é menor, e vai permitir uma abordagem maior ao nível da SADC. Daí que eu diria que é uma base de continuidade da perspectiva de Angola a nível da Região dos Grandes Lagos e que tem muito a ver com a diplomacia preventiva, por um lado.

A nível de Moçambique, Angola também tem estado a dar passos nesta direcção. Se partirmos do pressuposto que no contingente da SADC que está em Moçambique, Angola tem aproximadamente 21 efectivos - muito mais para treinamento e outras questões também não propriamente forças no terreno - então Angola tem dado um passo nesta direcção. O que Angola poderá aqui agregar como elementos inovadores ou como elementos que se constituirão numa maior vantagem é tentar dinamizar ao máximo a actuação do Estado angolano conjuntamente com os outros Estados porque Angola não poderá andar sozinha - pese embora tenha a responsabilidade de presidir e também colocar as questões que vão dominar a agenda política da própria organização. É procurar uma estratégia de defesa colectiva ao nível da região, fazer com que os outros Estados se engajem muito mais naquilo que são as forças de alerta da SADC com o intuito mesmo de reduzir ao máximo esses focos de tensões.

Angola é um país que, de um ponto de vista prático, é consensual em matérias de gestão e resolução de conflitos a nível do continente africano e na região da SADC. É mediador e, até certo ponto, também reúne consenso e penso que é um período em que a diplomacia angolana vai ser colocada à prova, aquilo que pode ser o dinamismo da diplomacia, o que podemos entender como uma diplomacia pró-activa.

Um dos temas da cimeira desta quinta-feira deverá ser a eventual candidatura a de Angola à presidência rotativa da União Africana. Que vantagens é que isso traria para Angola e para os países da região austral?

É do domínio público que quando um país preside uma organização do ponto de vista continental acarreta consigo vários desafios e também acarreta consigo responsabilidades. Mas do ponto de vista de vantagens, é o momento em que o país pode ganhar maior notoriedade do ponto de vista daquilo que é a imagem do país sobre os assuntos que vão dominar a pauta africana.

O país também pode influenciar a agenda do próprio continente, trazendo assuntos que são de interesse do continente e trazendo também assuntos que são de interesse do seu próprio Estado. E aqui, quando falamos do processo integrativo, Angola pode levar a questão do Corredor do Lobito porque o Corredor do Lobito até certo ponto pode ser transformado num caminho-de-ferro transfronteiriço, se partimos do pressuposto que ele pode ligar o Atlântico até ao Indico, passando por Angola, Zâmbia, República Democrática do Congo e até à Tanzânia. Então, o Estado angolano pode colocar na agenda de discussão assuntos que são do seu interesse, de interesse também da própria organização e influenciar ao máximo as discussões neste ano.

É a terceira vez que que Angola assume a presidência rotativa da SADC e ainda não integrou a zona de comércio livre da SADC. A presidência angolana da SADC pode e deve acelerar a sua entrada ou é preciso cautela?

Deve acelerar a sua entrada e aqui é importante fazer algumas anotações. A primeira vai na seguinte direcção: Angola já desarmou 65% por cento da sua pauta aduaneira, falta aproximadamente 20% porque o que é exigido é que seja 85%. Mas temos que fazer referência que Angola também, do ponto de vista da industrialização, tem muitos constrangimentos. As questões das infra-estruturas de apoio ao comércio em Angola constituem, até agora, grandes desafios, nomeadamente as estradas, os caminhos-de-ferro, os portos, os aeroportos também.

Nós ainda temos zonas em Angola que não têm electricidade e isso dificulta, até certo ponto, a atracção de investidores. Temos uma indústria recente que é incipiente, até certo ponto, mas penso que deve ser entendimento das autoridades angolanas perceberem a importância da zona do comércio livre e olharem para uma perspectiva de um gradualismo do ponto de vista da própria zona de comércio livre da região porque a SADC que já começa a discutir também aspectos que têm a ver com as questões aduaneiras.

Então, Angola, se não correr e acelerar, poderá ficar para trás sobre as várias discussões que são do interesse da própria região. Um país que está a presidir uma organização a este nível deve ser um país exemplar sobre os vários dossiers que dominam a própria vida da organização. Penso que Angola deve, de facto, acelerar ao máximo no desarmamento da sua pauta aduaneira, bem como no processo de industrialização que vai permitir, até certo ponto, a diversificação da própria economia do Estado e também competir ao nível da zona de comércio livre.

Seria possível entrar já nos próximos 12 meses?

Sou apologista que sim, deve. Mas deve fazê-lo olhando para um princípio do gradualismo da sua própria implementação porque a narrativa política que domina a não entrada de Angola é a fraca produção que Angola apresenta e que Angola poderá servir de mercado de escoamento de produtos dos Estados vizinhos. Até certo ponto sim, mas isso também é obrigar os empresários e as autoridades angolanas a acelerar um pouco mais o seu processo de industrialização.

Por isso é que eu dizia inicialmente que é fundamental o país conjugar a estratégia a nível da SADC com políticas internas do ponto de vista do fomento à produção e também de financiamento às empresas angolanas que têm capacidade de produção. Ou seja, era crucial que o Estado angolano abrisse linhas de financiamento a empresários com juros bonificados, isenções fiscais, taxas de juros baixas, para permitir que essas empresas ganhem determinada robustez ou ganhem robustez no sentido de competirem com as outras empresas dos outros Estados. Porque, se olharmos do ponto de vista prático, o país mais industrializado é a África do Sul e a África do Sul olha para o mercado angolano também como um grande mercado. Seria uma oportunidade de a África do Sul aumentar o seu volume de negócios em Angola.

Angola, ao nível da SADC, é um dos melhores mercados em termos de consumidores e é um mercado muito apetecível para os empresários. Mas os empresários angolanos têm que fazer esse movimento para os outros Estados do ponto de vista de penetração porque, se repararmos, as realidades dos estados membros da SADC, comparativamente com Angola, são quase similares. Quer dizer, o processo da penetração e da industrialização de muitas empresas angolanas nesses mercados poderia ser muito mais fácil devido a essa similitude do ponto de vista de características. Seria muito mais difícil olharmos numa perspectiva das empresas angolanas irem para a Europa, irem para a América do Norte, mas a nível da região austral pode-se fazer esse trabalho porque temos muitos países que, na realidade, são similares.

Menos o gigante África do Sul…

Tirando a África do Sul, ainda restam por aí 14 países. Então, Angola também pode tentar fazer este movimento. Claramente que numa zona de comércio livre, o país que mais sai a ganhar na região austral é a África do Sul devido as características do próprio país.

 

 

A SADC é um bloco económico formado pelos lusófonos Angola e Moçambique, além da África do Sul, Botsuana, República Democrática do Congo, Comores, Lesoto, Madagáscar, Malaui, Maurícias, Namíbia, Essuatíni, Seicheles, Tanzânia, Zâmbia e Zimbabué.

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